O monstro trotskista que continua austero

A Europa não foi feita à esquerda. A ideia de que vai mudar alguma coisa só vai acontecer se for para ficar tudo na mesma

A direita tem um problema sobre a atual «política patriótica e de esquerda» para usar o jargão do PCP. O centrista Telmo Correia veio ontem falar do «monstro trotskista» que anda alegadamente à solta, já que o diabo antecipado por Passos Coelho não compareceu ao encontro marcado.

Em entrevista ao i, já o social-democrata José Pedro Aguiar-Branco tinha chamado a António Costa «lobo marxista» que alegadamente estaria debaixo da «pele de cordeiro». Passos, o homem dos maiores cortes de que há memória, veio condenar o Governo por não ter uma «estratégia para pôr a economia a crescer sem precisar de cortes permanentes, sem precisar de medidas extraordinárias». Na véspera, Luís Montenegro tinha acusado o Governo de prolongar a austeridade.

A tragédia da direita é ser ‘obrigada’ a oscilar entre acusações de um hipotético despesismo do Governo que pode conduzir a um novo resgate e uma coisa radicalmente oposta, que é denunciar a austeridade que o Governo mantém. As duas sentenças excluem-se a si próprias.

Mas é verdade que os tempos estão difíceis para a direita, excluída do poder por causa de uma solução de Governo que nunca tinha sido experimentada, em que Bloco de Esquerda e PCP, contra todas as expectativas, se dispõem a aprovar um Governo que cumpre «escrupulosamente» os compromissos europeus. Se se confirmar que vai ser conseguido o défice mais pequeno da democracia, o PSD e o CDS ainda vão ter mais dificuldades em encontrar argumentos para fazer oposição. Afinal, o que o Governo PS está a fazer é precisamente aquilo a que eles se propuseram: fazer exatamente aquilo que a Europa pede.

É aqui que reside o maior incómodo da esquerda. A prazo, será insustentável fazer discursos contra as obrigações europeias – diariamente feitas pelos altos dirigentes do Bloco de Esquerda e do PCP – e aprovar um Governo que as cumpre primorosamente. A exultação do «governo das esquerdas» vai dar lugar a uma grande desilusão. A Europa não foi feita à esquerda e a ideia de que vai mudar alguma coisa só se for como em “O Leopardo”: será certamente para ficar tudo na mesma.