Impressoras para Marte, hotéis para refugiados e a batalha pelas mulheres invisíveis

No compasso de espera por Paddy Cosgrave, escolhemos quatro caras ao calhas na plateia da MEO Arena. Alguns minutos de conversa não desiludem: são 53 mil participantes, mas pela curta amostra trazem ainda mais milhares de ideias na cabeça

Missão: levar Ford a Marte

O chamariz são os longos cabelos roxos de Draya, mas o porta-voz é Greg Griffith. Ela tem um blogue de tecnologia e afins (mais afins do que outra coisa, confirmamos pelo slogan “life, food and mimosas” do Bronxgirl718), mas o grupo veio de Nova Iorque com mais do que posts nas redes sociais na cabeça: querem encontrar os parceiros certos para desenvolver a Dobis Space, uma startup sediada na Virgínia que se dedica ao futuro da “amartagem”, ou seja, a desenvolver novos equipamentos que permitam ao homem explorar Marte. “Se conseguirmos fazer algum contacto na área da exploração espacial, seria ótimo”, diz Greg, justificando o investimento na casa dos 10 mil euros entre quatro bilhetes e viagens dos EUA. “Temos equipa para desenvolver o projeto, mas o objetivo é avançar mais depressa.” Conseguiram ser uma das 200 startups com lugar na competição Pitch da Web Summit, apresentações que vão decorrer ao longo da conferência destinadas a empresas que ainda não ultrapassaram os três milhões de euros em investimento. “Vamos ter quatro minutos para apresentar a ideia a investidores e parceiros. Neste momento, zero investimento, mas estamos a trabalhar com figuras de topo como Lisa May, da NASA.” Como vai ser a apresentação tipo shark tank? Greg diz que ainda não fechou o discurso, mas o Linked-In dá uma ajuda. Querem usar o mundo novo da impressão 3D para o desenvolvimento de módulos espaciais. “Vamos fazer pela indústria especial o mesmo que Ford fez com as linhas de montagem no setor automóvel” – a estandardização da era espacial.

Hotéis para refugiados Jean–Robert Levy começou há seis anos a trabalhar numa área cada vez mais na ordem do dia: criar novas redes de alojamento para refugiados. Hoje, a CosyBreak tem uma rede de oito hotéis em França com uma tabela social: 16 euros por noite. “Os governos acham sempre que é muito, nós achamos um valor suficientemente baixo”, diz o fundador da startup. O certo é que estão lotados. Nas últimas semanas, o desmantelamento do campo de refugiados de Calais mostrou que continua a ser urgente encontrar novas soluções nesta área. “Só conseguimos receber 15 pessoas.” Mas o que os traz a Lisboa não é a inovação na rede hoteleira: querem desenvolver novos serviços de apoio à integração e andam à procura de ideias no maior escaparate tecnológico da Europa. “Queremos saber o que está a ser feito e o que poderíamos aproveitar, seja uma aplicação para aprender a língua ou que permita melhorar a acessibilidade dos refugiados a outros serviços.” Não estão sozinhos. A crise de refugiados e o potencial do mundo digital na procura de soluções vão ser dos temas em destaque num painel de debate organizado esta terça–feira na conferência pela plataforma Techfugees.

O tempo das mulheres Telle Whitney tem uma credencial laranja, sinal de que é uma das oradoras da conferência (é o primeiro dia e ainda nos estamos a habituar à sinalética do evento). Diretora no Instituto Anita Borg, nos EUA, organização não governamental que se dedica à promoção das mulheres nas empresas tecnológicas, o motivo da vinda a Lisboa é precisamente a guerra da igualdade de género, que não têm estado a ganhar. Telle tem 60 anos e é formada em Ciências da Computação. Mesmo assim, estará melhor do que nos seus anos de faculdade, não? “Nem por isso. Nos anos 80, nos EUA havia uma percentagem de 30% de mulheres nos cursos de Computação, e baixou para 18%”, responde a CEO, que lamenta que mesmo as mulheres que foram mais longe nesta área sejam muitas vezes invisíveis. “Vai agora estrear o filme ‘Hidden Figures’ nos EUA, que conta a história da afro-americana Katherine Johnson, que fez os cálculos das trajetórias da ida do homem à Lua em 1969. Quem ouviu falar dela?” O que tem mantido as mulheres alheadas da tecnologia? “O porquê é difícil de responder, mas tudo começa com o início do PC, em que a maioria das aplicações eram jogos, que atraíam mais os rapazes.” Como mudar isto, começando por diagnosticar o problema dentro de cada startup, é a proposta que traz a Lisboa. “Muitas vezes, os próprios anúncios de recrutamento são feitos a pensar nos homens. É um desperdício: é desaproveitar à partida metade do capital humano.”

O jantar de Oliver no Caracol Oliver Nermerich, 35 anos, é especialista em relações públicas e redes sociais num grupo alemão de comunicação e, defeito de profissão, vem a Lisboa sobretudo com vontade de conversar. “Quero fazer contactos e discutir o futuro”, resume – o futuro do marketing, o futuro da comunicação, o futuro do mobile. A agenda da conferência não chega e, mesmo com um mar de eventos paralelos a acontecer em Lisboa, Oliver já tratou de organizar um jantar numa tasca recomendada por um amigo, o restaurante O Caracol. Como imagina o futuro? Oliver sorri. “Eu agora tinha uns óculos tecnológicos, olhava para o código QR na tua credencial, conseguia ver de imediato de onde és, onde trabalhas, se és solteira. Isto de termos de tirar o telemóvel para ler o código não dá muito jeito. Até podia surgir ao lado um quadro com a informação em realidade virtual. O laptop morreu, o mobile talvez dure mais uns anos, mas a grande questão é o que virá a seguir.”