Garcia de Orta: relatório da DGS não corresponde à realidade de domingo

Direção Geral de Saúde considerou que Garcia de Orta cumpria as normas de isolamento, uma vez que havia uma cama de intervalo entre infetados e não infetados. Fotografia mostra que domingo não era isso que acontecia 

Na manhã da última segunda feira, a Direção Geral da Saúde (DGS) terá encontrado no Hospital Garcia de Orta dois cenários de isolamento de doentes com bactérias multirresistentes que cumprem as normas. Mas o que se verificava até domingo, não cumpria as normas.

Após a notícia do i de segunda-feira, a Procuradoria-Geral da República decidiu analisar o caso, admitindo a abertura de um inquérito.

Como refere o relatório da DGS, há duas situações que são consideradas como boas práticas são: o isolamento aéreo, o que significa que o infetado está sozinho num quarto; e o isolamento de contacto, ou seja, o infetado está junto à janela e tem pelo menos uma cama de intervalo em relação ao doente não infetado.

Mas não era essa a situação que existia no domingo nas enfermarias do serviço Medicina IV (Ginecologia Oncológica) daquela unidade, cujos quartos têm três camas. Como se pode ver na fotografia da direita, uma das enfermarias tinha as duas camas da entrada ocupadas, havendo apenas a cortina ao fundo a separar esses dois doentes não infetados do infetado. 

Contactado ontem pelo i, Alexandre Diniz, o especialista que redigiu o relatório da DGS confirmou que “não é uma boa prática” a ausência de uma cama de intervalo vazia entre um doente infetado e um não infetado.

O também diretor Departamento da Qualidade na Saúde explicou ainda que “há duas situações clínicas diferentes, umas requerem apenas a cama de bloqueio inativada e outra ausência total no quarto”.

Ora, na fotografia – tirada no domingo – percebe-se que não havia qualquer cama de bloqueio inativada.

Mas o diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e de Resistências aos Antimicrobianos, Paulo André Fernandes, tem uma opinião diferente da do relator. Considera que não sendo ideal, também não é problemático deixar doentes infetados na cama ao lado dos não infetados.

“A situação ideal é termos quartos individuais para todos os doentes que queremos internar, isso não existe em parte nenhuma do mundo. Há países que têm mais quartos do que nós, mas mesmo nesses países não há quartos para todos os doentes que têm de ser isolados. Então o que é que nós fazemos com os doentes?”, questionou, adiantando: “O ideal aí  seria pormos o doente sozinho em quartos que têm várias camas, sem qualquer outro doente. E então o que é que fazíamos aos outros que queremos internar? Como não temos capacidade de internamento temos de usar essas camas”.

O diretor do Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e de Resistências aos Antimicrobianos conclui que “se der para fechar a cama do meio é a solução a seguir”, admitindo que “neste hospital [Garcia de Orta] como em outros hospitais isso não é possível”.

Esta última resposta, que admite o cenário de internamento de doentes infetados ao lado de não infetados – tal e qual como o i noticiou na segunda feira – contrasta não só com a explicação dada por outros especialistas, como também com o relatório da DGS, que em nenhuma situação admite que no Garcia de Orta tenham estado doentes infetados em camas imediatamente ao lado dos não infetados.

O relatório é aliás claro: “As enfermarias do hospital são de 3 camas. Quando os quartos de isolamento estão ocupados, o que é frequente e sempre que um doente infetado é internado numa destas enfermarias, a mesma é transformada em quarto de isolamento, com desperdício de duas camas, ou o doente é colocado na cama junto da janela, com bloqueio da cama do meio e separação por cortina”.

No relatório da DGS a falta de bloqueio tinha sido aflorada: “Tanto quanto as condições físicas do hospital permitem, são cumpridas as regras determinadas pelo Programa de Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos, em matéria de isolamento de doentes infetados”.

Isto porque o hospital só tem cinco quartos de isolamento, estando a ser construídos outros quatro, “o que, na perspetiva da direção clínica, é manifestamente insuficiente”. Eram necessários, dizem, “mais cinco quartos de isolamento”.

O documento produzido pela DGS deixa ainda assim claro que de uma forma genérica estão a ser cumpridas as normas. No entanto, o relatório reconhece que os doentes não infetados que partilham enfermaria com os infetados não têm “informação de como se proteger da transmissão de infeção”.

Bastonário também diz que cortina não é isolamento Ontem, em declarações ao i, o bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva assegurou que “uma cortina não é isolamento”. Adiantando: “Podem dizer que é um remendo, mas um isolamento não é. É por causa dos défices de isolamento, de limpeza e de higiene que temos as taxas de infeções que temos”.

Até domingo, naquele hospital havia doentes infetados com bactérias multirresistentes como a E. coli e a Klebsiella – a que se soma a Morganella morganii – que estavam nas mesmas salas que doentes que não estão infetados, sem qualquer espaço de intervalo e apenas separados por uma cortina.  

O que disse o Hospital Garcia de Orta Em reação à notícia, o presidente do conselho de administração do Garcia de Orta, Daniel Ferro, reiterou que se cumprem as medidas que “tecnicamente e clinicamente são adequadas”, adiantando que todos os doentes “têm medidas adequadas instituídas e que as mesmas são cumpridas”.

Já Margarida Coelho, presidente da Comissão de Controlo de Infeções, admitiu que no serviço Medicina IV existem alguns doentes infetados que exigem apenas “isolamento de contacto”, defendendo que para isso uma “cortina de pano” é suficiente.