Os pedófilos são gentis

«As crianças já só desabafavam entre si. Desacreditadas pelos adultos a quem foram alertando…». Começa assim uma notícia do Correio da Manhã de 26 de Junho de 2012.

só a gravidade desta afirmação, por mim confirmada, me leva – quinze dias depois – a retomar o tema dos abusos sexuais de crianças.

estava rigorosamente convencida de que, embora na casa pia de lisboa não tivesse sido feita justiça em tempo útil, o país tinha mudado a sua relação com as denúncias feitas pelas vítimas.

enganei-me. enganámo-nos quase todos os que acreditámos nisso.

os pedófilos não têm chifres, nem têm uma placa de identificação a dizer: «muito perigoso».

são gentis, afáveis, prestáveis, perfumados… e gostam muito de crianças.

trabalham, até voluntariamente, em colónias de férias, instituições assistenciais, igrejas, clubes desportivos com modalidades infantis, etc., etc.

ninguém desconfia deles.

pensava que nós, os adultos, tínhamos aprendido – pelo menos – a escutar as crianças com alguma atenção. falso! para nós, o que parece estar de acordo com os cânones estabelecidos mantém-nos no conforto das nossas certezas hipócritas.

só os garotos parecem ter aprendido alguma coisa. parabéns pela vossa coragem, pela vossa inteligência, pela luta que travam já por um futuro diferente!

algumas pessoas de bem da minha geração mantêm, 38 anos depois de abril, o traumatismo provocado pelos tribunais plenários – o que leva algumas a fazer leis desajustadas à sociedade em que vivemos. excessivamente ‘garantistas’.

a lei portuguesa permite que condenados por abusos sexuais possam continuar em liberdade total durante anos, se tiverem dinheiro para recorrer indefinidamente até ao tribunal constitucional.

expliquem-me: qual é a garantia que a justiça portuguesa dá às crianças deste país, deixando sem vigilância predadores compulsivos, durante muitos anos? até que os processos prescrevam…

a constituição tem as costas largas. serve para isto – mas não serve para impedir que se alterem direitos adquiridos pelos trabalhadores.

não. os abusadores não são perseguidos políticos. são protegidos pelas instituições que lhes dão guarida, desde as famílias às igrejas.

atendendo a que somos retardados na aprendizagem, seria bom que começássemos a estudar a matéria desde o princípio. e com afinco.

saber ler sinais de mal-estar nas crianças que nos rodeiam; saber informá-las (sem as traumatizar) sobre o que devem recusar, seja a quem for; saber ouvi-las quando confiam em nós para falar; saber o que fazer depois de termos ouvido a denúncia de alguém que diz ter sido vítima.

a rede de cuidadores, organização não governamental que trabalha nesta área, está disponível para ajudar aqueles que aceitam ter problemas.

não precisamos de chorar sobre o leite derramado. basta prevenir.

catalinapestana@gmail.com