Carlos Pereira. “Sou um líder improvável. Tenho três anos de filiação no PS-Madeira”

O líder do PS-Madeira acredita que será possível manter as quatro câmaras socialistas na região e ganhar mais uma nas próximas autárquicas

Quando foi convidado para ser candidato independente pelo PS à Câmara do Funchal, a empresa onde trabalhava – uma sociedade público-privada que gere a Zona Franca da Madeira – convidou-o a demitir-se. Diz que esse episódio mostra bem como pode ser difícil ser do PS naquela região. Quase dez anos depois, é líder do PS-Madeira e a Câmara do Funchal está nas mãos do independente Paulo Cafôfo, que alguns críticos socialistas madeirenses acreditam poder vir a ser o candidato ideal ao governo regional. Mas Carlos Pereira desvaloriza as críticas e não tem dúvidas de que irá ser o primeiro socialista a governar a Madeira, em 2019.

Foi dos primeiros deputados do PS a defender que a administração da CGD tinha de apresentar a declaração de rendimentos. Esta situação está a ficar insustentável? Compreende a atitude da administração? 

É surpreendente a atitude da administração. Mas eu acho que ainda estamos a tempo de a administração estar do lado certo da história. Apesar de já se ter esgotado o prazo, a lei de 1983 permite que se possa fazer a entrega das declarações. O importante é que, o mais rapidamente possível, esta matéria se esgote e possamos fazer aquilo que é verdadeiramente importante, que é recapitalizar a Caixa, reestruturar o banco e garantir que ele puxa pela economia e pelas empresas.

Quando o PSD propôs a comissão de inquérito à CGD, o PS falou nos riscos reputacionais dessa comissão. Esta polémica não tem o mesmo efeito?

Sim. Tenho de ter alguma moderação a falar sobre essa matéria porque sou o relator da comissão de inquérito. De qualquer forma, esta comissão é, por si só, um mau caminho para os objetivos do banco e do país. É, desde logo, uma coisa inédita: nunca houve uma comissão de inquérito a um banco vivo. Isto tem problemas que se estão a refletir na própria comissão de inquérito, com a dificuldade em termos acesso a elementos. E corremos o risco, não tendo acesso a elementos concretos para uma análise profunda e mais fina, de estarmos a fazer apenas política pura e dura. A comissão de inquérito acaba por ser uma coisa menos robusta do que gostaríamos que fosse. Há esse risco.

Então porquê esta comissão?

Esta comissão de inquérito proposta pelo PSD e pelo CDS foi uma forma de tapar a grande vitória que foi o governo português ter conseguido uma recapitalização sem que isso contasse como ajuda de Estado. É um feito notável, que é da responsabilidade do ministro das Finanças e do governo português.

Acredita que, apesar de toda esta turbulência, a recapitalização da CGD vai ser um sucesso?

Sim, nada indica que não. A administração que foi escolhida dá-nos todas as garantias do ponto de vista técnico. Temos condições para que a reestruturação permita puxar pela reestruturação de toda a banca portuguesa e isso é muito importante para o país.

Capitalizar as empresas deve ser um dos principais objetivos da CGD?

Sim. É um dos objetivos da CGD e do governo do PS. É um objetivo importante porque estes anos de troika em Portugal tiveram um peso significativo para as empresas, que ficaram muito descapitalizadas. Entre 2011 e 2015 houve muitas empresas que foram à falência, houve anos em que havia mais empresas a fechar do que a abrir, e esse é um indicador dramático. Mas o que é mesmo importante é conseguir pôr toda a banca portuguesa a fazer este trabalho de alavancar o crédito às empresas.

Tem havido muitas queixas em relação à execução dos fundos comunitários. Isso vai resolver-se em 2017?

São queixas infundadas. O que nós encontrámos quando chegámos ao governo foi um programa Portugal 2020 em que a componente relacionada com as empresas tinha apenas quatro milhões de euros distribuídos. Um ano depois, o governo português já entregou às empresas mais de 300 milhões de euros. E tem aprovados para as empresas 3300 milhões em projetos.

António Costa disse que Caldeira Cabral é tímido. Portugal precisa de um ministro da Economia que apareça mais?

Não. Eu acho que o ministro da Economia está a revelar que tem um projeto para a economia portuguesa e tem todas as condições para o implementar. O investimento privado cresceu este ano. Este será o melhor ano das exportações portuguesas, o que é um bom sinal, sobretudo tendo em conta as dificuldades dos nossos principais mercados, Brasil e Angola. Apesar disso, estamos a conseguir não só aguentar o volume das exportações como aumentá-lo. Claro que isso é também responsabilidade dos empresários que estão a ser capazes de, nesta altura difícil, dar a volta por cima e investir. E estão a contrariar as teses do PSD segundo as quais há um colapso da confiança. Não pode haver um colapso da confiança quando os empresários continuam a investir.

A narrativa da direita não corresponde à realidade?

Sim, nem a narrativa do colapso da confiança nem a do diabo. Percebemos já todos que essa narrativa se esfumou e está a jogar contra o PSD. Mas há ainda outro indicador importante que é o investimento estrangeiro, que é revelador da confiança que os mercados externos têm no nosso país, e está a portar-se bem. No governo PSD/CDS, os grandes picos de investimento estrangeiro foram feitos à custa das privatizações. Quando se vende uma EDP aos chineses há um pico de investimento estrangeiro, mas o que ganhamos com isso? Não criamos emprego e cedemos o ativo ao estrangeiro.

Acabou de vir da Madeira. Três meses depois dos incêndios, como está a região?

Os madeirenses estão a fazer um esforço grande de recuperação. Estão a saber ultrapassar as dificuldades, com a ajuda do governo da República. É preciso que se diga que o governo da República teve, nesta matéria, uma atitude de solidariedade profunda que eu julgo que os madeirenses sentiram. Quando ainda decorriam os incêndios, o sr. primeiro-ministro já estava na Madeira a fazer contas à situação e a disponibilizar-se para apoiar. E esses apoios estão hoje a ser concretizados. Estamos aos poucos a fazer essa recuperação. Não é algo que se faça de um dia para o outro. Há ali questões que são estruturais e que carecem de muito tempo para serem bem feitas. É bom que se pense bem na forma como vão ser feitas as coisas para não cairmos nos mesmos erros, porque há obviamente erros de planeamento e de urbanismo que têm de ser ultrapassados. Mas estamos no bom caminho.

Ainda há desalojados…

Sim. Há um trabalho que está a ser feito em articulação entre o governo da Madeira e o governo da República para que haja meios para alojar quem ficou desalojado e recuperar as habitações que são recuperáveis. É um processo mais moroso de reconstrução e de identificação de riscos, porque há casas que não podem ficar nos sítios onde estão e têm de ser construídas noutro sítio.

Em termos de turismo, nota-se já uma recuperação? Ou ainda se sentem alguns efeitos dos incêndios?

O turismo está a correr bem. A procura dos países do norte de África acabou por se deslocar para o Continente e para as Ilhas. Estamos a beneficiar disso e está a ser muito positivo para a economia da Madeira. A procura está a crescer e corremos o risco de voltar a ter, em 2016, o melhor ano de sempre. Provavelmente, para o ano será outra vez o melhor ano de sempre.

Daqui a um ano há autárquicas e Paulo Cafôfo já anunciou que vai recandidatar-se. Está com esperanças de ganhar novamente o Funchal?

Sim, claro. Temos uma estratégia que foi aprovada no congresso há um ano e meio, quando definimos que todos os presidentes de câmara pelo PS seriam candidatos. A situação da Câmara do Funchal é mais específica porque há uma coligação e estamos a trabalhar essa coligação. Neste momento há reuniões já entre a direção do PS, eu próprio, o presidente da concelhia e o presidente da câmara, Paulo Cafôfo. E estamos a encontrar uma solução que permita voltarmos a ganhar a Câmara do Funchal.

Será uma coligação mais pequena agora, porque alguns partidos já não estão…

Eventualmente. O PND já não existe, o PTP já disse que não quer fazer parte da coligação. Já perdemos dois. Mas não sabemos se podemos ganhar um ou outro mais.

Estão nessa expetativa?

Não. Mas há outros partidos que estão na expetativa de estar connosco nesta coligação que eu julgo que é ganhadora no Funchal.

O Funchal foi quase uma lança em África nas últimas autárquicas. Para o ano há a possibilidade de pintar um pouco mais de rosa o mapa laranja da Madeira?

Sim. O Funchal foi uma lança em África, mas nós ganhámos outras três câmaras. Ganhámos o Machico, que é outra lança em África e muito importante, ganhámos o Porto Santo e ganhámos Porto Moniz. Tenho expectativas de que se possa ganhar mais alguma câmara na região. Há uma aposta que estamos a fazer na Ribeira Brava. Achamos que é possível termos um candidato e um projeto para ganhar. Seria mais uma lança em África porque nunca ganhámos a Ribeira Brava. Mas acho que há condições para ganharmos a Ribeira Brava e mantermos as câmaras que temos. São os nossos objetivos.

Sente que há uma mudança política a acontecer na Madeira?

Sinto que há uma expetativa das pessoas relativamente a uma alternativa de governo porque, em boa verdade, o que temos hoje não passa da continuidade do que tínhamos no passado do PSD-Madeira de Alberto João Jardim. Temos uma pessoa com um estilo novo mas, na prática e no conteúdo, não mudámos muito. Se olhar para as propostas do dr. Miguel Albuquerque, não são muito distintas das do passado e, em boa verdade, nenhuma delas está cumprida. Estão todas por cumprir. Há um falhanço do governo de Miguel Albuquerque e acho que há uma desilusão nos madeirenses em relação a esta governação.

A Madeira não mudou com a saída de Alberto João Jardim?

Não, e eu não estou muito surpreendido. É muito difícil construir algo novo em cima de um monte de lixo. Passámos 40 anos com um partido que se instalou na Madeira e que capturou toda a sociedade madeirense, toda, desde associações privadas a igrejas. E, na verdade, quando apareceu esta mudança no PSD como se fosse algo de novo, houve uma expetativa nas pessoas, mas para ser uma mudança era preciso limpar um conjunto de cumplicidades que existiam na sociedade madeirense que impedem mudanças consistentes. Por exemplo, temos há dezenas de anos os portos mais caros da Europa e há dezenas de anos que o PSD promete uma reestruturação dos portos. Este governo prometeu a mesma coisa, mas já se passou um ano e meio e não se fez nada. Não deixa de ser paradigmático que o presidente do governo tenha feito esta semana, numa comissão política regional, a ameaça de que os secretários regionais que não se portarem bem vão-se embora. Isto é uma moção de censura a si próprio.

É um governo regional desorientado?

Está desorientado e falta liderança. Há um conjunto de secretários regionais que, em alguns casos, são erros de casting e estão desamparados, não têm experiência política e estão perdidos porque não há liderança.

Tem críticos na Madeira que o acusam de passar demasiado tempo em Lisboa, e até se fala no independente Paulo Cafôfo como possível candidato ao governo regional. Como responde a essas críticas?

Respondo apenas que vou estar na Madeira perfeitamente a tempo para ser presidente do governo regional.

Acredita que vai ser presidente do governo regional?

Sou líder do PS na Madeira, tenho um projeto que inclui as autárquicas – e não podemos pensar nas eleições de 2019 sem pensar nesse desafio importante – e, depois das autárquicas, consolidar o PS como alternativa governativa que responda às ambições e ansiedades das pessoas.

Os offshores têm mau nome e há muita pressão em relação à Zona Franca da Madeira por parte do BE e do PCP. Faz sentido manter a zona franca?

Sim. As razões pelas quais se criou uma zona franca, em 1987, foram a necessidade de diversificação e crescimento da economia e de criação de emprego. Continuamos a precisar disso como de pão para a boca. Em 2013, o PIB da Madeira caiu mais mil milhões de euros, cerca de 20%. É uma coisa dramática. Temos a maior taxa de desemprego do país e a nossa economia é monocultura, está completamente concentrada no turismo. Ou seja, é um instrumento para desenhar um novo modelo de desenvolvimento que deve ser mais do que o turismo. É preciso apostar em setores que não tenham necessidade de ter um porto, de ter logística, porque nisso não somos competitivos, os nossos portos são muito caros e estamos no meio do Atlântico. Mas podemos apostar no digital, por exemplo.

Mas de 1987 para cá nada aconteceu nesse sentido…

Porque houve uma falha grave na gestão. A zona franca está nas mãos de uma entidade privada e os objetivos de uma gestão privada não são os mesmos de uma gestão pública. De 1987 até agora, o governo regional tem sido um sleeping partner que deixou a zona franca nas mãos do grupo Pestana. E o que quer o grupo Pestana? Basicamente, recolher taxas, que é o que dá receitas. Até 2012, a taxa de IRC era zero, nem receitas fiscais tínhamos com a zona franca. Perdemos uma oportunidade de transformar a Madeira num polo de atração.

O que pode mudar agora?

Transformar a gestão da zona franca em gestão pública. Não faz sentido haver uma entidade privada a gerir benefícios fiscais, que é o que acontece hoje. O grupo Pestana tem 75% da SDM, que gere mil milhões de euros de benefícios fiscais. Isto não tem sentido nenhum. O que faz sentido é ser a região a gerir esses benefícios fiscais com um projeto estratégico. Se perguntar onde está o projeto estratégico da Zona Franca da Madeira, não há. Não existe um único documento escrito, e isso é grave.

Essa mudança pode ser feita em termos nacionais ou é uma questão de autonomia?

É uma questão de autonomia. Já propusemos várias vezes, na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, a regionalização das ações da SDM para a região ficar com a totalidade do capital da empresa.

Rejeita a ideia de que as offshores são coisas duvidosas?

Enquanto não houver uma solução global para os paraísos fiscais na Europa, não faz muito sentido fazer uma perseguição à Zona Franca da Madeira.  O Luxemburgo, a Holanda, Malta, Gibraltar têm condições iguais ou melhores de atratividade fiscal do que a Madeira.

Não têm razão o BE e o PCP nesta matéria?

Há um ponto do discurso do BE e do PCP com o qual estou de acordo: a necessidade de ter uma vigilância sobre o tipo de atividades. Acho que é possível reforçar a fiscalização e garantir que aquele tipo de praças não é um meio para tráfico de armas ou outro tipo de atividades dessa natureza.

Como é que um madeirense se filia no PS?

Eu não me filiei logo no PS. Era diretor–geral da Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, que é a entidade que gere a Zona Franca da Madeira, e fui convidado para ser candidato independente à Câmara do Funchal em 2005. E foi difícil. Porque, no momento em que aceitei ser candidato pelo PS, fui convidado a demitir-me das minhas funções na empresa, que é uma empresa público-privada. Disse que não me demitiria e entrámos num processo mais complexo, mas isto mostra o que significa ser do PS na Madeira.

 Essa pressão ainda se sente?

Eu não consigo fazer ainda uma análise profunda daquilo que se está a passar na Madeira. Mas a verdade é que, aos poucos, a partir do momento em que há uma perda de hegemonia de um único partido, que é o que está a acontecer, isso está a mudar um bocadinho. As coisas mudaram um bocadinho com as autárquicas de 2013. O PS ter ganho quatro câmaras, haver o movimento JPP, que ganhou Santa Cruz ,e outro movimento de cidadãos, que ganhou São Vicente, fez com que o PSD perdesse a hegemonia. Foi como se rebentasse um balão de pressão que existia na sociedade madeirense.

Só se filiou quando candidato à Câmara do Funchal, em 2005? 

Não. Eu acabei por ser deputado regional em 2007 e só me filiei no PS em 2013. Sou um líder improvável. Um líder com três anos de filiação.

Como se chega a líder com três anos de filiação?

São três anos de filiação, mas dez anos de muita convicção no PS e, sobretudo, muito trabalho como independente.

Porque não a militância antes?

Porque achava que ainda não estava preparado para isso e estava mais confortável na pele de independente.

Porque é difícil ser socialista na Madeira?

Sim, é difícil ser socialista na Madeira. Mas se chegasse à Madeira em 2008 ou 2009 e perguntasse pelo Carlos Pereira, todos diriam que era socialista. Já tinha essa marca. Não foi isso que me levou a não tomar essa posição de militância. Foi porque achei que, na altura, não tinha ainda nenhum contributo especial a dar ao partido como militante, mas sim como independente e economista. A partir de 2013 achei que já estava na altura de dar outro contributo. Quando sabemos o que queremos para o partido, não vale a pena andar a mandar bocas de fora para dentro. Ou estamos lá dentro e dizemos o que queremos e vamos até ao fim ou não ficamos calados e vamos embora.

E chegou a líder?

E cheguei a líder. Isso mesmo (risos).