Ressonâncias da mágoa

Há 15 dias aqui publiquei a crónica ‘No CV, onde se acrescenta a mágoa?’, despoletada por uma vizinha que me entregou o seu currículo – e sobre, precisamente, a luta cada vez mais desesperada de tantos por encontrar o seu justo lugar na sociedade.

reflectia sobre a geração adiada e fui surpreendido pelo eco, poder das palavras. dedico a coluna de hoje a alguns excertos de e-mails, entre os tantos recebidos e que muito me impressionaram ou mesmo comoveram. numa nota de alguma esperança, devo dizer que o rapaz mencionado no texto – um excelente profissional com quem tive oportunidade de trabalhar – reencontrou um emprego na sua área. obrigado a todos os que se esforçaram por comunicar e partilhar textos, aspirações e receios.

sou mais uma que se revê completamente nas tuas palavras. mais uma que ouviu durante todos estes anos que infelizmente ser competente não chegava.

estou agora em londres a tentar a minha sorte. fui muito antes de um passos coelho ‘me dizer’ que esse era o caminho, fui porque quis. mas é realmente triste, longe ou perto, ver que é assim que o país nos trata. mas eu tenho a sorte de ter uns pais que ainda me podem ajudar, nem todos podem dizer o mesmo. (…) às vezes custa mais ser portuguesa cá dentro, muito mais do que estar longe, por isso sei que não posso voltar, der por onde der. antes tínhamos os exilados políticos, hoje temos os económicos.

helena alves

é assustador o número de pessoas que vou tendo conhecimento que estão à procura de emprego e não me refiro aos recém-licenciados/mestrados de bolonha. são pais e mães, na casa dos 30 e picos, 40’s, que enviam e-mails em bcc a todos os amigos, ou mensagens via facebook a assumir que perderam os empregos e procuram trabalho na sua área, mas não necessariamente apenas na sua área. o desemprego já não é um bicho papão de que se ouve falar na televisão, mas um facto real e tem rosto: ele é um vizinho, um colega, um amigo, um familiar. a sensação com que fico é que quando andávamos na escola há 20 anos e nos diziam que devíamos ser aplicados, ter boas notas e ir para a faculdade, pois só assim teríamos futuro, na verdade era tudo um engodo (…) tanto esforço e sacrifício para quê? onde está o retorno desse investimento?

frederico cavazzini

fiz 10 mil km em direcção a pequim sem saber o que iria fazer da vida, além de tirar uns meses para estudar a língua. graças ao perfeito inglês, do qual me orgulho, consegui um estágio a trabalhar numa revista que, comigo, tinha três pessoas a trabalhar na equipa editorial. aprendi, errei, escrevi (muito) e conheci pessoas de renome no mundo dos hotéis e restaurantes em pequim. cheguei a portugal com a minha paixão descoberta, a completa confiança de saber editar uma revista do princípio ao fim, um mandarim apresentável, um inglês melhorado, e sem esperanças de encontrar trabalho. a nossa mágoa começa desde a altura que se toca na pista do aeroporto e com a segurança que parece que está ali a fazer ‘frete’, continua com malas partidas ou rachadas e atinge o pico quando no dia seguinte se começa a enviar currículos.

embora não haja nenhuma opção de «mágoa» no cv, ela existe… está connosco desde que se enviam 50 e-mails para anúncios colocados no dia (mas sabe-se que não se vai ter resposta de nenhum porque o filho do amigo na empresa já está sentado na cadeira que poderia ser nossa); está connosco no caminho do terreiro do paço ao areeiro porque se faz companhia a uma amiga que prefere fazer a pé o percurso, uma vez que os 30 euros de passe lhe pesam na mesada, e faz parte dos um em cada três professores de inglês que são pagos a menos que os 12 euros por hora, supostos para um licenciado (…) mas está, sobretudo, no dia em que nos sentarmos à mesa e olharmos para a nossa família, cansada de lutar contra um governo que obriga a pagar 10 euros de multa de atraso de pagamento de contas e mais 40 ao advogado que redigiu a carta e nos apercebermos que aquele espírito será nosso brevemente; no tempo dos nossos pais as coisas também não eram fáceis, mas tirar cursos ainda era a grande catapulta para uma vida melhor.

joana melo

lfborgez@gmail.com