Impressões de uma ditadura estranha

Morreu Fidel Castro, o homem que derrubou uma ditadura amistosa com os Estados Unidos da América, a de Fulgêncio Batista, por via armada, e que depois se tornou ele próprio um ditador, aderindo ao bloco soviético, importando o seu modelo de organização social, e tentando mesmo exportar a sua revolução.

Fui três vezes a Cuba, sempre em viagens turísticas de duas semanas. Os turistas, geralmente são resguardados, e o meu objetivo principal era nadar naquelas praias da costa norte, que devem ser as melhores do mundo.

A primeira surpresa é que Cuba tem um bom sistema de saúde, totalmente gratuito. Apesar de Cuba se situar no trópico de Câncer, os cubanos não morrem de doenças tropicais, como a malária (por várias vezes levei com DDT em cima). Segundo os dados da Organização Mundial de Saúde, que são credíveis, os cubanos morrem das doenças que nós morremos no mundo desenvolvido, como cancros ou AVCs.

Juntamente com a saúde, a educação é igualmente gratuita. Todavia, devido a uma economia desequilibrada, em que tudo o que está ligado ao turismo ganha por ser pago em moeda forte – dólares americanos – ter uma boa educação não é garantia de ter uma boa remuneração. Daí a anedota: “O meu marido anda com manias de grandeza. Agora convenceu-se que é motorista de táxi, quando não passa de um neurocirurgião”.

Parece não existir fome (uma vez pediram-me esmola em Havana, mas também me pedem em Lisboa), e o leite para as crianças é gratuito até aos seis anos. Todavia, a alimentação de um cubano médio não deve ser muito variada. Uma vez, num hotel de três estrelas, convidaram um grupo musical para animar a refeição, e o chefe da banda disse aos outros membros: “a capitã (sic) disse que podemos comer o que quisermos”. Quando vieram à nossa mesa, dei-lhes dez dólares de gorjeta, pelo que tivemos direito a uma canção suplementar. A sede de levar gorjetas em dólares leva a situações verdadeiramente bizarras, como a tripulação de um avião convidar os passageiros a tomar os comandos do aparelho. Sempre com o copiloto ao lado, a controlar as manobras, senão “assim morremos todos”.

Embora de forma reservada, os cubanos podem falar de política com estrangeiros, partindo do pressuposto que o regime de partido único não é questionado. Cuba é uma ditadura, sem eleições livres, sem liberdade de expressão para criticar abertamente o regime e, pelo menos até há bem pouco tempo, com presos políticos. Além disso, tudo parece encaminhar-se para uma ditadura familiar, uma noção totalmente oposta ao mérito individual. Dizem-se mais avançados do que as “democracias burguesas”, quando de facto a transmissão do poder rege-se pelo modelo das monarquias absolutas.

Penso que corro sérios riscos de não voltar a essa Cuba, e que o charme do isolamento em que a ilha vive perder-se-á para sempre. Mais cedo ou mais tarde os investidores americanos e os cubanos de Miami “invadirão” a ilha, cheios de dinheiro, de arrogância, e de projetos megalómanos.

É realmente pena Cuba ser uma ditadura. Um regime democrático poderia abrir-se controladamente ao mundo exterior, preservando o charme daquela ilha incrível e de gente boa.

Uma vez, num voo interno, os passageiros foram presenteados com um cigarro sem filtro, de um tabaco escuro, e com um rebuçado. Fumei o cigarro e guardei o rebuçado. Já no nosso destino, fomos, por irmos em direções opostas, ao encontro de uma família cubana: o pai e a mãe levavam no meio um rapazinho de uns cinco anos, que fazia uma birra. Fui ao encontro deles e ofereci o rebuçado ao miúdo. A birra diminuiu logo de intensidade, os pais fizeram o rapaz agradecer, e lá seguimos. Segundo a minha ex-mulher, do outro lado da rua estava um homem idoso que ficou espantado com o que eu fiz. Só nos conhecendo uns aos outros podemos ter uma imagem real dos estranhos.

E os cubanos são um povo culto e instruído, que merece viver na democracia que Fidel sempre lhes negou. Julgo que a História, tudo posto na balança, não o julgará favoravelmente.