Europa. Riscos de “cavalgada do populismo”

No rescaldo do referendo e com Renzi a prazo, olha-se com preocupação para Itália. Incerteza pode ser estocada final num sistema bancário fragilizado, com implicações em toda a Zona Euro

O eurodeputado do PSD Paulo Rangel admite que podem estar criadas as condições para uma “cavalgada do populismo”, também na Europa, com o resultado do referendo em Itália.

Este receio advém dos dados das sondagens divulgadas em Itália e que apontam para uma vantagem do Movimento Cinco Estrelas, liderado por Beppe Grillo e defensor da saída do euro.

As preocupações do coordenador do grupo do PSD no Parlamento Europeu foram expressas no dia em que organizou em Bruxelas uma conferência para debater as consequências da eleição de Donald Trump.

O perigo de Beppe Grillo A eleição de Grillo em Itália seria, para o eurodeputado português, um acontecimento capaz de “originar uma subida dos juros da dívida dos países pertencentes à Zona Euro”, ao criar um sentimento de incerteza e desconfiança nos investidores.

E isso, acredita o social-democrata e vice-presidente do PPE, poderá desencadear uma crise bancária sistémica que afetará não só o banco Monte dei Paschi de Siena, mas também o banco UniCredit em Itália, ao qual o gigante Deutsche Bank tem grande exposição, num efeito de dominó que poderá apanhar também as caixas de crédito alemãs e, por arrasto, toda a banca europeia, incluindo a portuguesa.

Paulo Rangel recorda que “qualquer crise grave em Itália tem um impacto sistémico global”, por se tratar da oitava economia global, e defende a urgência de completar o sistema da união bancária para fazer face aos problemas da banca na Europa.

O problema, considera o social–democrata, está no facto de se estar a avançar apenas em dois pilares, o da supervisão e da resolução (que, na verdade, não estará completo antes de 2024), deixando por criar um sistema de garantia de depósitos.

A situação é particularmente grave porque esta união bancária incompleta está a incentivar a integração dos bancos sem que haja sistemas de proteção dos depositantes em casos de resolução, algo que gera desconfiança e torna ainda mais difícil o crescimento económico de que a Europa precisa.

“A situação é bastante complexa”, comenta Paulo Rangel, que olha para Itália com “grande preocupação” num quadro em que ainda não são completamente claras todas as consequências do Brexit e da eleição de Trump.

Eleições paralisam Europa O ano de 2017 será, aliás, marcado por uma sucessão de eleições que Paulo Rangel acredita poderem tornar mais difíceis os avanços nas negociações para as reformas de que a Europa precisa. Com atos eleitorais marcados na Alemanha, França e Holanda, 2017 pode ser um ano de esperar para ver.

De resto, o impasse é já visível na condução do processo do Brexit, com os responsáveis britânicos à espera de perceber quais poderão ser os seus interlocutores no eixo franco-alemão para as difíceis negociações da saída do Reino Unido da União Europeia.

A mesma incerteza domina o debate europeu sobre o que esperar da administração Trump. Para já, não é clara a forma como o presidente norte-americano eleito definirá a sua política externa e em Bruxelas há preocupações sobre se Donald Trump irá ou não manter os seus compromissos na NATO ou de que forma a sua política comercial protecionista poderá afetar a negociação do TTIP (o tratado transatlântico de comércio).

Os europeus estão ainda a tentar perceber as causas da eleição de Trump. Foi, de resto, essa a discussão que dominou o debate organizado por Paulo Rangel no Parlamento Europeu.

Num painel com especialistas norte-americanos e europeus em diplomacia e relações internacionais, ninguém arriscou certezas sobre o que poderá Trump fazer na Casa Branca. Mas todos concordaram que o candidato republicano ganhou por falar para os que se sentem excluídos do mundo global.

A força dos que não votavam Michael Maibach, especialista em diplomacia de negócios, diz que há três mensagens neste voto dos eleitores norte-americanos: “A América é um país, o governo americano falhou e temos de manter o sonho americano.”

“Há muito debate sobre a globalização, mas não há cidadãos globais. As pessoas não morrem pelas empresas, não morrem pelas Nações Unidas, morrem pelo país”, frisou Maibach durante o seminário para explicar que Trump conquistou a classe trabalhadora americana “de uma forma que não tinha sido conseguida desde Reagan.”

“As pessoas que não votavam estão a tornar-se uma força política importante e isso não é necessariamente uma coisa má”, comentou Peter Chase, membro do German Marshall Fund of the United States.

O democrata acredita, contudo, que a política económica expansionista de Trump pode não ser o fim do TTIP, mas que “o acordo apresentado aos europeus pode não ser necessariamente o acordo que os europeus querem”.

Numa coisa, todos os especialistas parecem estar de acordo: foi Hillary Clinton que perdeu a eleição, e não Trump que a ganhou. E, para isso, o fracasso de Obama teve um papel fundamental.

“Há os que o acham muito fraco”, apontou o especialista do Centro de Política Europeia Giovanni Grevi, explicando que muitos americanos acham que Obama “foi demasiado contido”, mas que há também os que olham para o ainda presidente como alguém que “apoiou aliados que poderiam tratar dos seus assuntos”.