Fernando Fernandes: ‘Ser Campeão. No ringue como na vida’

Fernando Fernandes realizou 123 combates em kickboxing. Resultado: 84 vitórias, 34 derrotas, cinco empates e um livro que espera tornar no «próximo bestseller». 

Campeão nacional, campeão europeu, campeão intercontinental e campeão mundial. Não falta nenhum título na carreira de Fernando Fernandes. Hoje continua no ringue como treinador e dá a conhecer ao SOL o mais recente projeto. Ser Campeão. No Ringue Como na Vida, um livro de autor  que descreve o seu percurso de vida e de atleta. Encontramo-nos com Fernando no Estádio de Alvalade, instituição onde se formou enquanto pessoa e desportista e, por essas razões, um lugar onde se sente em casa.

Quando escrevi no Google o seu nome, Fernando Fernandes, reparei que não tinha nenhuma página na Wikipédia. Não acha estranho um atleta com tantos títulos não ter nenhuma página na internet?

São coisas que não dependem de mim não é? O que acontece neste país, infelizmente, é que todos os desportos que tenham uma bola parecem ser os únicos que interessam. Todos os outros acabam por passar para segundo e terceiro plano. No entanto, os desportos de combate em televisão, são o quinto desporto mais visto do mundo: o judo; o karaté; o taekwondo; o kickboxing; o boxe. Acho que deviam ter uma atenção especial. Eu em 90 quando fui campeão da Europa de amadores, fui dos primeiros em Portugal a atingir um título a nível internacional numa Federação.

O que é que leva um miúdo de 10 anos a inscrever-se num desporto destes numa altura em que a modalidade estava a começar em Portugal?

Há coisas que nascem com as pessoas. Havia um cinema que era o cinema Campolide, onde os meus pais viviam. Ao fim-de-semana costumava ir com amigos ver um filme e passavam filmes de artes marciais. Foi aí que me interessei. Houve uma vez que fui ver o A Force of One com o Chuck Norris e o Bill Wallace e pensei «epa é isto que eu quero é disto que eu gosto», o ringue, os títulos, o espetáculo em si.

Foi campeão nacional, europeu, intercontinental e mundial. Há algum título que lhe falte na carreira?

Não, agora falta-me só fazer deste livro um bestseller (risos). Quando tinha 13 anos comentei com um amigo «um dia vou ser campeão do mundo». Trabalhei, dediquei-me e dei o meu melhor, e fui (campeão). Atingi a minha meta.

Dos 123 combates venceu 84 (19 por KO), perdeu 34 e empatou cinco vezes. Qual é o segredo de vitória?

Alegria de treinar, alegria de viver. A alegria é a arma da vitória. Há três coisas muito importantes na vida, a saúde, a sorte – temos de ter uma ponta de sorte – e alegria. Essa é a arma da vitória. 

Tem algum combate que considere o ‘combate da sua vida’?
Houve dois combates que me marcaram. Um foi em 90 quando fui campeão amador da Europa, em Madrid e, em 94, aqui na Nave de Alvalade. Eu já tinha feito vários combates na Nave, mas aquele foi especial. Foi um título mundial. Um amigo meu tinha comprado uma câmara há pouco tempo e gravou-me o combate senão não havia referência. Lembro-me que o único meio de comunicação que fez alusão à conquista foi o jornal do Sporting. Eu era dos atletas mais conhecidos porque tinha o mundo do Sporting a dar-me apoio e ainda hoje tenho. Aliás, eu só lancei este livro porque estou ligado a esta instituição, senão não o lançava porque não há mercado. As pessoas infelizmente não veem o meu livro como um objeto de saber. Aqui está a minha vida praticamente toda e há muita coisa que tento transmitir. Tenho uma experiência de quase 40 anos de treino e dedicação à modalidade.

Foi a única forma de conseguir publicá-lo?
Foi uma ajuda boa e importante. Procurei valorizar este livro através do IPDJ e da Federação do Sporting. Este selo [Sporting Clube de Portugal] representa o produto oficial do Sporting. Tem o prefácio do presidente [Bruno de Carvalho] na primeira página. Na segunda, o presidente da IPDJ e, na terceira o presidente da Federação. No fundo são três prefácios que vêm valorizar o livro.

Como é que surgiu a ideia? 
É um projeto que tinha imaginado há mais de vinte anos porque na altura em que treinava e competia sentia que havia uma grande carência a nível de informação sobre a modalidade. Pensei «as pessoas precisam realmente de um livro», mas não houve ninguém que se interessasse em ajudar a publicar  e eu também não tinha possibilidades a nível económico.

Captar pessoas para a modalidade também era um dos objetivos?
Este livro é um cartão de visita. As pessoas ao adquirirem este livro ficam com um objeto não só de coleção, mas também de um atleta do Sporting. Se for a um museu do Sporting eu tenho um certo destaque como atleta e campeão o que é importante. Bem como o reconhecimento da direção do Sporting que me ajuda e está atenta a quem trabalha.

Como é que vê a evolução do kickboxing, desde a década de 70 até aos dias de hoje?
Acho que a evolução está estagnada. Agora já é uma modalidade de referência. É reconhecida pelo Estado, tem uma instituição de utilidade pública portanto é uma modalidade como todas as outras de combate.

Não acha que o kickboxing  e os desportos de combate, em geral, estão um pouco condicionados por estarem associados à agressão? Tivemos recentemente o caso do João Carvalho, um atleta português de MMA que morreu (abril deste ano).
Tudo aconteceu de uma forma natural. Em quantos desportos não houve de um momento para o outro atletas que faleceram? No futebol já aconteceu…

Olha para esses casos de uma forma natural então…
O kickboxing é um desporto agressivo sim, mas não acho que seja mais agressivo do que quando uma pessoa faz uma ultramaratona ou um ultratriatlo. O que quero dizer é que o nosso organismo tem capacidade de se adaptar às situações de esforço. Por exemplo, aqueles que vão lá para cima parece que estão num frigorífico no Everest, com o nariz e os dedos deformados. O nosso organismo tem essa capacidade. 

O que é que o kickboxing  exige de uma pessoa e o que é que a modalidade ‘dá de volta’?
É uma modalidade bastante exigente. Para se atingir um determinado nível tem de se trabalhar muito com orientação, com discernimento, com método, com regras porque senão não conseguem. O que irá fazer com que consigamos crescer e evoluir como pessoas e acabamos por nos conhecer melhor.

Agora certas modalidades como o kickboxing  e o muay thai   estão muito na moda. Acha que é temporário? 
Em Portugal há muito bons técnicos, reconheço isso. Eu, enquanto treinador, utilizo um método de ser como um árbitro. Transmito, ajudo e colaboro mas é como se não estivesse lá. Tento ser invisível dentro da sala. É assim que as pessoas se vão sentir bem. Treinam, desenvolvem e, estão à vontade umas com as outras. Faço para que não seja temporário, mas uma paixão.

Hoje sente-se realizado enquanto professor?
Eu tive de voltar aos ringues para me sentir realizado. Hoje sinto-me realizado como treinador, como atleta e como pessoa. Todos os dias é um dia e eu dou sempre o meu melhor para que isso se torne uma realidade. O lançamento deste livro é um objetivo que tinha há mais de vinte anos portanto é um sonho.

A verdade é que parou durante dez anos de competir. Porquê?
Sentia que me faltava alguma coisa. Durante esses anos não bati em nenhum saco, quase não dava um pontapé, aumentei imenso peso, depois até me começaram a doer as costas. Um dia estava com um amigo e fiz uns movimentos e disse «vou voltar aos ringues». Comecei a treinar no dia seguinte e fiz mais cerca de  50 combates. Entre os meus 37 e 45 anos, fiz também boxe profissional mas aí já era por uma questão de prazer. Em 2011 saí de vez porque já me andava a arrastar muito. Não valia a pena.

Qual era a sua técnica preferida?
As técnicas que preferi sempre eram as defensivas. Nunca gostei de levar porrada, houve combates que joguei do princípio ao fim sem que me tocassem uma única vez. A minha evolução na altura era muita. Eu procurava trazer livros do estrangeiro e tentava estar o mais informado possível. Eu era uma pessoa que estava com os melhores em termos de informação. Ninguém tinha a informação que eu tinha. Atualmente não vale a pena uma pessoa ter segredos porque basta ir à internet que encontra tudo mas na altura não havia.

Se hoje ainda praticasse a nível competitivo qual seria o adversário que gostaria de encontrar no ringue?
Nunca pensei nisso. Fosse quem fosse que viesse, eu lutava. Uma pessoa quando é boa não tem esse problema. Modéstia à parte (risos).

‘Ser Campeão. No ringue Como na Vida’. O título do livro, mas também um lema de vida?
As pessoas para serem campeãs do que quer que seja têm de ser campeãs na vida. Têm de ter ética. Têm de ter princípios e têm de ser honestas. Senão não conseguem.