Prémio Pessoa distingue humanista moderno

Foi uma distinção que a muitos alegrou e que terá surpreendido poucos. 

Frederico Lourenço enche as medidas daqueles que são os traços que o Prémio Pessoa busca enaltecer ao distinguir a cada ano uma personalidade que tenha tido uma «intervenção particularmente relevante e inovadora na vida artística, literária ou científica» no país. O professor universitário e especialista em Estudos Clássicos, autor da primeira tradução integral da Bíblia a partir do grego, conquista a edição deste ano do prémio que tem um valor pecuniário de 60 mil euros.

Aos 53 anos, Lourenço é um dos mais reputados helenistas portugueses, um estudioso dedicado das fontes clássicas gregas e da língua, algo que, complementado pela sua sensibilidade literária, lhe permitiu trazer para a língua portuguesa versões soberbas de dois textos fundadores da cultura ocidental, a Odisseia e a Ilíada. O júri mais não fez assim que reconhecer o imenso contributo do autor ao ter oferecido «à língua portuguesa as grandes obras de literatura clássica».

Ficcionista, ensaísta, poeta, tradutor, Frederico Lourenço nasceu em Lisboa, em 1963, e é actualmente professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (depois de mais de uma década na Universidade de Lisboa, onde se doutorou com uma tese sobre Eurípides). Além das obras de Homero, traduziu um volume de poesia grega, duas tragédias de Eurípides ou peças de Schiller e Arthur Schnitzler. No domínio da ficção é, entre outros títulos, autor da trilogia Pode Um Desejo Imenso. Publicou ensaios como O Livro Aberto: Leituras da Bíblia ou Grécia Revisitada, e livros de poemas como Santo Asinha e Outros Poemas e Clara Suspeita de Luz. 

António de Castro Caeiro, Professor de Filosofia Antiga na Universidade Nova de Lisboa, mostrou-se contente com a atribuição do prémio ao amigo, esperançoso que este possa sinal de reconhecimento da importância dos Estudos Clássicos, uma área do saber que teme que esteja a ser apagada do mapa. «Às vezes, em conversa, falamos do receio de um dia darmos por nós velhos e sendo os únicos a saber algum grego, mas sem termos quem dê continuidade a este trabalho», explica o tradutor de textos de Aristóteles e Píndaro, entre outros.

Castro Caeiro lembra-se de como, no período em que eram estudantes, não raras vezes se cruzava com Frederico Lourenço, que «andava sempre com a gramática grega de um lado para o outro, e trazia os verbos irregulares na cabeça». O colega helenista sublinha o enorme talento de Lourenço enquanto tradutor, «dotadíssimo do ponto de vista linguístico» e um dos poucos especialistas na área dos Estudos Clássicos que consegue realmente ler Platão, traduzir os textos filosóficos mais complexos, porque além de um conhecer a língua, sabe pensar nela.

Frederico Lourenço assina a mais completa versão da Bíblia em Língua Portuguesa – de que a Quetzal publicou já do primeiro de seis volumes (o segundo volume será publicado no início do próximo ano); a obra só estará terminada em 2020.