Podemos: continua a guerra Interna

Pablo Iglesias pretende resolver a questão da liderança e afastar Iñigo Errejón. O líder propõe que as próximas eleições a liderança de programa se votem em conjunto. 

No filme A Vida de Brian, dos Monty Phython, há uma famosa passagem em que um dos movimentos de libertação da Judeia resolve empreender uma perigosa ação para libertar a Terra Santa do jugo da dominação dos romanos. O plano é simples: O comando virá da Rua do Peixe; introduzir-se-á numa boca de esgoto perto do palácio do César; Reg, o líder será consultor de coordenação na boca de esgoto, embora não participe nas ações armadas, pois sofre das costas. Uma vez no esgoto o tempo é fundamental. Depois de terem entrado no palácio vão dirigir-se ao quarto da mulher do procônsul Poncios Pilatos para a raptar. Toda a ação corre maravilhosamente, mas quando estão perto do quarto encontram um outro comando judeu que planeia exatamente o mesmo. De um lado está a Campanha para a Libertação da Galileia (CLG) e do outro a Frente Judaica Popular (FJP), fração oficial. Começam a discutir e pegam-se à pancada. Brian exorta várias vezes que parem. De modo a fazerem frente contra o inimigo, comum: «Devíamos estar a lutar juntos», diz desesperado, Brian. Os dois líderes do grupo, envolvidos à pancada, respondem: «mas estamos»; «mas não lutem entre vós, devíamos estar unidos contra o inimigo comum», suplica Brian. «A Frente Popular Judaica?», perguntam, em coro, os líderes enrolados ao soco. «Não, não, os romanos», berra Brian. «Há, pois», retorquem pouco motivados os líderes das concorrentes CLG e FJP, continuando à pancada. No fim só sobra Brian que é preso pelos romanos.

O filme fica aquém da vida real em relação à pulsão que a maioria dos partidos de extrema-esquerda e esquerda revolucionária têm para a divisão. O caso do Podemos parece paradigmático dessa tensão latente.

O Podemos fundou-se a 16 de janeiro de 2014, a partir de uma declaração subscrita por centenas de pessoas que agrupavam setores políticos vindos da movimentações sociais do 15 M e das acampadas. Em junho desse ano, conseguiram um resultado surpreendente nas eleições europeias. Nenhuma das sondagens previa mais do que 1% dos votos ao novo partido. O Podemos, numa campanha dirigida por Iñigo Errejón, e tendo como cabeça de lista e símbolo nos boletins de voto, Pablo Iglesias, obtém um resultado de quase 8% dos votos. A sondagem feita depois dessas eleições, pela Metroscopia para o El País, dá-lhe 21% das preferências dos espanhóis. Resultados que vem a confirmar nas duas eleições legislativas seguintes. Neste momento é cotado nas sondagens como o segundo maior partido de Espanha. Apesar deste enorme sucesso para um partido que tem menos de três anos, a vida interna no partido nunca foi fácil. O Podemos tem mais de 400 mil militantes inscritos na internet, muitos deles não participam na vida interna dos círculos do partido, mas votam nas eleições e nas assembleias através do voto eletrónico. Depois das eleições europeias, o setor que agrupava, na altura, Pablo Iglesias, Iñigo Errejón, Carolina Bescansa, Luis Alegre,  todos professores na Universidade Complutense de Madrid e todos com percurso de trabalho no Centro de Estudos Políticos e Sociais (CEPS), instituição que apoiou os governos de esquerda da Venezuela, Peru, Bolívia e Equador, aprovaram uma norma no partido que só podiam ser dirigentes do Podemos pessoas que não pertencessem à direção de outro partido a nível federal. Com esta norma afastavam os elementos da Esquerda Anti-capitalista, versão espanhola da corrente trotskista a que pertenceu Francisco Louçã e o PSR português. Esta medida obrigou à Esquerda Anti-capitalista a dissolver-se como partido. Na primeira Assembleia Cidadã, a lista de Pablo Iglesias e Iñigo Errejón triunfou sobre os setores da oposição trotskista com mais de 86% dos votos.  

O grupo da complutense tinha um largo percurso comum. A sua base ideológica vinha da releitura da ação política a partir das experiências das ruturas políticas populistas na América Latina. Os seus pensadores de referência são sobretudo Laclau e a releitura de Gramsci, que este pensador pós-marxista argentino fez. Para Laclau, cujas obras mais importantes são a ‘Hegemonia e a Estratégia Socialista’, de 1985, e ‘A Razão Populista’, de 2002,  a política constrói-se não por uma situação social preexistente, mas por uma articulação de reivindicações. Nos trabalho de Laclau propõe-se «uma compreensão da política como disputa pelo sentido, em que o discurso não é o que se diz – verdadeiro ou falso, revelador ou encobridor – a partir de posições sociais já existentes e constituídas em outros âmbitos (o social, o económico, etc.) mas uma prática de articulação que constrói umas posições ou outras, um sentido ou outro, a partir dos ‘dados’ que podem receber significados muito distintos segundo se selecionem, agrupem e, sobretudo, contraponham», escrevia Errejón num obituário de Ernesto Laclau no diário espanhol Público. A política para a linha maioritária, na altura, do Podemos, construía-se a partir da criação de uma nova hegemonia. Isso significava criar um sentido compartilhado pela maioria das pessoas do que eram os seus amigos e inimigos e assim circunscrever um terreno da luta. Por isso, o grupo Iglesias e Errejón, não considerava que o Podemos fosse de esquerda ou de direita, mas das pessoas que pretendiam contestar o domínio de Espanha por uma elite.

«Este poder é a hegemonia: a capacidade de um grupo apresentar o seu projeto particular como encarnando o interesse geral (um particular que gera em torno de si um universal), uma relação contingente, sempre incompleta, contestada e temporal. Não se trata só de liderança nem de mera aliança de forças, mas da construção de um sentido novo que é mais que a soma das partes e produz uma ordem moral, cultural e simbólica e que os setores subalternos e incluindo os adversários devem operar com os termos e sobre o terrenos de quem detenha a hegemonia, convertida já em sentido comum».

Nas legislativas de junho passado o Podemos decide concorrer unido com a Esquerda Unida, e é nessa altura que se agudizam as divergências políticas entre Iglesias e Errejón. Com o primeiro a realiar-se aos setores anti-capitalistas e a defender a continuidade da aliança com a Esquerda Unida, e o segundo a dizer que isso significava um encostar à esquerda do Podemos e um abandono da ideia de rutura populista. Errejón sempre viu o Podemos como uma máquina de ganhar eleições, em que tudo devia estar subordinado a esse propósito. O conflito teve o seu último desenvolvimento, com os setores apoiantes de Pablo Iglesias a defenderem que a votação para líder terá de ser junta com a do programa de ação do partido. Coisas que até agora não era. Para potencializarem a popularidade de Pablo Iglesias e esmagarem os setores Errejonistas.  Na quinta um grupo de 300 dirigentes do Podemos pediu ao líder que recue nessa posição.