Turismo. Guerra no alojamento local

A Relação de Lisboa diz que os condóminos podem impedir novas ofertas, mas a Relação do Porto defende o contrário. Governo já admite fazer alterações à atual lei em 2017.

A final os condóminos sempre podem travar a oferta de novos alojamentos locais? A questão está longe de ser pacífica ao ponto dos Tribunais da Relação de Lisboa e Porto discordarem sobre o poder do condomínio de poder proibir a existência de unidades de alojamento local. Tudo depende da interpretação de conceitos como habitação e alojamento.

O próprio Governo já veio admitir que está a estudar ajustamentos à atual lei e admite que, no próximo ano, iremos assistir a uma alteração ao regime em vigor. «O Governo está a fazer o levantamento das questões que existem sobre o alojamento local junto das autarquias e associações», referiu  a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho.

Ainda esta semana foi conhecido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de outubro, em que os membros de um condomínio podem travar o arrendamento a turistas na sua propriedade conjunta. Esta decisão baseia-se na possibilidade, estabelecida no Código Civil, de que uma assembleia de condóminos pode impedir  o uso de um edifício destinado à habitação para outro fim – como o alojamento local. O alojamento local (AL), em parte impulsionado por plataformas que facilitam a comunicação entre proprietários e potenciais arrendatários, como o Airbnb, cresceu como forma de arrendamento temporário a turistas, principalmente nas cidades de Lisboa e do Porto.

No entanto, a decisão do Tribunal da Relação sobre o caso de um prédio em Lisboa pode agora abrir caminho para outras associações de condóminos impedirem o alojamento local nos seus prédios. O caso que motivou o acórdão do Tribunal da Relação é o de um prédio lisboeta onde a assembleia de condóminos rejeitou que uma das parcelas do prédio fosse alugada a turistas, o que levou a proprietária afetada a avançar com uma providência cautelar.

E embora o tribunal de primeira instância tenha aceitado essa providência cautelar, a Relação rejeitou-a com base no Código Civil: um prédio consignado à habitação pode ter uma das suas parcelas designadas para fins comerciais, como o arrendamento a turistas e também a abertura de um cabeleireiro ou de um consultório de dentista, por exemplo, mas só com a devida autorização dos restantes proprietários do edifício.

 Ainda assim, a legislação do alojamento local, de abril do ano passado, diz apenas que é necessária a autorização pelas entidades públicas, como as Finanças e a câmara municipal. Mas o Tribunal da Relação considera que essas autorizações «não têm a virtualidade de alterar o estatuto da propriedade (…) segundo o qual essa fração se destina a habitação», salienta. 

Opinião contrária

Confrontado com uma queixa semelhante, o Tribunal da Relação do Porto, num acórdão de Setembro deste ano, decidiu que o proprietário não devia ser limitado pela vontade do condomínio – que moveu a providência cautelar – de fechar a unidade de alojamento local e pagar uma coima de 150 euros por cada dia de incumprimento.

A instância deu razão ao dono do apartamento, determinando que «não existe, em princípio, impedimento a que o seu proprietário a afete [a fração] a alojamento a turistas». No centro da decisão está o conceito de habitação, uso que é contestado pelo condomínio no caso de alojamento local.

O acórdão diz mesmo que o conceito de alojamento está contido no conceito de habitação e, como tal, a utilização para alojamento de turistas «não diverge da utilização para habitação». Isto significa, segundo o tribunal, que «a pessoa alojada não pratica no local de alojamento algo que nela não pratique quem nele habita: dorme, descansa, pernoita, tem as suas coisas».

Queixas dos moradores

A explosão de oferta de casas para alojamento local tem vindo, nos últimos meses, a motivar várias queixas por parte dos moradores, principalmente dos bairros históricos. Estes têm acusado os proprietários de fazerem pressão para saírem das casas arrendadas. A ideia é simples: os proprietários querem os imóveis para os explorarem no mercado de arrendamento local, um negócio considerado mais atrativo financeiramente. Essas acusações são transversais nos vários bairros históricos de Lisboa, que são os principais alvos de visitas por parte dos turistas. É o caso, por exemplo, do Bairro Alto, Bica e Alfama. Esta explosão do alojamento local no centro histórico da capital é também um problema para a autarquia, que quase diariamente recebe queixas de moradores pressionados pelos senhorios a saírem das casas onde sempre viveram. Os moradores afetados pedem uma maior regulamentação e legislação que limite a proliferação desmedida dos alojamentos locais e hostels e, ao mesmo tempo, defendem o licenciamento zero para o centro histórico de Lisboa.