Paula Marques. “É fundamental a Carris ter passado para a gestão da câmara”

Paula Marques é vereadora da Habitação e do Desenvolvimento Local da Câmara Municipal de Lisboa

Vereadora da Habitação e do Desenvolvimento Local da Câmara de Lisboa, Paula Marques tutela uma área com muitas vidas dentro de muitas casas: em Lisboa, há 67 bairros municipais e 75.000 pessoas vivem em casas da câmara. Números que estão prestes a mudar já que a câmara tem novos projetos na mão, como o programa da renda acessível que pretende trazer aos lisboetas entre cinco a sete mil fogos (muito) abaixo dos preços de mercado espalhados pela cidade. Ao i, falou deste futuro mas também do projeto mais recente: o programa Pátios e Vilas que vai reabilitar estes locais que fazem parte da memória de Lisboa e pôr jovens e idosos a partilhar o mesmo espaço. 

Recentemente a câmara anunciou que vai reabilitar 34 antigas vilas e pátios operários municipais Lisboa. Como se desenrolará o projeto?
Já há algum tempo que começámos a fazer a análise dos pátios e vilas de propriedade municipal de origem operária. Estas construções fazem parte do património municipal e aquelas que estão ocupadas, ainda que parcialmente, fazem parte daquilo a que se chama o património disperso da habitação. São locais com uma configuração muito específica e sendo vilas operárias era muito usual serem ocupadas por gente de fora que vinha trabalhar para Lisboa. Já há bastante tempo que não tínhamos um destino para este tipo de propriedade. Por isso, em conjunto com os serviços da habitação, fizemos a análise das vilas. Aquelas que não terão condições de reabilitação serão demolidas, não faz sentido ter estas feridas, entre aspas, na cidade. 

Que vilas serão demolidas?

Agora estamos mais focados na análise e na recuperação das nove obras que vão avançar para já. As que não estão em situação de recuperação depende. Há algumas que estão em muito mau estado e por isso vão ser demolidas para abrir o espaço para usufruto público. Por exemplo, uma praça ou jardim. Há outras que eventualmente serão demolidas e nesse terreno é possível que seja construído, por exemplo, uma creche ou um centro de saúde. Mas isso é uma segunda parte de análise.

E a primeira parte, qual será?
Será a reabilitação das primeiras nove vilas, que se situam em seis freguesias diferentes. Três delas arrancam já no início do ano 2017, estamos a acabar de ultimar os projetos.

De que sítios falamos?
São três vilas muito diferentes entre si quer ao nível da tipologia quer ao nível da localização. Uma delas é a Vila Romão da Silva e essa tem uma particular expressão pela dimensão e pela localização, já que fica no coração do bairro de Campolide, paredes meias com as Amoreiras. Tem uma configuração muito interessante: uma entrada muito estreita, que vai ser modificada e tem um grande espaço público com um chafariz no meio, uma espécie de praça interna. Toda a vila é voltada para esse local. Estou a falar desta particularidade porque uma das coisas que queremos fazer nesta intervenção é a reabilitação do espaço público e devolvê-lo às pessoas como forma de vivência daquele tipo de construção. Para isso, vamos reabilitar todo o espaço público, os fogos ocupados e os vagos. Esta vila tem também dois equipamentos: um clube desportivo e tem uma companhia de teatro, “O Palmo e Meio”. 

Que vão continuar ali?
Não só vão continuar como o processo de reabilitação prevê a recuperação desses espaços. No caso da companhia de teatro, será ainda implantado um auditório que trará ao grupo condições que lhes vão permitir continuar a fazer a sua programação mas também de dotar aquela freguesia de um novo equipamento que possa ser usado para outros fins. Tanto o clube como o grupo de teatro trabalham muito com os moradores de Campolide e têm uma vontade muito grande de trabalhar ainda mais com essa população. O projeto de intervenção vai permitir, e isto é uma novidade, que o teatro esteja aberto para a rua e que esteja aberto para trás, para o chafariz. 

Qual tem sido a reação dos inquilinos?
Há muitos anos que os inquilinos das vilas são essencialmente pessoas muito idosas e isoladas que tinham manifestado a vontade de ver a sua casa recuperada, assim como a vila. Fizemos uma primeira visita no verão passado e a reação desde essa altura foi muito boa, volta e meia as pessoas perguntam ao presidente da junta como está o processo. Recentemente, quando os nossos técnicos voltaram às vilas para fazer o levantamento, foram recebidos com muito acolhimento. E estão contentes. Este programa tem também um objetivo muito específico que é o de recuperar este sentido de conviviabilidade numa vila. 

As pessoas poderão continuar nas casas durante a reabilitação?
Sim. Pode haver situações em que, pontualmente, as pessoas precisem de ser relocalizadas mas para isso temos os fogos que estão devolutos nas próprias vilas e que podem ser utilizados para deslocações temporárias. 

Quando se prevê que esteja este projeto concluído?
Relativamente à Romão da Silva é expectável que antes do verão de 2017 esteja a ser lançado o concurso. As outras duas vilas [Pátio Paulo Jorge, em Belém e Vila da Bela Vila, no Beato] cuja recuperação começa para o ano, que são mais pequenas e já têm alguma reabilitação feita, avançam já no primeiro trimestre. 

Falamos de que orçamento?
O valor global que temos para as nove empreitadas que avançam está na ordem dos oito milhões, o que não é nenhuma exorbitância para fazer esta reabilitação. A Romão da Silva tem uma estimativa de custo total de dois milhões. Já o Pátio Paulo Jorge, mais pequenino e onde é tudo rés-do-chão, o valor total são 370 mil euros.

Há algum público alvo para os novos fogos?
Serão arrendados, principalmente, a jovens. Uma das nossas orientações políticas é a promoção do rejuvenescimento da cidade. Se tenho instrumentos – neste caso, património disponível – para fazer isto, faz sentido que direcione uma parte desse instrumento para essa finalidade.

Os pátios e vilas serão, portanto, habitados por jovens e pelos inquilinos que já vivem nestes espaço, maioritariamente, idosos. Acha que esta geração está mais disponível para que isto aconteça, ou seja, valorizam este convívio entre gerações?
Acho francamente que sim, que estão mais predispostos a isto. A própria tipologia da construção também pede que os novos arrendatários sejam um determinado tipo de público. Estas casas são pequenas, com escadas muito estreitinhas. Depois há outros indicadores que mostram que os jovens querem este tipo de programas, um deles em relação à procura. Se formos analisar os candidatos da renda convencionada, outro dos programas de habitação que nós temos e em que a maioria fogos têm tipologias semelhantes aos das vilas, aquilo que vemos é que os candidatos dos programas são jovens, lá está, até aos 35 anos, sozinhos, estudantes ou no primeiro emprego. Ou então casais jovens. No segmento a seguir, dos 35 aos 52, são pessoas sozinhas ou famílias monoparentais. Também há gente nova que concorre para partilhar casa e também menos nova. Quanto à convivência, temos o exemplo do programa Bip Zip, a que as organizações concorrem e em que propõe os projetos depois de ouvir a população que está num determinado território. Por isso, esses projetos mostram o quadro mental dos nossos cidadãos e vemos que há muita concentração nos projetos intergeracionais, de apoio aos mais idosos, vivência do espaço público. Além disso, os vencedores do Orçamento Participativo (OP) foram conhecidos na semana passada e grande parte dos projetos tem a ver com o espaço público que permita a relação entre vários segmentos da população.

Ficou orgulhosa das votações dos lisboetas?
Fiquei, muito! Acho que é um instrumento muito interessante do ponto de vista da mobilização da população que pode decidir, relativamente a um determinado segmento de orçamento, o que quer na sua cidade. Depois, fiquei orgulhosa como cidadã, que não deixo de ser. Também votei, não vou dizer em que projeto (risos). 

De que valores de rendas falamos no programa pátios e vilas?
Os valores serão então os da renda convencionada que são muito mais baixo dos preços de mercado.

Quão mais baixos?
Em 2011, quando criámos o programa da renda convencionada, as rendas tinham um valor 30 a 40% abaixo do valor médio de mercado para o mesmo território. Hoje sabemos que temos uma inflação das rendas de habitação privada mas não mudámos a fórmula. Pelo contrário, estamos a tentar baixar ainda mais a construção do valor e temos preços de rendas convencionadas que estão 50 a 60% abaixo dos valores de mercado. Basta ver os valores da renda do concurso que decorreu até dia 5 de dezembro, em que os fogos em Alfama, falamos de T2, podiam ser arrendados por valores entre os cento e poucos e os duzentos euros. A renda média dos fogos a concurso foi de 242 euros. Recebemos 1212 pedidos e foi a primeira vez em doze edições que este programa abrangeu um bairro municipal, o Alto da Eira. 

Como são escolhidos os candidatos?
Sempre por sorteio. Todas as pessoas podem concorrer, mas há aqui uma limitação. Imagine que uma pessoa concorre a dez fogos dos 21 que lá estavam. A renda a que concorre não pode significar menos de 10% do seu rendimento ou do rendimento do agregado familiar nem mais de 40%. Não menos de 10 porque senão estamos a apanhar uma franja que tem capacidade socioeconómica para pagar no mercado privado. Mais de 40 poderíamos estar a por as famílias numa situação de sufoco e de eventual incumprimento. Temos zero de incumprimento neste programa e isso para nós é um feito, é ponto de honra.

Como sabem que esses apartamentos não são depois subalugados a turistas, por exemplo?
Aí sim há fiscalização. Isto é, o contrato que está por base da renda convencionada é o contrato do arrendamento urbano, – como será o do programa mais ambicioso que vamos fazer que é o da renda acessível – e que pode ser renovado por cinco anos. Mas fazemos controlo e é razão imediata de rescisão se houver uma utilização indevida do fogo, nomeadamente o subaluguer.

Já aconteceu?
Tivemos uma situação de passagem do contrato, uma pessoa que saiu e passou a casa para outra. Mas sabemos isto porque fazemos mesmo fiscalização e é uma das coisas que dizemos no sorteio, na entrega das chaves e está escrito no contrato. 

Que outros programas têm entre mãos?
Começámos, no ano passado, uma remodelação profunda dos bairros municipais, que efetivamente há muitos anos não tinham intervenção. Fizemos um contrato com a GEBALIS, que é a entidade pública que gere os bairros municipais e que depende a 100% da orientação da câmara, para começar a requalificar os 21 primeiros bairros. Fizemos uma análise de todos os bairros municipais [67] e definimos os que tinham maior prioridade, onde a patologia era mais profunda. Mas precisamos de passar para a segunda fase do Aqui há mais Bairro, que é o nome do programa. E é por isso que este empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI) que, pela primeira vez,  aceita como elegível a despesa em habitação social e que nos vai permitir continuar este processo de requalificação é tão importante [O BEI e a CML assinaram, a 24 de outubro, o “Plano de Investimentos da Cidade de Lisboa 2016-2020”. O BEI vai disponibilizar à autarquia 250 milhões de euros]. Uma almofada financeira deste montante permite-nos, ou a quem vier no futuro – espero que continuemos a ser nós –, levar a cabo uma coisa que está planificada. Nomeadamente aquilo que é a construção nova do bairro da Boavista e do bairro Padre Cruz. Falamos de 500 fogos a ser construídos no bairro Padre Cruz e outro tanto no bairro da Boavista. É um compromisso do executivo anterior que estamos a concretizar e algo que os moradores esperam há mais de vinte anos.

E o programa da renda acessível que falou anteriormente?
Para nós, esse é outro programa que, é de facto, muito importante. É um programa que começou a ser criado assim que o Fernando Medina tomou posse como presidente e que demorámos um ano a pensar.

Estamos a falar de um programa diferente da renda convencionada em que medida?
A renda convencionada é quase uma coisa de acupuntura urbana. O programa da renda acessível vai destinar-se a famílias de classe média ou média baixa, que não estão em situações de emergência e por isso não se qualificam para o segmento que concorre para a habitação municipal. Falamos de pessoas que não têm uma condição socioeconómica extremamente frágil mas que também não têm capacidade para estar no mercado privado, muito menos agora. Os fogos também serão atribuídos por sorteio. O segmento é o mesmo das pessoas que se candidatam à renda convencionada, a operacionalidade e a escala é que são diferentes. A renda convencionada são fogos de propriedade municipal, reabilitados pelo município e postos em bolsa e geridos pelo município. A renda acessível são edifícios e ou terrenos municipais que são postos a concurso de concessão ou direito de superfície com a participação de uma entidade privada ou cooperativa. Serão essas entidades não públicas a fazer a reabilitação ou a reconstrução dos novos fogos, a manutenção e a gestão do novo edificado durante o período de concessão. Mas quem define o modelo de negócio, os parâmetros de qualidade de construção, o segmento a que se destinam os fogos, os intervalos de renda e quem lança todos os concursos é a câmara. 

Durante quanto tempo serão esses períodos de concessão?
Estamos a estudar um modelo de concessão de 40 anos, que já é muito pouco usual em Portugal. No norte da Europa e em França têm uma maior experiência neste setor e temos estado a trabalhar com outras experiências para que quando lançarmos os concursos seja uma coisa garantida do ponto de vista da adesão. Ninguém prepara um programa destes para que não aconteça, é suicídio absoluto. Vamos lançar os primeiros concursos no primeiro trimestre de 2017.

Pode dar exemplos concretos destes novos locais de renda acessível?
Posso: a rua das Barracas, o Paço da Rainha, o Cabeço da Bola ao pé dos quartéis da GNR. Na Gomes Freire, ao lado da antiga esquadra, o palacete e o terreno ao lado farão parte do programa. A rua de São Lázaro também. Há fogos no vale de Santo António e perto do hospital da Luz e do Colombo, o bairro municipal do Charquinho será de renda acessível. 

De quantos fogos falamos?
Temos previstos entre cinco a sete mil fogos. A renda acessível surge da aprendizagem com o passado e não repetindo os mesmos passos de fazer bairros longe daquilo que é o centro da cidade, longe dos transportes públicos, longe dos equipamentos sociais. A renda acessível, pela sua dimensão e a sua localização combate aquilo que foi feito nos anos 90, com todo o mérito que isso teve.  

E isso é importante para as questões de mobilidade.
Claro! E de integração, e de não guetização. Tem a ver com a relação com a cidade e das pessoas umas com as outras. No programa da renda acessível nós não construímos só casas, temos que pensar noutras coisas. Se há uma sobrecarga de pessoas que vai viver naquele território a própria operação tem que ter em conta a infraestrutura e o tipo de equipamentos que há na zona como equipamentos de infância ou de saúde. 

Acha que estes cinco a sete mil novos fogos vão solucionar o problema das rendas em Lisboa?
Vão ajudar a introduzir equilíbrio na vivência das cidades e dos usos. Tenho repetido isto até à exaustão, mas não acho que seja diabolizando a atividade turística que chegamos ao ponto que queremos chegar. O turismo traz ações positivas na cidade se houver atenção ao equilíbrio. Neste momento, acho que temos desequilíbrio. Falamos sempre muito do centro histórico, eu entendo e é uma área a que devemos ter muita atenção, mas a cidade de Lisboa não é só isto. Fala-se pouco do investimento que estamos a fazer no Beato, em Marvila ou no bairro Padre Cruz. E isso é cidade. Se me dizem que essa cidade é desgarrada da malha urbana? Sim, neste momento é. Por isso temos que chamar essa parte da cidade ao resto e para isso acho fundamental aquilo que aconteceu recentemente: a Carris passar para a gestão da câmara.

Em que medida?
Além das questões das relações de vizinhança, da porta que não funciona, da luz, dos conflitos, há uma questão que toda a gente que vive nos bairros periféricos refere: é a falta de acesso e de transportes. Queixam-se do tipo de distribuição que está desenhada. De facto não faz sentido nenhum que uma cidade não possa decidir sobre um instrumento que é fundamental para a coesão sócio territorial,  de coser este tecido da cidade através do transporte. É a câmara quem conhece as necessidades de cada território, gere as vias, as infraestruturas. Por isso faz todo o sentido. 

Tem um pelouro exigente já que ter casa, ou o direito à habitação, faz parte da condição da dignidade humana. Sente esse peso?
Sinto responsabilidade. É um pelouro que é muito aliciante e gratificante mas também é muito duro. E pode ser ao mesmo tempo muito frustrante porque a dimensão… Em Lisboa há mais de 75 mil pessoas que vivem em habitação pública municipal. Depois há toda uma outra parte que vive em habitação da administração central, do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU) Gostava muito de falar mas isso é um blur. Ninguém sabe muito bem o que se passa ali.

Há muitas pessoas que ainda esperam habitação social?
Seria da minha parte absolutamente demagógico dizer que está tudo maravilhoso e que isto é um mar de rosas. Não. Há pessoas no setor da emergência que procuram habitação, neste momento temos 2.500 pedidos de habitação por responder. Há muitas pessoas que já são nossos inquilinos e pegando na dignidade que referiu precisam de ter melhores condições de habitabilidade, nós não podemos nunca esquecer-nos da reabilitação ou da intervenção dos fogos e da manutenção. Ouvirá muitas vezes falar da questão da sobre ocupação, ainda temos essa dinâmica em alguns bairros mas já não tem nada a ver com a realidade de há 20 ou 30 anos. E, efetivamente, há um segmento, o tal da classe média, média-baixa que não tem respostas.

Falou há pouco da parte gratificante do seu trabalho. Qual é?
A parte gratificante, e que normalmente não vem nas notícias, é quando vemos projetos que se concretizam. Por exemplo, a construção no bairro Padre Cruz e no da Boavista. Quando faço as fases de realojamento que são difíceis mas que são participadas pelas pessoas e isso é gratificante. Ou quando entregamos a chave das rendas convencionadas, ou as licenças de utilização do bairro Fonsecas e Calçada. um projeto edificado no período revolucionário do pós 25 de abril e que esperava uma resolução há 30 anos… Tudo isto é muito gratificante.

Acha que esse trabalho tem sido reconhecido?
Pela população a quem se dirige, não tenho dúvidas de que tem. Pelos nossos pares no governo da cidade, umas vezes sim outras vezes não, faz parte. Mas acho que sim, acho que é reconhecido. É mais apelativo as obras da segunda circular e do eixo central e a polémica do que o bairro ex SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local) que há 30 anos espera uma resolução.