Irmão de brasileiras mortas espera dois meses por corpos

Vinicius chegou a Portugal em outubro para tratar da cremação das irmãs e desde aí que espera a libertação dos corpos. Consolado do Brasil em Lisboa diz que não o pode ajudar e adianta que ele só veio porque quis.

Irmão de brasileiras mortas espera dois meses por corpos

O irmão de duas das brasileiras que foram assassinadas em Tires, Cascais, está em Portugal há dois meses à espera de poder tratar das burocracias com vista à cremação dos cadáveres – que foram encontrados em agosto num poço de um hotel para cães. Vinicius Santana, irmão mais velho de Michele Santana Ferreira e de Lidiana Neves Santana, confessou ao SOL que, dada a demora da burocracia, já não tem mais recursos para se manter em Lisboa e revela que para se sustentar já teve mesmo de fazer biscates em empresas de mudanças e alguns trabalhos de pintura.

Quando esta semana ligou para o Ministério Público a perguntar se já havia mais alguma novidade, teve de desligar a chamada sem sequer se despedir: «Rapaz, não pode estar a ligar para aqui todos os dias. É preciso ter calma».

«Eu não consigo, estou vivendo em casa de um pastor no Seixal e apesar de me deixarem à vontade, me sinto mal estar há tanto tempo lá. Tomar banho todos os dias, comer lá em casa», conta.

A calma já perdeu e, dos mais de 4 mil euros que trazia no bolso – e que foram conseguidos com uma campanha de angariação de uma amiga da tia nos EUA –, já só lhe sobram três mil, o dinheiro de que precisa para cremar o corpo das irmãs. «Começa a ficar difícil, até porque a minha mulher foi despedida no Brasil e está lá sozinha com os nossos dois filhos», explica Vinicius.

Neste momento só queria duas coisas: voltar para o seu país com a urna das cinzas e ter a oportunidade de perguntar a Dinai Gomes, o alegado assassino, o porquê de tudo isto: «Ao início pensei que ele merecia que eu também o matasse, depois de algum tempo entendi que se algum dia fizesse isso estaria sendo igual a ele».

Vinicius habituou-se a ser o filho mais velho de cinco irmãos, numa família de poucos recursos da região de Governador Valadares, Minas Gerais. Como irmão mais rebelde, nunca se imaginou a tratar dos problemas das irmãs mais novas – elas sempre foram mais atinadas. Aliás, se há uns anos tentasse adivinhar este futuro, o mais provável seria que hoje fosse Michele a ir tratar das suas alhadas. Nunca o contrário.

Michele era a responsável da família, a irmã que aos 20 anos decidiu rumar a Portugal para conseguir viver melhor e enviar dinheiro para a mãe: «Ela começou a mandar uma ‘grana’ e com esse dinheiro a minha mãe aumentou a casa, fez uma cozinha maior e até um quarto para receber Michele. Às vezes mandava 1000 reais [menos de 500 euros], o que dá para fazer muita coisa lá no Brasil».

Quando chegou a Portugal, além de procurar uma vida melhor, Michele trazia o sonho de se casar, de ter um filho e de ir à praia – o que nunca tinha feito no Brasil. Naquele Brasil do interior onde ainda tentou viver mais tarde, quando fez 25 anos. Mas não conseguiu. Vinicius lembra-se das palavras de Michele para a mãe: «Mãe eu não acostumo com o Brasil, não. Tenho de voltar para Portugal porque lá é bom, eu tenho serviço e vou poder ajudar a senhora mais».

A brasileira regressa a Lisboa nessa altura, em 2013, onde acabaria por dar mais importância ao namoro que tinha deixado em stand by com a viagem à sua terra Natal. Um amor que acabaria por destruir a sua vida.

No início deste ano, foi assassinada – juntamente com a irmã e a namorada desta – quando achava que já tinha conseguido quase tudo o que precisava para ser feliz: estava grávida e amava o pai do filho, o brasileiro que é o principal suspeito do triplo homicídio.

«Ela arranjava sempre rapazes de que eu não gostava, mas eu tentava não me meter na vida dela, porque também não deixava que ela se metesse na minha», explicou ao SOL Vinicius, admitindo que Dinai parecia ser uma exceção. A única vez que se cruzou com ele, no Brasil, achou-o um rapaz calmo, incapaz de fazer qualquer mal à irmã.

Sinais estranhos

Ao irmão Michele não contava muito sobre a sua relação, havia distância sobre esse assunto, mas algumas das coisas que contou às amigas já faziam prever que aquele amor poderia ter um desfecho perigoso.

Vinicius só depois de serem encontrados os corpos soube de alguns desses pormenores, como por exemplo do estranho assalto à casa onde a irmã vivia com outros brasileiros antes de, em 2015, se mudar para casa de Dinai e das agressões que ela sofreu na rua uma semana depois.

«Disse às amigas que uma semana depois do assalto a casa alguém chegou por trás dela na rua, encapuzado, e começou a bater, que a jogou no chão e não falou nada. Pegou só o celular dela, esse telemóvel acabaria por ser achado no canil onde ele trabalhava», conta Vinicius, adiantando que Michele nunca conseguiu perceber quem era o agressor. Agora, desde que a PJ encontrou o telemóvel onde Dinai trabalhava, as dúvidas são cada vez menores. «Ou ele mandou assaltar ou foi ele que assaltou», conclui o irmão das vítimas. Depois desse assalto Michele teve de ser hospitalizada.

Os investigadores acreditam agora que a invasão da casa da Michele está relacionada com este episódio, uma vez só foram levados da habitação os documentos do casamento dela com Dinai.

Se por um lado, algumas das questões parecem ter sido respondidas pela investigação, outras há que continuam a ser uma incógnita. Uma delas é o facto de o suspeito ter aceitado que Michele convidasse todas as suas irmãs para virem viver para Portugal dias antes de ela se mudar para a sua casa. O alegado triplo homicida, contou Michele às amigas e à mãe, só colocara uma imposição: não podiam trazer o namorado.

Lidiana, a mais nova, foi a única que aceitou a aventura e decidiu embarcar em novembro do ano passado. Veio e trouxe a sua namorada, Thayane Mila Mendes. Para trás deixava a mãe, as irmãs e o irmão que tantas vezes lhe dissera que não concordava com o seu interesse por mulheres, mas que nunca deixou de ser um dos principais amigos.

Acreditaram sempre no tráfico

As três brasileiras passaram o natal e a passagem de ano em Portugal com Dinai, sempre em contacto com a família, sobretudo com a mãe – que tinha o Whatsapp sempre ligado no computador de casa. Lidiana descreveu cada ida ao ‘shopping’ e dizia que a irmã tinha razão, que Portugal era lindo. Michele contava detalhes do seu amor e da gravidez.

O silêncio começou no início de fevereiro: as três deixaram de falar com a família. Michele também deixou de responder aos amigos daqui e começou a faltar ao trabalho – era doméstica em casa de uma advogada.

Enquanto isso, Dinai distribuía justificações pelas várias partes, contou ao SOL Vinicius: «Para a minha mãe dizia que elas tinham ido para Londres, para a patroa da Michele contou que minha mãe tinha morrido e que elas tinham regressado para o Brasil».

O certo é que nessa altura a família não sabia deste jogo de Dinai e começou a convencer-se de que as três mulheres teriam sido vítimas de tráfico de mulheres: «A gente sempre ouve que em Portugal e em outros países da Europa se traficam mulheres».

A chamada que mudou tudo

Foi em agosto que todas as esperanças de voltar a ver as duas irmãs acabaram. Vinicius recebeu uma chamada do delegado Roberto Câmara, que investiga o caso no Brasil, dizendo-lhe que tinham sido descobertos os cadáveres de três mulheres em Portugal.

«Poderia confirmar se são elas?», questionou de imediato querendo deixar em aberto a possibilidade de tudo não passar de um erro. O polícia brasileiro, porém, não quis prolongar mais a incerteza: «Quase de certeza que são elas».

Vinicius estava trabalhar e desligou o telefone. Não sabia como havia de contar à mãe. Demorou tanto a pensar que foi a própria mãe que lhe ligou, tinham lhe dito que os sites dos jornais portugueses – que todos os amigos se tinham habituado a seguir desde o desaparecimento – estavam a noticiar a descoberta macabra. Já sabia de tudo, tal como Vinicius.

‘Quero ver os corpos’ 

Se por um lado hoje Vinicius já não tem esperanças de voltar a ver as irmãs vivas, por outro diz ainda não ter caído em si. «Eu quero ver os corpos para acreditar, quero fechar isso», afirma ao SOL, confidenciando que por ele nem sequer levava as cinzas para o Brasil: «Era melhor nem levar, sei que a minha mãe vai sofrer, mas ela quer».

Em Lisboa, Vinicius esperou o primeiro mês pelo ‘ok’ do Brasil, isto porque os corpos não podiam ser libertados sem que se confirmasse que as autoridades não precisavam de mais análises, e agora aguarda pela burocracia portuguesa. Ao fim deste tempo todo não conseguiu ainda tratar de nada e está a viver por favor em casa de um pastor da igreja evangélica – a sua religião – sem poder sair de casa para não gastar dinheiro. «Tenho 80 euros aqui, além dos 3 mil de que preciso para a cremação», mostra-nos.

Brasil diz que irmão só veio porque quis

O SOL confrontou na quarta-feira a Embaixada do Brasil em Portugal com os problemas que este familiar das vítima está a enfrentar. Os serviços reponderam que tudo teria de ser tratado com o Consulado Geral do Brasil. Este último começou por dizer que não podia responder a nada, invocando um alegado segredo de Justiça. Após nova insistência – dado que o apoio consular em nada está coberto pelo segredo de justiça – o Consulado-Geral do Brasil em Lisboa admitiu que não tem dinheiro para apoiar familiares de vítimas e defendeu que Vinicius só veio porque quis, não era obrigatório.

«No caso de morte de um cidadão no exterior, ainda que não possa arcar com os custos de transporte do corpo ao Brasil, o Itamaraty adota providências no sentido de obtenção da documentação pertinente, de facilitação dos trâmites e de disponibilização das informações», refere fonte oficial, adiantando que «a Repartição Consular brasileira poderá, ainda, […] fazer registo da realização local de cerimónia fúnebre do brasileiro falecido». Esclarecem também que «optando-se por essa alternativa, os familiares não precisarão incorrer em gastos adicionais para traslado do corpo de seus parentes, e a cerimónia será realizada pelas autoridades locais».

Mas a diplomacia daquele país vai mais longe e afirma que caso os familiares quisessem os serviços poderiam tratar tudo, assegurando que «um representante religioso [estivesse] presente à formalidade e [pudesse] fotografar e filmar a cerimónia para posterior envio desses dados à família».

O Consulado diz que desconhecia que o irmão das vítimas tinha vindo tratar da burocracia – isto apesar de Vinicius ter viajado com conhecimento da Polícia Federal e da Polícia Judiciária.

«Daqui a pouco passa o período do visto de turista e sou expulso», lembra, saturado, Vinicius.