Rio do Prado. Um hotel feito à mão e pintado a verde

Os alojamentos estão semienterrados para aproveitar o calor da terra, a água dos banhos é reaproveitada e cada hóspede pode medir a sua pegada ecológica. Bem-vindos ao Rio do Prado, em Óbidos

Para onde quer que se olhe em volta, a cor é só uma: verde. Ou melhor, tendo em conta a altura do ano, há espaço para umas pinceladas de castanhos, vermelhos e amarelos que ajudam a dar um toque ainda mais genuíno ao local. “Há quem lhe chame desleixo, eu chamo-lhe natureza”, diz Telmo Faria, quando, na (curta) lista de críticas ao Rio do Prado, surge a questão da limpeza do jardim. “Não é por uma cana estar seca que a vou arrancar e também não é por uma folha ter caído da árvore que a vou apanhar”, explica, salientando que, “felizmente”, há quem olhe para esses pormenores do hotel como algo positivo. “Dizerem que este espaço tem alma é o melhor elogio que nos podem dar”. E talvez o mais justo, tendo em conta que grande parte do que se vê nesta propriedade de três hectares junto à lagoa de Óbidos é feito à mão por Telmo, pela mulher Marta e pelos três filhos. “O sistema de pequenos espelhos dos quartos foi ideia da minha filha, daí que, para nós, não existe upcycling [processo de transformar resíduos em novos materiais], mas sim ‘upLaura’”.

Este é apenas um exemplo dos muitos pormenores que não escapam ao toque ecológico dos Faria e dos que, com eles, trabalham. Grande parte da mobília foi construída por Telmo, aproveitando restos de madeira, a iluminação exterior, feita com frascos de compota, é ideia do barman e Raquel, uma das mais recentes funcionárias, foi pioneira ao usar a água que sobrava da máquina de secar para encher o ferro de engomar.

Ambiente em primeiro lugar Apesar de trabalharem sempre em dupla, é Marta quem domina a estratégia e isso nota-se nos gestos rápidos com que organiza a receção e as respostas sempre prontas a responder a qualquer dúvida. Além do bem receber que lhe parece inerente, tem em cima um legado hoteleiro, ou não fosse da sua família o mais antigo hotel de Óbidos, transformado recentemente no reconhecido The Literary Man. 

Depois de quinze anos a trabalhar num negócio passado pela família, Marta sentiu vontade de criar de raiz um projeto, também de família, mas de futuro. “Sabíamos que tinha que ser aqui e sabíamos que exatamente por estarmos no meio do nada, teríamos que ser nós a adaptar-nos ao espaço”. Para isso, tudo foi pensado de forma a diminuir o possível impacto negativo desta entrada brusca em plena natureza.

A lista de medidas ecológicas daria direito a várias páginas, mas fiquemo-nos pelas mais originais. E ao usar a palavra “original” neste ambiente, é inevitável que a atenção se dirija para lareira que serve de aquecimento ao restaurante e à biblioteca. Além de ser suspensa no teto, roda em toda a sua plenitude, deixando para segundo plano qualquer necessidade de ligar um artificial ar condicionado. O mesmo acontece nos quartos, onde são duas as lareiras prontas a serem acesas, uma no exterior e outra – preparem-se – aos pés da cama. Já na cabeceira – preparem-se novamente – está instalada uma banheira desenhada especialmente para banhos de imersão. Parece que já se ouve ao longe a voz dos ecologistas, “banhos de imersão num hotel ecológico?”. Calma, toda a água é reaproveitada para os autoclismos. Além disso, à porta de cada uma das 15 suites há um contador, onde cada pessoa pode ir vendo o que gasta de água e eletricidade. “Há quem ache impossível gastar 500 litros de água num banho, mas acontece muitas vezes”.

Ainda assim, “eu não sou nada verde”, avisa Marta, depois de desenrolar alguns dos itens que fazem deste hotel um dos mais ecológicos do país, “mas se puder fazer algo mais pelo ambiente faço”. A proprietária garante que quem os visitar “não leva uma seca ambientalista”, mas que se vai apercebendo das diferenças ao longo da estadia. “Até porque sabemos que quem nos procura não liga muito à parte ambiental, mas sim à envolvente do hotel”. E aí não falta caminho para desbravar que, para os mais aventureiros, pode até ser feito numa das bicicletas disponíveis para passeios de 500 metros até à lagoa de Óbidos ou de dez quilómetros rumo à Foz do Arelho.

Comer, dormir e reciclar Seja à volta de uma das dezenas de fogueiras, em frente às estantes que forram as paredes de livros ou à mesa do Maria Batata, nome escolhido para o restaurante do hotel, todos os cantos chamam a uma paragem e a dois dedos de conversa com estes anfitriões que parecem funcionar ao ritmo da natureza. 

Apesar da azáfama de casa cheia, principalmente desde que ganharam a Chave de Ouro do “Guia Boa Cama Boa Mesa”, Marta e Telmo têm sempre tempo para mais uma visita guiada, para mais um copo de gin preparado por quem sabe ou mesmo para um prato de lingueirão acabado de apanhar na lagoa. E quem diz lingueirão, diz ameijoas à bolhão pato, feijoada de chocos, enguias fritas ou lascas de bacalhau, “tudo comida de conforto”, garante Marta, enquanto pede mais um cesto de pão feito no forno a lenha da cozinha, tendo como base a receita das mulheres da aldeia do Arelho. Para ajudar a engolir este fartote de ecologia e pratos a fazer lembrar casa, só mesmo pedindo a carta de bebidas. E mesmo quando achávamos que a vertente ecológica tinha ficado a três ou quatro petiscos atrás, eis que volta a surgir à mesa, desta vez em forma de copo. “Todos eles são feitos a partir de garrafas de vinho usadas”, conta Telmo, sentindo-lhe o peso acima do que é habitual. Um brinde ao upcycling!