Países da Europa a caminho de serem Estados securitários?

O parlamento alemão tinha dado mais poderes aos serviços de segurança em Outubro. O ataque de Berlim reforça a evolucação securitária da Alemanha. 

Em casa de ferreiro espeto de pau. Durante décadas os alemães foram alérgicos ao reforço de poder por parte dos aparelhos de segurança do Estado, apesar de terem conhecido vagas de terrorismo nacional, nos anos 70, com a RAF – Fração do Exército Vermelho,  e até atentados gravíssimos como o que vitimou a equipa olímpica israelita, às mãos de um comando palestiniano da Setembro Negro, nos Jogos Olímpicos de Munique em 1972. Esta alergia a poderes policiais explica-se por terem vivido sob o jugo de um regime de Estado de exceção permanente durante o domínio nazi. 

Apesar disso, o parlamento alemão concedeu em outubro mais poderes de vigilância de de ação aos serviços secretos, e depois do atentado de Berlim vão ser tomadas mais medidas de segurança, nomeadamente o alargamento das áreas das cidades que estão sujeitas a dispositivos de vigilância eletrónica. 

 Em vários países europeus assiste-se ao instalar de uma suspeição generalizada sobre os seus cidadãos que professam a religião islâmica que coloniza paulatinamente os aparelhos de segurança e altera os seus procedimentos em relação a estes cidadãos.

No fundo, sem querer, as autoridades acabam por reforçar o Estado Islâmico e a atuar a seu favor. Há vários anos, a direção do Estado Islâmico traçou a estratégia da ‘zona cinzenta’, conseguir com os ataques terroristas uma reação tal das autoridades que tornassem todos os muçulmanos suspeitos e perseguidos na Europa, permitindo assim contar com um número alargado de recrutas convertidos pelas discriminações acrescidas que vão sofrendo nos países em que vivem. O objetivo do Estado Islâmico é «eliminar [na comunidade islâmica] a ‘zona cinzenta’ constituída por aqueles muçulmanos que se identificam com a Europa em países com um enorme número de muçulmanos [na França, por exemplo, 10% da população é muçulmana]. Conseguindo que os muçulmanos (cidadãos ou não) se revoltem contra as autoridades dos seus países europeus e criem conflitos e violência nesses países», defende o jornalista e especialista em questões do Médio Oriente, Robert Fisk, nas páginas do site The Independent.

A ideia de instalar um clima de guerra na Europa que torne impossível a manutenção dos muçulmanos nos velho continente é uma tática que tem dois objetivos principais: generalizar a guerra e obrigar muitos muçulmanos a emigrar para o Médio Oriente, reforçando as fileiras do autodenominado califado. A revista ideológica do Estado Islâmico, Dabiq, é clara a esse respeito: «Os muçulmanos da Europa devem sair do continente e migrar para o Califado e reforçar as fileiras do Estado Islâmico», pugna a edição francesa de 2015 da revista.

Os atentados são uma alavanca para permitir criar as condições em que milhões de muçulmanos da Europa são colocados sob suspeita, discriminados, perseguidos policialmente, e acabem por ser convencidos, à força, para integrar o Estado Islâmico. Neste processo, segundo Robert Fisk, a instauração de uma espécie de Estado de Exceção e de guerra civil permanente contra as populações muçulmanas e o reforço das votações dos partidos xenófobos de extrema-direita são os principais aliados e instrumentos que o Daesh conta para poder atingir os seus objetivos. Nesta questão os extremos tocam-se: aqueles que fazem os atentados e aqueles que querem perseguir e expulsar os muçulmanos acabam por jogar no mesmo lado da barricada, defende o conhecido jornalista. 

Ciente dos resultados que a política da “guerra total contra o terrorismo tiveram, depois de analisadas as experiências desastrosas conduzidas pelos líderes dos EUA depois do 11 de setembro, a chanceler Angela Merkel pretende ser ‘prudente’ na resposta tática a dar ao ataque de Berlim.  O investigador do Instituto Alemão para a Política Internacional de Segurança (SWP, na siglas em alemão)  Kai-Olaf Lang explica ao site El Español: «Depois do atentado de segunda-feira, a Alemanha está em estado de choque, a sociedade alemã recebeu um golpe, apesar disso as pessoas reagem com alguma calma, e os políticos estão a conter-se muito». No mesmo sentido é a opinião de Jana Puglierin do Conselho Alemão para as Ralações Exteriores: «Para Merkel. o atentado de Berlim não pode ser resolvido bombardeando a Síria», defende.

O problema é que em vésperas de eleições, pode haver uma tentação acrescida dos vários partidos políticos governamentais reagirem ao crescimento, nas intenções de votos, dos xenófobos da Alternativa para a Alemanha, afirmando um conjunto de propostas políticas igualmente xenófobas. Sempre que isso acontece, dá-se na sociedade a vitória das posições racistas e em última instância está-se a contribuir para a estratégia político e militar do Estado Islâmico.