Ribeiro e Castro. “PSD e CDS estão a fazer o papel dos marretas no camarote”

Ex-líder do CDS defende que “é preciso sair do camarote e ir ao palco” e teme mau resultado nas autárquicas por falta de estratégia.

O ex-presidente do CDS José Ribeiro e Castro avisa que por este caminho a direita arrisca-se a perder as eleições autárquicas e a dar um novo fôlego à “geringonça”. Ribeiro e Castro, que deixou o parlamento em 2015, desapontado com o seu partido, compara a forma de fazer oposição do PSD e do CDS aos velhos dos marretas que assistiam ao espectáculo do camarote. 

Quando abandonou a política ativa confessou que estava desapontado com o seu campo político. Como é que foram esses últimos tempos no parlamento?

Os partidos, nomeadamente os partidos do chamado arco do poder, o falecido arco do poder, têm um funcionamento interno decadente e algumas das dificuldades que hoje atravessam são o resultado disso. Os eucaliptos secam o terreno. Dizem-me que há dificuldades em vários concelhos nas candidaturas autárquicas e, portanto, creio que isso é uma das consequências da falta de vitalidade dos partidos e das suas estruturas e da incapacidade de gerarem propostas.

E de gerarem candidatos.

Sim. Um partido só vale a pena se guardar dentro de si uma generosidade social grande e é essa generosidade social que é contagiante, porque é bem-intencionada, tem um propósito cívico e não é carreirista. Se passa a ser um exercício de carreirismo torna-se um funil cada vez mais apertado e provavelmente é isso que está a acontecer.

Deixou de se identificar com o CDS?

Não me revejo nesta forma de fazer política. Eu já vivi num CDS que tinha um funcionamento democrático. Estranho a diferença. Fiz política a seguir ao 25 de Abril com sedes cheias e grandes debates. Com grande participação e grande generosidade. Mas também me afastei porque via com preocupação o erro estratégico que a maioria de centro-direita estava a cometer. Achei que foram cometidos muitos erros estratégicos com consequências nas legislativas e nas presidenciais e isso não foi corrigido nas autárquicas. Havia demasiados jogos privativos, jogos individuais e jogos partidários. Isso foi muito claro da parte do CDS. É isso que está na origem da crise de julho (em que Paulo Portas se demite do governo) e continua depois até demasiado tarde.

O CDS era o partido de um homem só?

Era um partido muito dirigista. É aquilo a que eu chamo a “consumadocracia”, que é o vicio deste sistema. É o facto consumado. Os órgãos do partido limitam-se a pronunciar-se sobre os factos consumados. O que não é a mesma coisa do que participar na decisão e construir a decisão. Isso vai afunilando. Mas qual era o erro? Eu acreditei que devia haver listas conjuntas. Não percebi que se chamasse PàF, mas enfim…

Mas era a favor de uma coligação entre o PSD e o CDS nas legislativas

Sim, mas achava que as listas conjuntas deviam ter sido feitas logo no início de 2014. Isso devia ter sido tornado claro. Não percebo por que é que se gerou essa dúvida. Essa incerteza foi muito negativa e foi isso que me fez acreditar menos nessa solução e na capacidade de vencer as eleições. Quando se fizeram as listas conjuntas já era tarde. São feitas em cima do verão. Nós vemos agora, após as eleições, que, se calhar, as pessoas fizeram a coligação apenas como um truque oportunista para ficar à frente do PS. Eu hoje desconfio que foi feito esse erro estratégico.

O que é que o leva a pensar que foi uma espécie de truque?

Só assim é que consigo perceber que ainda hoje se insista na ideia de que vencemos as eleições no dia 4 de outubro. Não se venceu coisa nenhuma. Ficar à frente do PS não é ganhar as eleições. Ganhar as eleições é ter a maioria no parlamento. Uma AD, uma coligação de listas conjuntas do centro-direita, é um tiro de uma só bala. Ou mata ou morre. Ponto final. Foi sempre assim. A AD em 1979 foi feita por causa disso. Não há nenhum novo paradigma. Isso é um grave erro, porque enquanto não se compreender que perdemos as eleições no dia 4 de outubro vamos continuar a perder. Vitórias morais não servem. Eu recordo-me de Passos Coelho ter dito, nesse tempo de dúvida, que só valia a pena fazer uma coligação para conquistar a maioria absoluta. Certíssimo. Estava cheio de razão. Era mesmo assim. Não percebo o que é que levou a que se recuasse nessa ambição. Os líderes nunca pediram a maioria absoluta. Deu a ideia de que achavam que podiam passar sem ela. Isso foi um erro.

Sem maioria absoluta não será possível a direita governar.

Creio que qualquer cenário de governo à direita com esta composição parlamentar era completamente inverosímil. Nem percebo como é que as pessoas imaginam que fosse possível PSD e CDS governarem com uma maioria de esquerda. Em vez da geringonça teríamos um pandemónio parlamentar todas as semanas.

O Presidente da República Cavaco Silva ainda defendeu um governo liderado por Passos Coelho com o apoio do PS. Essa solução foi tentada.

Se isso fosse possível… Mas eu creio que isso era impossível. Como o contrário é impossível. Nós nunca tivemos uma solução de Bloco Central liderada pela direita. Seria impossível o PS apoiar um governo à direita quando a esquerda tinha maioria no parlamento. Era feito em picado. Mas esse atraso estratégico na concretização da coligação teve uma outra consequência. É que pela primeira vez não houve um candidato presidencial. Felizmente havia Marcelo, mas se não houvesse Marcelo a situação seria muito pior.

E essa falta de estratégia está a sentir-se na preparação das autárquicas?

Eu vejo que se fala muito contra a geringonça mas estrategicamente fazemos-lhes favores atrás de favores. Não há uma estratégia para as autárquicas e isso significa que o espaço de centro-direita poderá ter resultados críticos. Se continuarmos assim a geringonça poderá ganhar nas próximas autárquicas um novo fôlego para a outra metade da legislatura. Eu sei que as autárquicas são 308 concelhos e que cada caso é um caso, mas há obviamente leituras nacionais nas autárquicas. Obviamente que existem. Se as direções dos partidos continuam a achar que o povo não foi consultado relativamente à solução de governo que existe, então deviam aproveitar a primeira consulta para poder dar um sinal político que seja mais claro do que uma sondagem. É ir ao mapa e ver o que é que está a cor-de-rosa. A tarefa do PSD/CDS devia ser manter as câmaras que tem e conquistar outras, nomeadamente aquelas que pudessem ser mais dolorosas para o PS.

A direita está sem estratégia?

É falta de estratégia. Acho que é a continuação, infelizmente, do período que nos conduziu à derrota nas eleições de outubro. Por excesso de egoísmo partidário. Há uma falta de interpretação dos sentimentos e das prioridades do povo de centro-direita.

Tanto no PSD como no CDS?

Sim.

Assunção Cristas fez bem em avançar com uma candidatura a Lisboa? 

Acho que está a ter um desempenho interessante em Lisboa, mas essa não é a sua responsabilidade principal. Desafiar o presidente do CDS para ser candidato à Câmara de Lisboa é aquilo que eu considero que faz parte do arsenal clássico de sacanices internas. Eu também fui desafiado. Não teria feito assim. Mas Assunção Cristas está a sair-se bem. O que eu creio que seria mais importante é que o PSD e o CDS se tivessem sentado à mesa, antes de tudo começar, e marcassem como prioridade vencer as autárquicas. Aquilo que importa ao centro-direita é que o PS e o PCP tenham menos municípios. É isso que permite ao PSD e ao CDS dizer, no dia a seguir às eleições, que houve aqui um sinal. E, portanto, criar condições para que a qualidade da oposição política à governação da esquerda possa aumentar. Aquilo que constato, com grande tristeza e frustração, é que esta preocupação está completamente ausente do pensamento dos dirigentes políticos.

É favorável a uma coligação com o PSD em Lisboa?

As condições estão um bocadinho fragilizadas para que isso seja possível. Lisboa é uma câmara fundamental. O que eu acho que a presidente do CDS e o presidente do PSD deviam ter feito era definir uma estratégia global para as autárquicas com o objetivo de reduzir o número de câmaras do PS e do PCP, nomeadamente em cidades relevantes do país, e aumentar o número de câmaras do PSD e do CDS. Essa seria a estratégia que faria sentido  para o centro-direita nas circunstâncias muito difíceis em que estamos. 

Não existindo essa estratégia…

Caso contrário vai ser mais uma campanha de vazio. Também leio com preocupação que Passos Coelho irá desvalorizar as autárquicas. Não se pode desvalorizar eleições. A consequência de desvalorizar eleições é só uma, é perdê-las. Foi o que aconteceu nas europeias. Foi um resultado catastrófico. PSD e CDS tiveram 28%, é um resultado péssimo. Perdemos as europeias, as legislativas e perdemos as presidenciais por falta de comparência. Será muito mau se perdermos também as autárquicas. É triste que partidos que estiveram no governo num período tão difícil não sejam capazes de ter uma conversa séria e aberta sobre assuntos estratégicos sensíveis e que são da maior importância. Eu, como vivi a AD no tempo de Sá Carneiro, Amaro da Costa e Freitas do Amaral, faz-me um bocadinho de confusão…

Esse espírito nunca mais foi possível depois da morte de Sá Carneiro. O que se viveu logo a seguir à morte de Sá Carneiro também não foi um ambiente pacífico na coligação.

Sim, é verdade. A AD morreu em Camarate. Mas estou convicto de que se tivesse existido uma aposta clara e com mais antecedência nas listas conjuntas a dinâmica política teria sido outra. Ter-se-ia governado com mais consistência no último ano. 

O governo ficou sem programa a seguir à troika?

Havia a reforma do Estado que foi posta na gaveta ou no caixote do lixo.

Foi dos que ficou surpreendido por a aliança entre o PS e os partidos à sua esquerda ter resultado ou, pelo menos, ter conseguido assegurar um período de estabilidade política?

Esperava que corresse bem, mas acho que tem sido acima das expectativas. A capacidade de negociação do PS e do PCP e Bloco de Esquerda, do ponto de vista político, impressiona. O PCP e o BE mantêm uma capacidade grande de influenciar políticas. Têm uma influência ideológica muito visível no Ministério da Educação. Para mim é dos piores ministérios deste governo e é o mais ideológico Ministério da Educação que me recordo de ter visto desde o 25 de abril. Talvez algum do PREC, do tempo Vasco Gonçalves. A bandeira da liberdade de ensino praticamente foi abandonada. Do ponto de vista da gestão económica a situação é crítica. As taxas de crescimento são baixas, mas tem havido alguma infelicidade da oposição na comunicação. Esta coisa do Diabo dá a ideia de que desejam mal ao país. Isso cai mal.  

Passos Coelho ainda pode voltar a ser primeiro-ministro?

Todos os líderes precisam de ser ajudados. Passos Coelho interpretou uma necessidade muito importante do país e o problema de fundo continua por resolver. Este governo, do ponto de vista financeiro e orçamental, tem sido melhor do que se antecipava e tem sido melhor do que eu próprio pensava. Tem sido melhor do que as previsões muito negras que foram feitas, mas há sinais de que estão a esticar muito. Nós só conseguiremos resolver o nosso problema com crescimento económico e com uma reforma do Estado. A redução do peso do Estado ajuda ao crescimento económico. Acho que Passos Coelho precisa de ser ajudado e acho que não está a ser ajudado.

Internamente?

Internamente, sim. A forma como comunica é errada, mas a mensagem é necessária. Nós não podemos ter a ideia de que o país tem recursos abundantes. O país tem recursos escassos. Creio que Pedro Passos Coelho tem quanto a esta questão o pensamento certo. Foram piores os líderes que nos arrastaram no ciclo da facilidade. Os que nos conduziram ao buraco foram os que endividaram o país. Mas era importante que o PSD e o CDS mostrassem mais músculo e aproveitassem as eleições autárquicas. O PS só muda se tiver razões para mudar.

A direita devia forçar essa mudança e tentar trazer o PS mais para o centro?

O PS só mudará outra vez para o centro se os factos lhe explicarem que esta política de alianças com os partidos à sua esquerda lhe é prejudicial. Não estamos a assistir a isso. Também pode acontecer que, a partir de certa altura, o preço a pagar ao Bloco de Esquerda e ao PCP se torne insuportavelmente elevado, incluindo para o PS. Pode haver um momento em que o PS percebe que o preço, do ponto de vista doutrinário, é demasiado elevado. Não é isso que se está a passar. Por enquanto o PS está encantado com esta solução. E creio que o Presidente da República também.

O Presidente tem ajudado este governo em alguns momentos. A direita tem razão para estar incomodada?

Não. O Presidente da República, não sei se gostaria de outra solução à direita, mas manifestamente não tem que ajudar a direita. Ele próprio não tem alternativa. O PSD e o CDS não lhe dão grande alternativa. Estão a fazer o seu papel que é um bocadinho o papel dos marretas no camarote do “The Muppet Show”. Fazem esse papel de maledicência, mas não há ali uma grande capacidade política. Não podemos pedir ao Presidente da República que faça aquilo que só o PSD e o CDS podem fazer. Creio que o Presidente da República tem desempenhado bem a sua função. 

Com níveis de popularidade muito altos. 

É um case study a nível nacional. Sou um seguidor atento dos fenómenos políticos e nunca vi uma coisa assim. Obviamente que partiu com uma grande embalagem como comentador televisivo, mas o sucesso também está relacionado com a sua personalidade. Uma personalidade única e empática.

O que é que o leva a comparar a oposição aos velhos dos marretas que assistem ao espetáculo dos camarotes?

Esta imagem dos marretas quer dizer que é preciso sair do camarote e ir ao palco. Faz parte da oposição dizer mal e criticar, mas é preciso construir, e construir, por vezes, é construir socialmente e gerar movimentos sociais. 

A direita, ou uma parte dela, também tem sofrido várias derrotas nos chamados temas fracturantes. Desde a adopção de crianças por casais do mesmo sexo às chamadas barrigas de aluguer.  

Há uma grande fraqueza do PSD nessa matéria e o CDS foi atrás. O CDS tem ido atrás dessa onda. O CDS tem tido uma posição que é votar de acordo com aquele que pensa que é o pensamento do seu eleitorado, mas não diz uma palavra sobre o assunto. Isso é de uma enorme fragilidade porque esta questão merece ser discutida e não silenciada e o que temos visto da parte do CDS e do PSD é um silêncio quase total. Há de facto aqui uma agenda que foi abandonada. Os temas da família e da vida são uma agenda muito importante de um partido personalista.

O parlamento deverá debater a eutanásia ainda nesta legislatura. Ficaria surpreendido se a morte assistida fosse despenalizada? 

Surpreendido não ficaria. Com tudo o que se tem passado em Portugal não ficaria surpreendido. Acho que, do ponto e vista político e social, o combate a essa campanha não tem sido feito de forma consistente. Podemos chegar a uma situação que é uma verdadeira palhaçada, porque a nossa Constituição tem uma formulação particularmente vibrante sobre o direito à vida. Diz assim: “A vida humana é inviolável”. Podia dizer outras coisas, mas diz que a vida humana é inviolável. Considero uma palhaçada poder viver num país que tem uma Constituição que diz que a vida humana é inviolável e em que a eutanásia venha a ser livre em determinadas circunstâncias. Eu creio que a lei está certa. A lei proíbe e penaliza a eutanásia. Se eu legalizo a eutanásia coloco cada pessoa que é débil numa situação de risco enorme.  

Foi líder do CDS entre 2005 e 2007, quando Paulo Portas se demitiu. Teve pena de não ter liderado o CDS durante mais tempo e em condições diferentes?

Tive pena de não ter podido construir a minha equipa e ir a eleições. Eu não queria ser presidente do CDS. Não estraguei a vida a ninguém para ser presidente do CDS. Pus-me à disposição do partido numa determinada circunstância porque quem era presidente quis ir embora contra a opinião dominante, incluindo a minha. Foi nesse vazio que fui para presidente do CDS. O que foi um erro, foi uma ingenuidade da minha parte. Achei que o partido era uma equipa e que era possível de uma forma civilizada e correta fazer uma construção política. Foi uma ingenuidade da minha parte.

Sentiu-se traído?

Não, não é isso. Senti que o partido era bastante diferente daquele em que eu tinha começado. O tipo de debate político interno era bastante diferente, tinha-se tornado entrincheirado e tribal. 

Tinha um grupo parlamentar que era próximo de Paulo Portas e que lhe era hostil.

Exatamente. Foi o único erro sério que cometi. Foi não ter percebido logo que isso iria acontecer. 

Sentiu sempre a sombra de Paulo Portas durante o tempo em que liderou o partido?

Houve uma frase muito engraçada, que eu disse nessa altura, que deu um sarilho enorme. Disse-a por graça e de uma forma não intencional e só depois é que me dei conta de que, com essa frase, traduzia a realidade do problema. Foi na posse de Cavaco Silva como Presidente da República. Eu não era do grupo parlamentar e sentava-me naqueles lugares à frente da tribuna. Ficava de costas para o meu grupo parlamentar. E às tantas começam as palmas ao Presidente e eu aplaudi. Eu levantei-me e aplaudi, mas pelos vistos a bancada do CDS não aplaudiu. E à saída a Maria Flor Pedroso [jornalista] pergunta-me: “O senhor aplaudiu, mas a bancada não aplaudiu. Porquê?”. Eu desvalorizei, mas os jornalistas insistiram com o argumento de que eu era presidente do partido. E saiu-me esta: “Sou presidente do partido, mas não sou chefe de banda”. Uma expressão que não era desprimorosa para o grupo parlamentar. Isso acabou por dar um congresso extraordinário e essa frase na sua espontaneidade traduzia o meu problema. Eu era o presidente do partido, mas não era o chefe de banda. O dr. Paulo Portas era o chefe de banda. Esse era o problema político que eu tinha para gerir. O grupo parlamentar tinha o seu próprio maestro. 

Foi director de informação da TVI quando a estação estava ligada à Igreja Católica. Como é que foi essa experiência? 

Foi uma experiência muito interessante. Fui director de informação durante um ano e meio. Gostei imenso. Foi uma fase muita intensa de criatividade. Era uma equipa muito nova com jornalistas muito talentosos. Quanto à TVI, falhou naquele modelo, mas podia ter tido sucesso. Acabou por mudar e seguiu outro caminho que a consolidou como uma grande estação de televisão.