Oceano: “Já estivemos para ir embora do Irão por duas ou três vezes”

O antigo capitão do Sporting e da selecção nacional trabalha com Carlos Queiroz rumo ao Mundial-2018

Oceano está em Lisboa (talvez, neste momento, já tenha abalado para a Madeira da sua paixão) gozando as curtas férias de um trabalho que se desenrola, lá longe, no Irão, lado a lado com Carlos Queiroz na selecção do país. Grande capitão do Sporting e da selecção nacional, prepara agora uma carreira como treinador que, segundo ele, muito dificilmente passará por Portugal. Sempre tranquilo, quase se diria pacífico, Oceano é um bom conversador e uma boa companhia. A sua experiência como jogador serve-lhe agora para aguentar as quezílias de uma função num país sujeito a muitas limitações. Que se reflectem obviamente no futebol.  Ele explica porquê.

O Irão é, obrigatoriamente, um país diferente de futebol diferente. Diz-me como estão a correr as coisas por lá…

Por agora bem, mesmo muito bem. Em termos de resultados, somos primeiros do grupo de qualificação para o Mundial da Rússia, com mais um ponto do que a Coreia do Sul e dois sobre o Uzebequistão. Estamos com o caminho em aberto e já não sofremos golos há uns dez jogos. Tudo dentro do que queríamos e do que planeámos. Portanto…

E Irão a que propósito? Porquê? 

A oportunidade surgiu antes do Mundial de 2014, no Brasil. O professor Carlos Queiroz perguntou-me se eu estaria disponível para o ajudar na selecção do Irão e eu respondi afirmativamente. Tinha saído do Sporting, foi simples: aproveitei. Depois, quis que eu o acompanhasse nesta qualificação para 2018. Cá estou. Satisfeito. E com muito para fazer, como podes calcular.

Sentes que a vida que levas aí é muito diferente daquela a que estavas habituado?

Diria que não é tão complicado quanto as pessoas pensam. Claro que não existe a mesma liberdade que se encontra no centro da Europa. Mas, sinceramente, nós os homens não nos podemos queixar muito. Sinto que é diferente em relação às mulheres, que estão mais condicionadas em diversas matérias. Quanto a mim, sinto-me confortável e gosto da vida que levo lá. Não há razões para não gostar. 

Fazes tenções de ainda ficar por muito tempo no Irão?

Para já está definido o prazo do Mundial. Depois logo se verá. De qualquer forma ainda falta o mais importante: apurarmo-nos. Não vale a pena pensar muito para além disso.

Fala-me das condições de trabalho que foram encontrar?

Em relação às selecções que lutam connosco pela qualificação, são certamente piores.

Como assim?

Olha, as pessoas podem não ter essa sensação, mas falta dinheiro no Irão. É preciso não esquecer as sanções económicas a que o país está sujeito. Isso retira-nos muita qualidade de trabalho. A selecção não tem um campo próprio para se treinar. Temos de andar de um lado para o outro. E mais: há falta de campos relvados. Um problema que não conseguimos resolver. E estou certo que não iremos resolver até irmos embora.

Mas passa a ideia de que é uma das selecções mais poderosas do continente? 

Em termos de qualidade desportiva, sim. Mas estamos muito longe das condições de trabalho que existem em países que lutam pelos mesmos objectivos, como são os casos da China ou do Catar. A verdade é que, em termos individuais, se nota muita qualidade. Mas essa qualidade precisa de ser acarinhada e desenvolvida. E isso só se consegue com meios para o podermos fazer.

Já tiveste, sobretudo como jogador, experiências no estrangeiro: sentes que têm sido importantes?

Sim, sim. Sinto-me mais completo, tanto como profissional como como ser humano. Tenho tido a oportunidade de conhecer jogadores diferentes com mentalidades diferentes. Tem de ser esse o espírito, de cada vez que saímos de Portugal. A procura de um enrequecimento. Ando a preparar-me para a minha carreira como treinador e todos estes momentos são da máxima importância. Procuro aproveitá-los o melhor possível. É uma aprendizagem diária.

Falaste da qualidade dos jogadores iranianos. É visível?

É sobretudo visível a forma apaixonada como se dedicam à sua selecção. Uma paixão enorme, um compromisso impressionante. Dão sempre mais do que aquilo que estamos à espera. Diria que se encontram a 200% de cada vez que são seleccionados. Uma demonstração de orgulho em todos os momentos, em cada exigência que lhes é feita. Não é fácil encontrar, seja onde for, um orgulho assim. 

Como é o teu dia a dia no Irão? 

Basicamente é casa-trabalho-casa. Não me resta muito mais para fazer. O tempo é muito apertado e o trânsito é impossível. Estamos a falar de um país de cerca de 90 milhões de habitantes e de uma cidade, Teerão, como mais de 15 milhões de pessoas. Claro que, tento aproveitar os momentos de folga. Já lá tive as minhas filhas comigo, o que foi óptimo. O Irão é fascinante. Uma cultura com milhares de anos. Falamos da antiga Pérsia. É fundamental visitar Persépolis ou Xiraz. E sobra tanto e tanto para ver. Procuro ver o que posso dentro do pouco tempo que tenho. E ainda há imenso, imenso para ver.

Como está a correr a tua parceria com o Carlos Queiroz?

Nunca é fácil trabalhar com o professor Queiroz porque ele é de uma exigência absoluta. No que respeita a trabalho, obriga-nos a estar atentos a todo o momento. Claro que me dá liberdade para muitas coisas. Sou o responsável por dois treinadores iranianos, por um prepador físico finlandês, por um outro argentino. Todos eles têm sido impecáveis e dá gosto trabalhar com gente que é empreendedora e que tem prazer no que faz. Nesse aspecto só tenho de estar satisfeito. 

No entanto têm chegado cá ecos de conflitos. Por mais de uma vez foi noticiada a vossa saída do Irão…

Temos tido apoio nalguns casos, mas vivemos, de facto, numa espécie de conflito permanente. O Ministro dos Desportos não nos ajuda como devia. Já por duas ou três vezes estivemos para abandonar o projecto e vir embora de lá. Vivemos nesta guerra de precisarmos de relvados para treinar e não termos. Nem toda a gente está do nosso lado, mas os resultados vão sendo bons. Se tivéssemos um apoio inequívoco e total, estou convencido de que colocaríamos o Irão no topo do futebol asiático e num bom lugar do futebol internacional. Mas vamos fazendo oque podemos. Conseguir uma segunda classificação consecutiva para uma fase final de um Campeonato do Mundo seria fantástico. Estamos perto, mas ainda falta ultrapassar algumas etapas.

Segues com atenção o campeonato português ou não ligas muito?

Ligo, claro! Tenho televisão por satélite e vejo os jogos que posso. No entanto, muitas vezes não consigo. Pela diferença de horários, por estar em estágios, etc..

Tens como objectivo uma carreira de treinador em Portugal? 

Para já o meu grande objectivo é ajudar o professor Carlos Queiroz a qualificar-se pela quarta vez para uma fase final de um Mundial. Estou muito focado nisso e não estou a fazer projectos para mais nada.

Sim, mas mais tarde ou mais cedo vais lançar-te numa carreira como treinador princiapal, não é?

Claro que trabalho para isso também, mas confesso que vejo o futuro muito negro no futebol português. Para os treinadores, quero dizer. Talvez no dia em que me dedicar a uma carreira a solo seja melhor trabalhar no futebol português. O que vejo hoje em dia é uma falta de paciência muito grande para esperar por resultados do trabalho. A quantidade de treinadores despedidos é enorme e, muitas vezes, nem se percebem as razões para os despedimentos. Qualquer resultado negativo põe em causa projectos estruturados que deveriam ter força para se imporem. Não vejo como possa ter lugar num mundo assim, mas talvez tenha possibilidade de mais experiências no estrangeiro. Olha, fiquei muito chocado com o despedimento do José Peseiro do Braga. Considero-o um excelente treinador e só por causa de uma derrota com o Chaves foi obrigado a sair. Tenho pena porque gosto dele e do seu trabalho.