O Jesus Cristo português elogia Pedro Passos Coelho

Ser Ministro das Finanças da geringonça é uma missão muito mais facilitada do que exercer a mesma função noutros tempos, noutros contextos e sobretudo em outros Governos, apoiados por outras forças políticas

1.Ser Ministro das Finanças da geringonça é uma missão muito mais facilitada do que exercer a mesma função noutros tempos, noutros contextos e sobretudo em outros Governos, apoiados por outras forças políticas. De facto, nesses outros casos, a opinião pública era atenta e crítica, quase irascível para com as medidas dos sucessivos Ministros das Finanças – e os jornalistas eram implacáveis nas questões, nas réplicas às respostas, nos vários artigos de opinião e editoriais.

2.Sucede, porém, que Mário Centeno, nas poucas entrevistas a que acede dar, é tratado como uma verdadeira dondoca, como uma verdadeira Rainha de Inglaterra, a quem fazer perguntas é quase uma ofensa nacional. Parece que os entrevistadores sentem a necessidade de proteger o Ministro das Finanças.

 O que é curioso: Mário Centeno é o Ministro das Finanças com menor peso político no interior do Governo desde há décadas na história da nossa democracia constitucional – e, ainda assim, é o que é mais temido pelos jornalistas que têm o privilégio de o entrevistar.

3.A entrevista de Mário Centeno ao “DN”, publicada ontem, é apenas a confirmação de uma tendência geral: enquanto se criou a ideia de que Vítor Gaspar ou Maria Luís Albuquerque, como Ernâni Lopes no passado ou Manuela Ferreira Leite, eram demónios e verdadeiros “terroristas sociais” – agora pretende-se criar a ideia de que Mário Centeno é um anjinho, um benfeitor, uma alma que, apesar de ser Ministro das Finanças, é uma pessoa de “afectos” e de genuínas preocupações sociais.

4.Mário Centeno é uma espécie de Jesus Cristo português, que na interpretação histórica de Fernando Pessoa, não sabia nada de finanças, nem consta que tivesse biblioteca : pois bem, Mário Centeno também parece saber pouco de finanças públicas (não é a sua especialidade académica, nem a sua “praia” na prática) e ainda menos de política; contudo, é um bom samaritano e preocupa-se com os funcionários públicos e com os sindicatos.

4.1.Ah, e é amigo de António Costa – o  que para a nossa imprensa do politicamente correcto basta para se tornar no novo Messias lusitano. Nós, como cristãos e católicos, sabemos que não se deve invocar o nome de Deus e de Jesus Cristo em vão, sob pena de cometermos um pecado: julgamos, no entanto, que temos absolvição garantida.

É que até Deus, Nosso Senhor, sabe que, em Portugal, Ele próprio é mais criticado do que Mário Centeno – os jornalistas são muito mais implacáveis até quando tratam de Deus e do seu filho, Jesus Cristo, do que quando têm o desplante (vejam só: que injúria enfrentarem o Senhor Ministro!) de fazer perguntas ao Ministro das Finanças.

Com o bom samaritano da geringonça, o famigerado défice (aquele para além do qual há vida, não é PS?) transformou-se no deficit. O deficit, na boca de Mário Centeno, parece logo uma coisa bem mais simpática do que o “défice” de outrora e de outros.

5.Posto isto, pergunta-se: por que deu Mário Centeno a inusitada entrevista de ontem ao “DN”? Fácil: para reagir e conter o efeito político-mediático das declarações de António Domingues que fere de morte a credibilidade do Ministro e do Primeiro-Ministro. Basicamente, António Domingues afirmou que os dois políticos são mentirosos compulsivos e que as suas palavras valem zero: são pessoas em quem não se pode confiar. Portanto, o tema das trapalhadas na Caixa Geral de Depósitos e o “sms” constituíam a actualidade com que os entrevistadores teriam necessariamente de confrontar Mário Centeno.

 Nada disso: a questão do “sms” (que simboliza a mentira, o engano, o dolo do Ministro Centeno e, portanto, com evidente significado político) foi deixada para último lugar, com o jornalista Paulo Baldaia quase a pedir desculpa ao Minsitro pela “provocação final”. Desculpe? Então o director de um principais jornais portugueses, com uma história ímpar como tem o “DN”, pede desculpa a um Ministro por fazer uma pergunta essencial?

Mas não é a função de um jornalista – ainda para mais um jornalista tão experiente – fazer perguntas, ainda que incómodas para os políticos? Então qual é a função de uma entrevista: limitar-se a dar oportunidade aos políticos para intensificarem a sua propaganda?

6.Dito isto, duas notas se impõem:

1)Mário Centeno praticamente revelou que o Governo vai recusar vender o NOVO BANCO ao fundo norte-americano LoneStar. Porquê? Porque Mário Centeno fez questão de frisar que o processo pode prolongar-se para além do expectável, que é contraproducente fixar prazos rígidos, que o melhor é conservar uma margem de flexibilidade para apreciar todos os cenários, incluindo a liquidação do Banco. Para bom entender, meia palavra basta: Mário Centeno, articulado com António Costa, não quer vender à LoneStar;

2) Mário Centeno fez um elogio rasgado ao Governo de Pedro Passos Coelho. Primeiro, quando refere que a União Europeia deve reconhecer que é um caso de sucesso ímpar no processo de consolidação orçamental – ora, tal sucesso não se deve certamente à geringonça que governa há pouco mais de um ano, depois de a casa já estar mais sólida e sem abanar tanto. Em segundo lugar, quando enaltece a medida do Governo de reembolsar antecipadamente o FMI duas vezes, a juros mais favoráveis, o que permite uma gestão mais inteligente e eficiente da dívida. Pois bem, essa estratégia foi definida por Maria Luís Albuquerque, em 2015, merecendo então duríssimas críticas (e insultos) do PS, designadamente do inenarrável João Galamba. Será que Mário Centeno vai ensinar Galamba acerca de como se gere a dívida pública, invocando a sua Mestre Maria Luís Albuquerque? A humildade, como disse ontem o Presidente Marcelo, nunca fez mal a ninguém…

 

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