‘Saia daqui’

As alergias de Soares às forças policiais ficaram célebres nas suas presidências abertas.

Um dos episódios a que todos pudemos assistir pela televisão foi o de Soares a pedir ao GNR que fazia a escolta do autocarro presidencial para os largar e ir à sua vida. Na altura, as forças militares e os comandos da PSP não ficaram muito contentes com essa reprimenda ao motard da Guarda.

O lado bonacheirão de Soares é uma das suas imagens de marca e tanto gosta de brincar com coisas sérias como se irrita profundamente com coisas sem importância. Diz-se dele que nunca teve paciência para ler dossiês e que os números também não são o seu forte. Voltando às polícias e ao seu lado de bonacheirão, outro caso que ficou famoso foi o da sua visita ao Casal Ventoso em que determinou que não queria polícias à volta. Sendo o bairro na altura o maior centro comercial de heroína do país, onde morria quase um toxicodependente por dia de overdose, a Polícia encarregue da segurança do Presidente optou por trocar os ‘agarrados’ que se injetavam à berma da estrada por agentes à civil. Soares cumprimentou dessa forma vários polícias a pensar que estava a saudar toxicodependentes.

Que Soares lutou pela liberdade como poucos, é verdade. O país deve-lhe a luta que travou antes do 25 de Abril, mas mais do que isso, deve-lhe a liberdade que respiramos, pois não tivesse ele enfrentado o PCP em julho de 1975 e poderíamos ser um país bem mais atrasado, a recuperar dos anos de sovietização que nos teria sido imposto. Isto para não falar de uma eventual guerra civil que poderíamos ter vivido. Por isso lhe devemos tanto. E podemos ainda somar à nossa dívida a entrada na União Europeia e de ter chamado o FMI para afastar o país da bancarrota em 1978 e 1983.

Soares, no entanto, não é só isso. Também é o homem que permitiu as trapalhadas de Macau, em que muitos amigos se viram envolvidos com a Justiça; que teve amizades suspeitas; que pactuou com o pior da política e que ficou ligado a um dos períodos mais negros da história recente de Setúbal, onde a fome chegou a muitos setubalense enquanto foi primeiro-ministro. Mas Soares é fixe.