Francisco Canas. O homem da lavandaria dos ricos

Condenado em 2016 a três anos de prisão no caso Homeland, Canas era peça-chave no processo Monte Branco e na Operação Marquês. Morreu na quarta-feira aos 75 anos

Rua do Ouro, n.º 135. Durante anos, a casa de troféus e medalhas Montenegro & Chaves era, à vista desarmada, apenas um dos negócios que ia sobrevivendo ao tempo na baixa de Lisboa. De portas abertas desde 1913, com letreiro gasto, nada faria suspeitar que assim não fosse. A partir de 2011, tudo muda para Francisco Canas, apanhado nas malhas da justiça na investigação da operação Monte Branco. “Zé das Medalhas”, como era conhecido, morreu na quarta-feira aos 75 anos. Estava internado no Hospital da Cruz Vermelha.

A sua participação num esquema de branqueamento de capitais, que terá durado vários anos e cuja finalidade era fazer chegar a Portugal capital pirata que os clientes, para escapar ao fisco, tinham colocado na Suíça – pagando ao antigo cambista uma taxa de 1% por todas as transações – acabou por cruzar diferentes processos.

Francisco Canas foi a chave da operação Monte Branco, a maior rede de branqueamento de capitais e fuga ao fisco a atuar em Portugal e foi depois arguido no caso Homeland. Neste processo, que desmontou o negócio do fundo imobiliário com créditos do BPN montado por Duarte Lima, acabaria por ser condenado no ano passado, pelo Tribunal da Relação, a uma pena de prisão efetiva de três anos.

Mas o envolvimento do homem, que subiu a pulso e se passeava num Porsche, nos negócios de Duarte Lima não terá ficado por aqui.

A partir desta investigação e depois de uma carta rogatória expedida pela justiça brasileira já a investigar o assassinato de Rosalina Ribeiro, a secretária de Lúcio Feteira morta em 2009, o MP começa a investigar os 5 milhões de euros transferidos pela mulher para o seu advogado, dinheiro que o ex-deputado do PSD disse tratar-se de honorários apesar de não ter prestado contas ao fisco. Aqui entra mais uma vez Canas: parte deste valor, vindo de uma conta de Rosalina Ribeiro na Suíça, é colocado por ele no país. Capital que Duarte Lima investiu de imediato numa casa, e no seu recheio, na Quinta do Lago.

Canas estava em todas e não escapa à investigação da operação Marquês, da qual é esperado um desfecho até março. José Paulo Pinto de Sousa, primo de Sócrates, era um dos clientes da casa de medalhas. Segundo noticiou o “SOL” em 2014, o familiar do ex-primeiro-ministro recorria a Aurélio Alves, funcionário da Coutada – uma empresa do pai, de venda de armas, com loja aberta ao público na Praça da Figueira – para ir buscar dinheiro à loja de Francisco Canas. Valores que a justiça suspeita serem luvas de alguns negócios sob investigação na operação Marquês e que passaram para Santos Silva, testa de ferro de Sócrates, e Armando Vara.

Anos sem pagar impostos

Quando começou a ser investigado, não pagava impostos desde 1989 e dizia ganhar menos de mil euros por ano. Mas só em oito anos levantou, de uma das suas contas, um total de mais de cem milhões de euros que entregou aos seus clientes em numerário, cobrando uma comissão de 1%. A justiça sustentou que o esquema, que tinha como pivô na Suíça Michel Canals, remontava pelo menos ao ano 2000.

Bastava dar indicações a ‘Medalhas’ e este depositava os cheques ou ia levantar o dinheiro previamente transferido pelos clientes para as suas contas no estrangeiro. Entregava-o em mão, em sacos com notas. Até Novembro de 2011, Francisco Canas terá levantado em numerário quantias que somam cerca de 107 milhões de euros.

Foi talvez o homem com a maior rede de contactos ao nível do grande capital do país. Veio do zero mas transformou a antiga casa de câmbio numa fachada para lavar no estrangeiro milhões de euros, sem dar cavaco ao fisco.

Com a sua morte, os processos contra ele são extintos, estando ainda em curso o Monte Branco, onde é arguido, e o processo principal do BPN.