Mudar de sexo aos 16 é ‘inadequado’

O Conselho Nacional de Ética está contra a mudança de sexo a partir dos 16 anos. O Governo prepara-se para apresentar proposta de lei. Jorge Santos, membro do CNECV, fala em “debilidade” da iniciativa. 

Ainda não há data definida, mas espera-se que, ainda durante este mês, o governo siga em frente com a intenção de alterar as condições para a mudança de sexo em Portugal. Está a ser preparada uma proposta de alteração à lei da Identidade de Género, que prevê uma redução da idade legal para se poder alterar o sexo e o nome no registo civil. Dos atuais 18 anos como idade mínima, o diploma prevê que esse passo possa ser dado a partir dos 16.

Além disso, está previsto que a proposta elimine a obrigatoriedade de apresentar um relatório de diagnóstico de saúde mental para a alteração do registo. A iniciativa do governo parece ir ao encontro de um projeto-lei apresentado pelo Bloco de Esquerda, que defende que a transexualidade deixe de ser considerada uma questão de saúde mental, determinando também os 16 anos como idade mínima para a mudança legal de identidade.

Catarina Marcelino, secretária de Estado da Igualdade, confirmou ao SOL as intenções do governo. Para a governante, este é «um passo em frente» numa lei que já era «muito avançada».

Marcelino refere que, desde 2011, ano da implementação da lei da Identidade de Género, muito se evoluiu internacionalmente nas regras. «Portugal tem que acompanhar essa progressão». É nesse sentido que propõe pôr um fim à necessidade de apresentação de um atestado médico na hora de mudar a identidade de género, um processo que «apenas servia de entrave».

Já quanto à alteração da idade mínima para a mudança de género, Marcelino responde com uma comparação a quem vê na proposta um passo demasiado arrojado. «Se aos 16 se pode casar, não faz sentido que não se possa alterar a identidade, até porque nessa idade é algo já bastante consolidado».

Este é, no entanto, um argumento que não convence o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV).

No relatório que estão a desenvolver para ser votado na próxima reunião, dia 16 de Janeiro, e que servirá de suporte ao parecer final da entidade, a alteração à lei não reúne elogios. «É inadequada e mostra sérias debilidades», resume Jorge Santos, conselheiro do CNECV. Para o responsável, os menores de idade «não têm capacidade de decisão para algo que pode conduzir a tratamentos e procedimentos cirúrgicos com consequências irreversíveis».

Prós e Contras

Depois de ser apresentada, a proposta de alteração à lei será alvo de um debate que terá como intervenientes, além dos ministérios com responsabilidades nesta matéria, a associação ILGA – Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero, para quem a redução da idade para a alteração do sexo faz todo o sentido. «Temos vindo a defender a importância de garantir às pessoas a autonomia para decidir qual a sua identidade legal», explica ao SOL Nuno Pinto.

O presidente da associação justifica a sua posição com os relatos que lhe têm chegado de menores que vivem já com uma nova identidade – e que até já iniciaram os tratamentos para a mudança física –, mas que na escola, por exemplo, enfrentam dificuldades por não terem os documentos de acordo com a sua identidade. «Quem quer mudar de sexo sabe-o desde muito cedo, por isso faz sentido que o possa fazer o quanto antes», continua.

Na mesma direção segue a opinião de João Décio Ferreira, que até 2011 era o único cirurgião no Serviço Nacional de Saúde a realizar mudanças de sexo. A experiência diz-lhe que «há indivíduos de 16 anos, e até menos, perfeitamente capazes de tomar essa decisão». Até porque – e recorrendo novamente ao exemplo dado por Catarina Marcelino – «se é possível casar aos 16, seria esquisito não poder assumir uma identidade», refere.

Já quanto à dispensa de um atestado médico na hora da alteração legal, a opinião do médico não é favorável, recorrendo à ironia para explicar a sua posição. «Vai ser divertidíssimo», garante, «qualquer indivíduo com problemas mentais como a esquizofrenia, por exemplo, pode chegar à conservatória e mudar de sexo e no dia seguinte mudar outra vez».

Também o Conselho Nacional de Ética considera que esta alteração fragiliza a proposta final. «Ignora por completo a existência de pessoas que, por razões diversas, nomeadamente por doença mental, tenham delírios de transformismo corporal», considera Jorge Santos, alertando assim para «uma possível confusão» entre casos de doentes mentais e aqueles que querem realmente mudar de identidade.