Barack Obama quer ser o líder da oposição ao Presidente Donald Trump

1.Barack Obama fez, na última madrugada, o seu último discurso como Presidente dos Estados Unidos da América. Com uma encenação de elevado nível, Barack Obama proporcionou-nos mais um grande momento televisivo. Não há dúvidas: Barack Obama é um orador nato, ao nível dos políticos mais marcantes da nossa história. 2.O Presidente que agora cessa funções…

1.Barack Obama fez, na última madrugada, o seu último discurso como Presidente dos Estados Unidos da América. Com uma encenação de elevado nível, Barack Obama proporcionou-nos mais um grande momento televisivo. Não há dúvidas: Barack Obama é um orador nato, ao nível dos políticos mais marcantes da nossa história.

2.O Presidente que agora cessa funções emociona, convence, sabe equilibrar a razão com a paixão: mesmo quando sabemos que Obama está errado racionalmente, é extremamente complexo não lhe dar, pelo menos, emocionalmente o benefício da dúvida. A retórica, a força da linguagem, o discurso minuciosamente preparado e melhor executado – eis o legado que Barack Obama deixará mais perenemente.

3.De resto, o discurso de Barack Obama centrou-se em três ideias fundamentais:

1)Invocação da tradição constitucional dos EUA e o papel do Povo americano na sua concretização. O ainda Presidente dos EUA afirmou que a Constituição sem a vontade resiliente e persistente do Povo é apenas um documento de papel – é o Povo que organizado em grupos de acção, em movimentos cívicos, através do exercício dos seus direitos e liberdades políticas, que executa, em cada momento histórico, os preceitos constitucionais. Há direitos que são auto-evidentes (self-evident); mas não são auto-exequíveis (self-executing). 

Ora, esta afirmação não é apenas uma declaração teórica para citação futura em manuais de Ciência Política: antes, é uma verdadeira declaração política. Barack Obama, por um lado, instiga à “luta” contra uma agenda política diferente da nova Administração; por outro lado, marca a sua posição relativamente a uma das questões fundamentais que Trump resolverá em breve – a nomeação do juiz que irá ocupar o lugar de Antonin Scalia no Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América. Barack Obama assume, desde já, a sua oposição face ´à nomeação de um juiz originalista (ou seja, em termos simplificados e não rigorosos) conservador –apelando a uma interpretação progressivista, “popularista”, da Constituição dos EUA;

2)Barack Obama pretendeu, ontem, reportar aos americanos o “estado da Nação” que deixa ao Presidente Trump. Obama demonstra que a economia cresceu (e muito) em comparação com os anos da Administração Bush, o desemprego atingiu valores mínimos, a questão racial está melhor. No entanto, o Presidente Obama ressalvou que há uma divisão clara entre a América urbana e a América rural: os primeiros melhoraram; os segundos pioraram, ou pelo menos, continuam numa posição delicada. E que não há soluções fáceis para solucionar esta divisão.

 Isto é: Barack Obama pretendeu transmitir a ideia de que seria impossível fazer melhor do que o que fez durante os últimos anos. À atenção de Donald Trump: Barack Obama, depois de umas curtas férias, estará sempre a comparar os resultados que obteve e deixou – com aqueles que o President Trump for obtendo;

3) Pois bem, a principal mensagem da comunicação de ontem é, sem dúvida, a seguinte: Barack Obama quer assumir-se como o rosto da oposição à Adminsitração Trump. O próprio Barack Obama fez questão de referir que estará do lado dos cidadãos, daqueles que sonham, enfim, vai andar por ali. Pela primeira vez na história constitucional dos EUA, o Presidente que cessa funções vai assumir a responsabilidade de se assumir como o líder da oposição ao Presidente que lhe sucedeu. Tem sido uma tradição constante que o Presidente que cessa funções se resguarda, abstendo-se de assumir posições políticas contra a nova Administração – não será o caso de Barack Obama.

O que significa que o sistema político americano enfrenta, de facto, um momento de transformação – desde a Administração, passando pelo Congresso, chegando à oposição, incluindo o estatuto do Presidente anterior. E atenção: não é de excluir que Barack Obama, numa situação excepcional e de falta de alternativa dentro do Partido Democrata, possa equacionar em candidatar-se novamente à Casa Branca. O texto da 22.ª emenda constitucional não é claro, entendendo-se, no entanto, que o limite de dois anos só se aplica a “mandatos consecutivos”, atendendo ao texto, à estrutura e à histórica desta alteração à Constituição Federal dos EUA.

4.Uma conclusão é certa: o que irá Barack Obama fazer depois do dia 20 de Janeiro? O mesmo: política. Será um político no activo…voltando à oposição. Teremos, pois, um Presidente em exercício de funções – e um Presidente líder da oposição. Que ambos saibam estar à responsabilidade do legado histórico e da grandeza dos Estados Unidos da América.