CGD. Tribunal abre caixa de Pandora

Caixa, Banco de Portugal e CMVM ficam obrigados a disponibilizar informações sobre créditos e auditorias. Apenas a correspondência trocada entre entidades portuguesas com instituições europeias fica de fora

O Tribunal da Relação decidiu dispensar o dever de sigilo bancário da Caixa Geral de Depósitos (CGD), Banco de Portugal e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), obrigando a disponibilizar a informação pedida pelos deputados no âmbito do processo de recapitalização do banco. Este pedido de entrega de documentação tinha sido feito pela comissão parlamentar de inquérito à Recapitalização da CGD e à gestão do banco.

“A relevância das informações/documentos requisitados (..) impõe a prevalência do dever de cooperação destas entidades em detrimento do dever de sigilo a que se acham adstritas, ocorrendo fundamento para que se determine o levantamento do segredo invocado cujo âmbito se confina à documentação/informação estritamente necessária à averiguação em causa”, considera o Tribunal.

Esta decisão acaba por abrir a caixa de Pandora do banco público, uma vez que, até aqui, grande parte da informação não era disponibilizada pela instituição financeira e também pelo Banco de Portugal, alegando sigilo bancário.

O que muda

A partir de agora as entidades responsáveis vão ser obrigadas a divulgar uma lista detalhada dos 50 maiores devedores da Caixa. Isto significa que deverão ser disponibilizados os montantes em causa, os incumprimentos, os créditos reestruturados, as imparidades, datas ou garantias concedidas.

Mas as obrigações não ficam por aqui. Ao mesmo tempo terão de ser divulgado os maiores créditos em incumprimento, contabilizados por devedor, com respetivos montantes, datas de aprovação, imparidades, reestruturações, garantias e planos de recuperação dos créditos em causa.

O mesmo acontece com os grupos económicos que sejam os maiores devedores. E também aqui o cenário mantém-se: deverão ser divulgados quais se encontram em incumprimento, a data do crédito, análise do plano de negócio modelo económico/financeiro utilizado para avaliar a capacidade financeira do grupo.

Ao mesmo tempo, o tribunal decreta que deverão ser divulgados os devedores de montantes acima dos cinco milhões de euros das várias sucursais dos bancos, a par da informação de créditos superiores a um milhão de euros concedidos desde 2000 e de créditos superiores a um milhão desde 2000 que estejam em incumprimento.

Dados não autorizados

Ainda assim há informações que o tribunal não autorizou que sejam revelados. É o caso, por exemplo, da troca de correspondência solicitada. A explicação é simples: não foi demonstrada a utilidade destes mesmos documentos para serem analisados na comissão de inquérito. Desta forma, nem a Caixa nem o Banco de Portugal são obrigados a divulgar essa informação, já que foram as duas entidades a quem os deputados pediram correspondência, deixando de fora a CMVM.

Há também questões que se vão manter sob sigilo bancário e profissional, nomeadamente a troca de correspondência entre as várias entidades entidades portuguesas e as instituições europeias sobre o processo de recapitalização levado a cabo pelo banco do Estado em 2012, reestruturação da CGD, bem como toda a correspondência trocada entre os vários intervenientes no processo desde o ano de 2012.

Trabalhos retomados

A comissão de inquérito arrancou em julho passado, mas até ao final do ano só foram ouvidos pelos deputados sete intervenientes: dois presidentes da Caixa, um governador do Banco de Portugal e quatro ministros das Finanças, incluindo o atual, Mário Centeno.

Os trabalhos foram entretanto retomados no início deste mês com direito a acusações e desmentidos. Em que o ponto alto da comissão nos últimos dias foi a audição do ex-ministro das Finanças. Luís Campos e Cunha revelou que, desde que assumiu funções no governo Sócrates, o primeiro-ministro o pressionou para demitir a administração da Caixa Geral de Depósitos que, na altura, era liderada por Vítor Martins, tendo-se recusado a fazê-lo.

Uma acusação que foi afastada, na semana passada, pelo seu sucessor, Fernando Teixeira dos Santos ao assumir que a ideia de substituir a administração da Caixa por Santos Ferreira e Armando Vara tinha sido dele. “Nunca recebi do engenheiro Sócrates nenhumas indicações sobre os nomes das pessoas que deviam entrar para a administração da CGD. A decisão foi minha, sem ouvir o engenheiro Sócrates. Transmiti-lhe a minha escolha”, afirmou aos deputados.

Já o visado, Vítor Martins, esteve esta terça-feira a ser ouvido e garantiu que não sentiu pressão do governo Sócrates para deixar o cargo, mas ainda assim, afirmou que ficou surpreendido quando Teixeira dos Santos lhe comunicou que ia ser substituído dez meses depois de ter assumido a pasta.

Para hoje está marcada a audição de Santos Ferreira e na próxima semana será a vez de Faria de Oliveira e da ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.

A verdade é que com esta decisão, todas as audições poderão dar uma reviravolta com os intervenientes a poderem vir a ser chamados novamente. Um deles poderá ser António Domingues que, apesar de ter ido já este mês, ao Parlamento foi ouvido na comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa não foi ouvido na comissão de inquérito. O PSD queria que isso acontecesse, mas a esquerda opôs-se, libertando Domingues de ter de respeitar as regras de uma comissão de inquérito, como responder obrigatoriamente às questões dos deputados. O tema ficou apenas limitado aos motivos da sua demissão e à polémica em torno dos salários da Caixa.