Costa recusa criar crise política e Assis fica isolado

Assis ficou a falar sozinho quando defendeu eleições antecipadas. Trigo Pereira viu recusada ideia de moção de confiança. Pedro Nuno Santos assegura que Governo está sólido.

Há um vídeo partilhado pelos apoiantes da ‘geringonça’ que mostra uma bola de bowling a ser lançada contra um copo de água. No momento da colisão, é o frágil copo de vidro que faz estilhaçar a bola de ferro. A mensagem é simples: a estrutura de apoio ao Governo é mais sólida do que pode parecer. Grande parte da solidez vem-lhe de nenhum dos parceiros da esquerda querer ficar com o ónus de fazer cair o Governo, o resto do cimento vem do inimigo comum que representam as políticas de PSD e CDS.

É este pensamento que ajuda a explicar a forma como foram recebidas as palavras de Francisco Assis, que defendia eleições antecipadas, ou a ideia de Paulo Trigo Pereira, que propunha que o PS apresentasse uma moção de confiança ao Governo. Ambas esbarraram num rotundo ‘não’ socialista.

Não ficar com o ónus da crise

Mesmo sabendo que as sondangens – como notava Assis – dão hipóteses a António Costa de sonhar com uma maioria absoluta, o pensamento dominante no PS ainda é o de que tomar a iniciativa de quebrar a estabilidade política será penalizado pelos eleitores.

De resto, mesmo os socialistas mais céticos em relação à solução de Governo à esquerda sabem que a crise provocada pela divergência em torno do desconto na TSU (Taxa Social Única) não é suficiente para pôr em causa a estabilidade governativa.

Os socialistas sabem que BE, PCP e PEV vão continuar a vincar as suas diferenças – sobretudo o PCP em ano de autárquicas -, mas estão preparados para isso.

Pedro Nuno Santos deixou isso mesmo claro na reação às palavras de Assis, defendendo que a esquerda está a «sinalizar ao seu eleitorado que não se anulou» e que isso não constitui uma ameaça, porque também o PS está a dar um sinal aos seus eleitores moderados ao bater-se pela concertação social ao contrário do que está a fazer o PSD.

PS quer afirmar-se como partido moderado

A tese é a de que o eleitorado do centro não compreenderá um PSD que ajuda a rasgar um acordo de concertação social e que uma oposição mais dura acabará por ser penalizada. «Aquilo que o PSD acabou de fazer foi dizer ao seu eleitorado moderado que não confie em si. Bom. Está cá o PS para isso», afirmou Pedro Nuno Santos, que espera demonstrar que o radicalismo não está nos socialistas que se aliaram à esquerda para governar.

Coube a Pedro Nuno Santos a resposta oficial ao desafio de Francisco Assis, que defendeu num artigo de opinião no Público e numa entrevista à Antena1 que a solução de Governo está esgotada, mas nos bastidores não houve entusiasmo em relação à teoria de Assis.

«Não faz muito sentido. O Governo não está em causa», comentava um dos principais apoiantes de António José Seguro, que considera que Francisco Assis se precipitou na análise.

«O que nós temos presenciado nos últimos dias veio tornar claro aquilo que é a tragédia desta legislatura. Nós temos um Governo do PS que, a meu ver, tem governado de forma moderada de acordo com a tradição e as referências do Partido Socialista, mas que se apoia numa maioria parlamentar de esquerda que, como se vê, em múltiplos aspectos, facilmente se desvanece», afirmou Francisco Assis à Renascença, defendendo que esta circunstância é «paralisante» para a governação. «[Assis] defende aquilo que defendeu há um ano», comentou o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, lembrando que o crítico socialista «defendeu que o PS desse ao PSD e ao CDS a maioria absoluta que o povo português lhe tinha tirado». Nada de novo, portanto.

O desafio a Francisco Assis

De resto, a única consequência que as palavras de Assis tiveram foi o desafio de Pedro Nuno Santos para que fosse defender as suas ideias na Comissão Nacional do PS em vez de as partilhar apenas nos órgãos de comunicação social. O governante ironizou com o facto de Assis ter «sempre mais mediatismo quando critica o Governo e o seu próprio partido» e a ideia que ficou foi a de uma voz crítica isolada num momento em que os socialistas ainda não veem vantagem em deixar cair a solução de Governo.

De resto, isso mesmo fez com que a proposta do deputado independente Paulo Trigo Pereira de apresentar uma moção de confiança ao Governo tenha sido rapidamente descartada na reunião da bancada do PS esta quinta-feira.

Trigo Pereira defendeu na reunião que a TSU não foi o único tema no qual o PS ficou sem o apoio de BE, PCP e PEV, lembrando que o mesmo aconteceu quando a esquerda se associou ao PSD para votar uma alteração ao estatuto do gestor público que foi vista como a gota de água que fez António Domingues sair da liderança da Caixa Geral de Depósitos.

Com este historial, Paulo Trigo Pereira entende que o melhor seria avançar com uma moção de confiança que obrigasse os parceiros da esquerda a mostrar de forma clara o apoio ao Governo, caso houvesse um terceiro momento deste género que pusesse bloquistas, comunistas e verdes alinhados com os sociais-democratas contra os socialistas.

A ideia foi, contudo, rapidamente rejeitada pelo líder da bancada do PS. Carlos César defendeu perante ter os deputados que se alguém acha que a governação está em causa, deve ser a oposição a apresentar uma moção de censura. E o assunto ficou encerrado, ao ponto de Trigo Pereira – que confirmou esta versão da reunião avançada pela Lusa – ter recusado fazer mais comentários aos jornalistas.

Depois de chegar ao poder sem ter ganho as eleições, António Costa está mais preocupado em garantir a solidez da solução governativa e, acima de tudo, a não ser visto como o oportunista que aproveitou as boas sondagens para fazer cair o Governo. 

De resto, Pedro Nuno Santos assumiu mesmo que seria «oportunismo político» antecipar agora as eleições. «Nós vamos durar quatro anos. Até 2019 nós vamos ter de conviver», avisou o governante, com um ‘habituem-se’: «Temos é de nos habituar de uma vez por todas, agora que temos uma democracia mais rica, que o Parlamento não é uma extensão do Governo».