A Resistência dos portugueses cantada no Bataclan

Banda portuguesa toca no domingo na sala de espetáculos que foi alvo de um ataque terrorista em novembro de 2015.

“Este concerto pode funcionar como uma afirmação dos lusófonos no combate ao terrorismo. Mostra que, de alguma forma, enfrentamos esta situação juntos”. É assim que Olavo Bilac, membro da Resistência, descreve o objetivo do espetáculo que a banda portuguesa vai dar no Bataclan, sala de espetáculos onde morreram 90 pessoas, vítimas dos atentados em Paris, a 13 de novembro de 2015.

No próximo domingo, o projeto português, composto por músicos de várias bandas portuguesas, irá tocar nesta sala de espetáculos, a convite da Cap Magellan, uma associação de jovens lusodescendentes que, no âmbito do seu 25º aniversário, está a organizar os Primeiros Estados Gerais da Lusodescendência. A Resistência irá fechar esta iniciativa, com um concerto que pretende enaltecer a língua portuguesa e, ao mesmo tempo, lembrar os portugueses que morreram nestes atentados – Precilia Correia, que morreu no Bataclan, e Manuel Dias, morto no ataque ao Stade de France.

“Não nos podemos esquecer que morreram dois portugueses nestes atentados. No entanto, este não vai ser um espetáculo negro e triste”, disse Miguel Ângelo, vocalista dos Delfins, ao i, pouco antes de um dos últimos ensaios que antecedem a ida para Paris. “Vamos dizer às pessoas para não se refugiarem em casa e continuarem a fazer com que aquela sala de espetáculos tenha música e vida”, acrescentou Olavo Bilac, líder dos Santos e Pecadores.

Assim que receberam o convite, os membros da Resistência não hesitaram e confirmaram a sua presença neste espetáculo: “Um dos primeiros grandes eventos organizados por esta associação foi um espetáculo onde a Resistência tocou, em 1994, em Paris. Eles têm feito um trabalho fantástico, querem levar [para França] o que está a dar em Portugal, fosse naquela altura a Resistência, depois mais tarde os Silence Four, os Gift, Legendary Tigerman, etc. O objetivo é diferente dos outros circuitos de emigração, onde a música pimba e mais popular está sempre mais presente”, explica Miguel Ângelo.

A verdade é que, de acordo com o testemunho destes membros da Resistência, a Cap Magellan tem cultivado a língua de Camões na comunidade lusodescendente em França. Uma das formas encontradas para cativar os mais novos foi dar-lhes a conhecer um pouco da música portuguesa. “Muitas vezes não se fala do trabalho feito por estas organizações. A continuidade da língua portuguesa nestas escolas é feita a partir de letras de músicas tocadas pela Resistência”, revelou Fernando Cunha, guitarrista dos Delfins.

No domingo, o Bataclan irá lembrar não só aqueles que morreram, mas também o orgulho na língua portuguesa e naqueles que abandonaram a sua terra à procura de melhores condições noutro país, sem esquecerem as suas raízes, um sentimento que a Resistência tem presente em tudo aquilo que faz – “Com as músicas que tocamos é impossível não afirmar a ‘Portugalidade’ [que nos une]”, conclui Tim, a voz dos Xutos e Pontapés.

Um projeto que irá até ao infinito… E mais além

Começaram este projeto em 1991, mas três anos depois acharam que estava na altura de pôr um ponto final. Em 2012, decidiram voltar aos palcos e às gravações, sem colocar qualquer meta. “A verdade é que esta nova fase da Resistência já dura há mais tempo do que a inicial”, recorda Tim.

Todos mudaram a nível musical e pessoal. Estão mais velhos, “mais pesados”, diz Fernando Cunha na brincadeira, mas aprimoraram a sua forma de tocar e cantar, fiéis à génese deste projeto: versões acústicas de músicas portuguesas, nas quais a toada da percussão, das guitarras e das quatro vozes criam uma sinergia com público pouco comum em Portugal. “Hoje em dia fazemos concertos e vemos três gerações diferentes a cantarem as nossas músicas do início ao fim do espetáculo”, contou ao i Fernando Cunha.

“Uns mudaram mais, outros menos, mas aquele espírito do coletivo acústico que se reúne para tocar música portuguesa é algo que, quanto a mim, resistiu ao tempo”, refere Miguel Ângelo. Mas uma coisa é certa: todos acreditam a Resistência tem um potencial para ser um projeto que vá mais além dos músicos que hoje em dia o compõem. “Pode ser que a Resistência se multiplique, nos ultrapasse, que seja um projeto que persista com outras pessoas”, diz o vocalista dos Xutos e Pontapés. “Vamos fazer um bocadinho aquele percurso do Bob Dylan e dos Greatful Dead: vamos tocando enquanto houver pedidos. Enquanto existir esta cumplicidade [entre os membros da banda] e as pessoas gostarem de nos ver, acho que não vamos pensar em nenhuma meta”, acrescenta Miguel Ângelo.