O ‘fusível de segurança’…

Bastou a Francisco Assis publicar um artigo de opinião no Público – no qual defendeu a solução de eleições antecipadas face ao simbolismo do imbróglio da TSU – para cair o Carmo e a Trindade e estilhaçar a harmonia postiça da ‘geringonça’, deixando o Bloco em transe.

Para Assis, numa constatação óbvia, há duas maiorias, porque «há questões de fundo em relação às quais não há possibilidade de entendimento à esquerda». Nem à direita.

A ‘cambalhota’ de Pedro Passos Coelho – ao tirar o tapete à descida da taxa única, como moeda de troca para o aumento do salário mínimo – pôs a nu a constelação de incongruências que suporta o Governo, bem patente no embaraço de António Costa ao ser acusado por Assunção de Cristas no Parlamento de mentir aos deputados.

Por muito rápido que Marcelo Rebelo de Sousa tenha sido a promulgar o polémico diploma da TSU, numa tentativa de esvaziar os ‘danos colaterais’, o certo é que os tambores  rufaram  no largo do Rato e na Gomes Teixeira.

De peito feito, Pedro Nuno Santos – o ‘pombo-correio’ da ‘geringonça’ – saiu a terreiro para demonizar a hipótese de eleições antecipadas. Continua de verbo tão afiado como em 2011, quando defendia no PS que Portugal deveria suspender o pagamento da dívida.

Por essa época, não se inibia de dizer: «Estou a marimbar-me que nos chamem irresponsáveis. Temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Essa bomba atómica é simplesmente não pagamos. Ou os senhores se põem finos ou não pagamos».

Foi com esta elegância de estilo que o atual secretário de Estado reforçou que «se não pagarmos a dívida, e se lhes dissermos, as pernas dos banqueiros alemães até tremem».

Como é público e notório, os banqueiros alemães ainda não se recompuseram do susto, perante o arroubo deste fiel de António Costa.

A mais recente narrativa do fogoso governante revelou bem a onda de nervosismo que se apossou dos oligarcas do PS, obrigando, inclusive, o histórico Manuel Alegre a chamar à pedra os correligionários que destrataram Francisco Assis como se fosse a encarnação do anunciado Belzebu.

Assis ainda tentou explicar que as eleições antecipadas proporcionariam, eventualmente, ao PS «a possibilidade de obter a legitimidade que agora não tem». Tempo perdido.

António Costa e o seu séquito ficam mortificados sempre que alguém lhes lembra a farsa em que assenta a ‘geringonça’. 

O «Governo alterno», como lhe chamou António Barreto, tem acumulado demasiadas asneiras, que começam a baralhar as contas dos comunistas do PCP e do Bloco, receosos de serem castigados quando forem a votos.

Desde as reversões – umas ideológicas e outras disparatadas – à inconcebível situação da Caixa Geral de Depósitos, ou à leviandade da TSU, há poucas razões para o país estar confiante, ao contrário da mensagem apaziguadora que o Presidente da República quis  passar  na SIC.

O tempo não vai de feição para malabarismos. E governar não é sinónimo de fazer a vontade às corporações e sindicatos, a troco da ‘paz social’. Nem esta se materializa inchando a legião de funcionários públicos ou amolecendo os pensionistas e reformados.

É no meio deste jogo de espelhos, de que vive o pior populismo, que Pacheco Pereira tem vindo a recuperar a sua fé à esquerda, perdido o social-democrata algures com Manuela Ferreira Leite.

Pacheco Pereira goza há muito de um estatuto invejável. Gravita à volta das televisões, e em particular da Quadratura do Círculo, e escreve com regularidade na Imprensa. É o seu modo de vida. Mas arvora-se, com doentia frequência, como juiz da prática jornalística.

Para ele, «o jornalismo atravessa uma crise maior», não tanto pela precarização de emprego e instabilidade das empresas de media, mas porque há um «problema de pluralismo na atual informação» e de «pensamento único». Nem mais.

Quem anda há muito no jornalismo sabe de cor que, apesar da mudança geracional, a maioria das redações tem o coração à esquerda. Basta observar o alinhamento dos telejornais ou a hierarquia dos títulos dos jornais.

Mas Pacheco Pereira identifica o ‘pensamento único’ não à esquerda mas à direita, secundando Louçã. Pasme-se. 

Os sobressaltos de Louçã e de Pacheco, ao vergastarem os poucos media que ainda escapam à cor dominante do rebanho, são um sinal de que a ‘geringonça’ não está para durar. Assis acertou na mouche.

Marcelo, enquanto Presidente, descobriu o país das maravilhas, distraiu-se e trocou o fato, usando o de primeiro-ministro. António Costa anda sem lastro, mas não se importa. Sobrevive.

O pior é o ‘caderno de encargos’ dos parceiros, que o colocam na corda bamba. O equilibrismo tem limites. E a rede de Belém não dura sempre. A bem do ‘fusível de segurança’ do Regime…