O novo líder do Opus Dei já surpreendeu

O Opus Dei, com 1500 membros em Portugal, elegeu esta semana um novo dirigente máximo. Fernando Ocáriz já surpreendeu. 

Passavam pouco mais de 24 horas da nomeação pelo Papa quando Fernando Ocáriz, o novo dirigente máximo do Opus Dei, deu o primeiro sinal público (e interno) de que alguma coisa estará a mudar na organização. Marcou uma conferência de imprensa, o que o seu antecessor Javier Echevarría não tinha por hábito fazer, e reuniu cem jornalistas na Universidade da Santa Cruz, em Roma.

Fundada em 1928 por Josemaría Escrivá, a Obra tem crescido ao longo das décadas sem se conseguir desligar da ideia de que congrega, entre os seus membros leigos, sobretudo a elite económica e política conservadora. Ocáriz não se esquivou às perguntas, foi à procura delas. E não fugiu sequer ao repórter alemão, que insistiu para que o novo responsável esclarecesse a relação entre a prelatura e os regimes de Franco e Pinochet: «Nasci no exílio. O meu pai era militar republicano, durante a guerra tiveram de fugir para França. Nunca fui franquista, bem pelo contrário. Ainda que qualquer um possa ser o que quiser, desde que isso seja compatível com ser católico».

Foi há 72 anos, em plena ditadura franquista, que Fernando Ocáriz nasceu em Paris, o mais novo de oito irmãos. Estudou Ciências Físicas em Barcelona e integrou o Opus Dei ainda estudante, como numerário (membro celibatário). Escolheria a vida religiosa, sendo ordenado padre aos 27 anos.

O seu nome era falado para suceder a Javier Echevarría como o quarto responsável do Opus Dei, até porque nos últimos 22 anos fora um dos braços direitos do prelado – primeiro como vigário geral e, desde 2014 como vigário auxiliar.

Mas se o próprio admitiu, já depois de a nomeação ser confirmada pelo Papa, que este seu currículo poderá ter contribuído para a escolha, fez questão de sublinhar que a eleição era livre.

E para uma organização da igreja – com o estatuto único de prelatura pessoal, que junta religiosos e leigos – o processo é até bastante singular. Começou na sexta-feira 21 de janeiro, numa reunião do órgão central de governo de mulheres do Opus Dei, colégio que inclui 38 leigas de diferentes países. Note-se que mais de metade dos 92 mil membros da Opus Dei em todo o mundo são mulheres. Em Portugal – onde a organização tem 1500 membros – o sexo feminino tem uma maioria de dois terços.

Foram assim as mulheres que começaram por manifestar as suas escolhas, em voto secreto, sendo que para o lugar de prelado teriam de indicar um sacerdote da Obra com 40 ou mais anos de idade, mais de dez anos de pertença à prelatura e cinco ou mais anos de sacerdote. Havia 94 nomes possíveis.

Na última segunda-feira, o dia do congresso eletivo – que abrangeu um conjunto de 156 leigos e padres em cargos superiores da Obra, de 20 nacionalidades diferentes, – os trabalhos começaram pela abertura da urna e a leitura dos votos das mulheres, que guiaram a escolha do novo prelado por sufrágio. O fumo branco não tardou. Numa organização ‘particular’ da igreja, como uma congregação, a escolha ficaria por aqui. Mas o Opus Dei, enquanto prelatura pessoal, é uma organização pública na administração indireta da Cúria (passe a comparação), pelo que a última palavra na designação do seu dirigente máximo cabe ao Papa.

Não foi Ocáriz a dirigir-se a Francisco, mas o agora novo vigário geral Mariano Fazio e um colega argentino Carlos Nannei. Ao cair da noite, deslocaram-se aos aposentos de Francisco na casa de Santa Marta, no Vaticano, para informar o pontífice. «Foi muito simpático, porque aparecemos sem marcação», partilhou Fazio. «Estivemos com ele durante meia hora. Assinou a nomeação e pareceu bastante contente».

De Francisco, que já anteriormente renovara um voto de confiança no trabalho do Opus Dei – historicamente nos antípodas de uma igreja mais liberal, mas sobretudo da popularidade que marca o pontificado do Papa – receberam duas mensagens que fizeram questão de partilhar. Francisco reconheceu que a Obra vive um momento histórico, porque Ocáriz é o primeiro prelado que não trabalhou diretamente com o fundador Escrivá. Por outro lado, mantendo-se fiéis aos princípios da fundação, têm o desafio de preparar o futuro com «zelo apostólico».

A Obra na sociedade

Nas suas primeiras palavras públicas, Ocáriz revelou que, mais do que dar primazia à sua bagagem teológica, pretende ser um homem de ação. Considerado um dos nomes intelectuais da Obra – e tendo aliás trabalhado durante largos anos com Joseph Ratzinger na Congregação para a Doutrina da Fé – o novo prelado defende que o futuro passa por aumentar o serviço. «É realmente a única coisa que nos interessa: o bem das pessoas», disse, citado pelo blogue Crux. «E o bem das pessoas é, no fim, o encontro com Jesus Cristo».

Nos últimos dias, os congressistas estiveram reunidos para discutir diretrizes para os próximos anos. Aproximar a Obra dos jovens é um dos objetivos. Mas aproximar o Opus Dei da sociedade, contrariando os preconceitos, será outro. «Há sinais de que pretende promover uma normalização da presença da Obra na sociedade», resumiu ao SOL fonte do Opus Dei em Portugal.

Até porque na visão de Ocáriz – que não é mais do que o ideário de Josemaría Escrivá que sintetiza o carisma do Opus Dei, – é pela vida corrente, no quotidiano, que se alcança a santidade. «As pessoas do século XXI, como as de qualquer outro tempo, são chamadas a agir como os primeiros seguidores de Jesus Cristo no mundo, em casa, no trabalho, enquanto descansam e se divertem. Em cada esfera da vida são chamadas a ser apóstolos, a falar de Cristo e a falar com o Pai, Deus, que os ouve», disse Ocáriz numa entrevista em 2016.

Ocáriz pratica ténis e andava sempre de bicicleta até, há cinco anos, sofrer uma lesão. O espírito jovem poderá ajudá-lo na missão que tem pela frente. No Vaticano, onde deverá manter-se como consultor da Congregação para a Doutrina da Fé, da Congregação para o Clero e do Conselho Pontifício para a Promoção a Nova Evangelização, é visto ainda assim como um dos ‘assessores’ de Francisco em temas teologicamente complexos como a aproximação aos lefebvrianos – movimento de padres resistentes ao Concílio Vaticano II que poderá, no futuro, ser integrado na igreja católica como a segunda prelatura pessoal da sua história.

Ocáriz já revelou ao Opus Dei em Portugal que pretende vir a Fátima este ano. A viagem ainda não tem data marcada, não se sabendo se coincidirá com o centenário das aparições em maio, cerimónias que serão presididas pelo Papa.