Bernie Ecclestone. Vida em alta velocidade

A arte de negociar, a paixão pelos carros, as polémicas e as (quase) quatro décadas na Fórmula 1. Aos 86 anos passa a ser presidente honorário, “sem saber o que significa”. Com muitos amigos na F1 acredita que talvez possa ir a algum Grande Prémio porque ainda tem “dinheiro suficiente para pagar um bilhete” 

Bernie Ecclestone. Vida em alta velocidade

m problema congénito no olho em nada afetou a visão de Bernie Ecclestone nos negócios ao longo da sua vida. Nascido em Suffolk, em 1930, mudou-se com a mãe, uma ama, e o pai, pescador, para Dartford, Kent, ainda em criança. Transformou o pátio da escola no seu primeiro escritório e os colegas nos primeiros clientes. O processo era simples: ir à padaria, comprar pão, (re)vender durante os intervalos escolares e ao final do dia contar o lucro obtido. Seguiu o mesmo modelo de negócio pouco mais tarde. Aos 14 anos, as canetas tornaram-se o principal produto de Ecclestone, em Londres. 

A apetência demonstrada por Bernie começou a evidenciar-se cada vez mais na construção de serviços palpáveis. Aos 15 anos deixou a secretária da escola para trabalhar na fábrica de gás da cidade e as motas tornaram-se na sua principal atividade. As corridas de competição, onde também participou, levaram-no a perceber que fora da pista é que existia um verdadeiro campeão. Aos 18 anos começou a gerir a sua loja de motas, através de uma garagem de carros em segunda mão. O público-alvo eram, na altura, sobretudo os motards que conheceu no circuito. Desde cedo que os sucesso nos negócios permitiram a Ecclestone tornar-se independente. Ainda estava na casa dos 20 quando casou, pela primeira vez, e foi pai. As motas passaram para segundo plano, mas o lado empreendedor de Ecclestone continuou sobre rodas. Uma ligação aos carros (e carros de corrida)levaram-no a adquirir uma concessionária da Mercedes e outra da MG. Ecclestone era cada vez mais reconhecido no meio dos veículos (usados) e das respetivas vendas na cidade.

Apaixão pela competição e a amizade por antigos pilotos que perderam as vidas no asfalto, caso de Stuart Lewis-Evans e Jochen Rindt, fizeram com que o empresário britânico mudasse o rumo da sua vida. Em 1971 decidiu comprar uma equipa da Fórmula 1, a britânica Brabham, pela qual pagou cerca de 95.000 euros. Ao longo de 20 anos a equipa conquistou 22 Grandes Prémios e dois campeonatos mundiais. Niki Lauda ou Nelson Piquet, pilotos introduzidos por Ecclestone, são alguns dos responsáveis pelas vitórias. O piloto brasileiro, tricampeão mundial, foi uma das figuras que prontamente reagiu à destituição de Ecclestone.

“A Fórmula 1 é o que é hoje por causa de Bernie”, declarou. “E não é apenas a Fórmula 1. Qualquer empresa, qualquer país, se tiver um dirigente inteligente, que saiba fazer as coisas, que saiba organizar, ela vai para a frente”. Ecclestone, em 1973, fundou a Associação de Construtores de Fórmula 1 (FOCA), com Colin Chapman (fundador da Lotus) e o advogado Max Mosley. Quatro anos depois de fundar a FOCA tornou-se presidente da Associação. Com a FOCA, o empresário britânico reuniu todas as equipas e chegou a um acordo de venda dos direitos televisivos, sendo um dos responsáveis pelo crescimento exponencial a nível mediático da modalidade. Ao fim de 39 anos no principal cargo executivo da Fórmula 1, Ecclestone confirmou a saída. “Fui destituído. Acabou, é tudo. É oficial. Já não dirijo a empresa e a Chase Carey ocupa o meu lugar”. Sean Bratches, diretor para a parte comercial, Chase Carey, presidente executivo do novo Formula One Group, e Ross Brawn, responsável pela parte desportiva e técnica são os novos patrões da Fórmula 1.

A compra da Formula One Management (FOM) pela Liberty Media, num negócio que custou cerca de 7.5 mil milhões de euros ditou as novas mudanças nos cargos. Na hora da despedida, o empresário britânico anunciou que continuará presente na F1 como presidente honorário com o seu habitual registo bem-humorado. “A minha nova posição é uma expressão americana. Uma espécie de presidente honorário. Assumo esse cargo sem saber o que isso significa”, explicou. Polémico, como foi também ao longo destes quase quarenta anos na Fórmula 1, Ecclestone – considerado o quarto homem mais rico e poderoso do Reino Unido pela revista “Forbes” – acredita que talvez possa assistir a mais um Grande Prémio porque ficaram lá amigos e ainda tem “dinheiro suficiente para pagar um bilhete”. 

Em tempo de mudança as despedidas já começam a surgir. Apar de Piquet, Zak Brown, diretor executivo da McLaren, garantiu que “a Fórmula 1 não seria a poderosa organização desportiva internacional que é hoje sem a verdadeiramente enorme contribuição de Bernie Ecclestone no último meio século”. “Não consigo pensar em mais alguém que se compare com ele na influência que teve em construir um desporto global”, concluiu com a certeza que os novos donos vão contribuir para a evolução da Fórmula 1 e torná-la “ainda maior e melhor”.

Por enquanto as novidades são poucas, mas a Liberty Media já mostrou vontade em apostar nos Grandes Prémios da Grã-Bretanha, Itália, Bélgica ou Alemanha. O desenvolvimento de um novo GP, nos Estados Unidos, para o Mundial e a promoção do desporto são apostas dos responsáveis que assumem agora os cargos no desporto motorizado.
“Sentimos que o negócio não cresceu até ao seu potencial máximo, particularmente nos últimos quatro ou cinco anos. Precisávamos de avançar para uma nova organização para que a competição crescesse como precisa nos dias de hoje e trabalhar com os parceiros que temos de forma a garantir que a Fórmula 1 seja tudo o que pode e deve ser para os seus fãs”, explicou Chase Carey, presidente executivo do novo Formula One Group na primeira entrevista que concedeu.