Vanessa. Uma adenda ao acordo matrimonial

O acordo de concertação social não acabou, diz o governo, repete o Presidente. Marcelo diz que houve “uma adenda”. A Vanessa lembrou-se dos seus casamentos e namoroso que tiveram “adendas” e resolveu pregar-me uma seca.

Atenção, o acordo de Concertação Social não acabou. Mas a Vanessa ficou desconfiada:

– Mas os gajos lá no parlamento não chumbaram aquela coisa da TSU?

– Sim, chumbaram.

– Então se chumbaram como é que o acordo de concertação social está de pé?

– O Costa arranjou outra medida.

– Então é um novo acordo.

– Não é nada, é uma adenda, como acabou de dizer o Presidente da República.

– Uma adenda, a sério?

– Sim, uma adenda.

– Gosto da palavra “adenda”. Lembra-me quando eu depois de me separar do Júlio decidimos voltar outra vez. Foi uma coisa engraçada.

A Vanessa era especialista em “adendas” a relações. Não se pode condenar os fanáticos das adendas amorosas – como nestas coisas muitas vezes só metade do cérebro funciona, eles acreditam que a ter existido qualquer coisa é possível acordá-la como à Branca de Neve morta. É incrível as coisas que as pessoas fazem para negar a impossibilidade de uma relação se, por acaso, num dia qualquer remoto, aconteceu-lhes com alguém um episódio que se aproximou da felicidade, etc. Há pessoas, como a Vanessa, que acreditam que é possível repetir encontros excecionais. O problema de muitos encontros excecionais é que acontecem do nada e desaparecem como as fúrias dos elementos. E em vez de estarem conscientes de que não se pode lutar contra a trovoada, a chuva torrencial no inverno, o sol abrasador de Roma no verão, pessoas como a Vanessa acreditam que se pode lutar contra o desinteresse alheio. É estúpido, mas acontece.

E foi por isso que a Vanessa acabou por juntar várias adendas a namoros na sua vida. Ela acreditou que era possível ressuscitar o morto – é o problema dos promotores de adendas em acordos deste género. Mas nenhuma adenda conseguiu recuperar um namoro: tal como nos acordos de concertação, nunca se volta ao lugar de onde se saiu.

Entre as várias adendas que a Vanessa ao longo da sua vida, a minha favorita – pela sua intrínseca estupidez – é a adenda Carlos.

– Conta lá como foi a tua história com o Carlos.

– Eh pá, essa é mesmo idiota.

– Oh Vanessa, é idiota mas é exemplar.

– Fosga-se. O Carlos foi a coisa mais estúpida que me aconteceu na vida. Eu nem sei bem porque é que comecei a andar com ele.

– Deve ter sido porque era giro.

– Era mais ou menos giro. Já andei com gajos mais giros. Mas o gajo tinha uma namorada e não sabia como lhe dizer e andava aos papéis. Um dia ligou-me a dizer que ela estava com uma grande depressão e que não a podia deixar sozinha.

– Isso é treta. Mas ‘tá bem e depois?

– Passados dois anos encontrei-o nas férias. O gajo já se tinha separado da namorada deprimida.

– Ela já estava curada?

– Nem sei bem. O gajo propôs-me uma adenda e eu aceitei. Aquilo parecia ao princípio que corria mais ou menos bem. Mas depois ele começou a ficar deprimido e foi ao médico. O médico disse-lhe que ele tinha que escolher entre mim e a ex-namorada porque ainda não tinha resolvido a coisa.

– E depois?

– Eu disse-lhe que por mim a coisa acabava ali, já que até havia uma recomendação médica. Mas ele insistiu que não tinha a certeza. Uma manhã acordei com uma mensagem: “Decidi voltar para a Carlota. Bj”. Foi assim. O que me irrita nisto é o sacana ter conseguido acabar comigo duas vezes! Uma vez é como o outro. Duas vezes é a humilhação total. E ainda gostava de conhecer o estupor da Carlota para perceber se realmente ela tinha tantas qualidades. Esta foi a pior adenda da minha vida.