O que os deputados pensam sobre a eutanásia

Ontem, a discussão da despenalização da morte assistida entrou no parlamento e o i entrou nos corredores para um vox-pop com quem poderá, eventualmente, decidir sobre a matéria: os deputados. Um debate que, já se viu, será feito quase sem cores partidárias: afinal, as questões de fim de vida são um tema mais amplo do…

Maria Antónia Almeida Santos (PS)
“Não posso pedir à maioria das pessoas para decidir sobrea antecipaçãoda minha morte”

Quando se fala na despenalização da eutanásia, fala-se de criar a hipótese de que uma pessoa, sendo livre, consciente, informada e que reitere a sua vontade numa situação em que tenha um diagnóstico fatal ou uma lesão definitiva, possa pedir para que a sua morte seja antecipada. Hoje, um doente num estado de sofrimento muito grande em que lhe são administradas quantidades enormes de medicamentos pode, em consequência desse tratamento, sofrer uma paragem cardíaca, por exemplo. O que não pode acontecer é que isto seja de uma forma livre, informada e a pedido do doente. Portanto, há aqui qualquer coisa, acho que há mesmo um pouco de hipocrisia. A hipocrisia de não querermos falar na morte. Então falemos de vida! Não me importo nada, acho que a eutanásia é um debate sobre a vida, embora seja sobre o fim da vida. Quanto ao referendo, acho que não se aplica a esta questão. Falo a título individual para todos perceberem que é uma questão única e muito pessoal: quando se trata de legislar sobre direitos fundamentais, não deve haver referendos. O referendo ao aborto foi uma exceção que não deveria ter acontecido. Não posso pedir à maioria das pessoas que digam se eu posso ou não pedir a antecipação da minha própria morte. Os direitos fundamentais não se referendam. Os pedidos para antecipar a morte continuam a ser situações muito únicas e muito raras. Nem há uma cultura de morte, como já ouvi dizer. Acho que o debate e as iniciativas legislativas que vão surgir estão a ser feitas com boas intenções. Também acho que, neste caso, é importante a liberdade de voto que o meu partido decidiu, porque esta é uma questão de consciência.

Cristóvão Simão Ribeiro (PSD)
“Não deve haver nenhum tabu ideológico"

Sou um defensor acérrimo de que em tudo o que diga respeito a matérias de consciência deve haver liberdade de voto. Vejo com muitos bons olhos que, nesta matéria, o grupo parlamentar do PSD conceda liberdade de voto aos seus deputados. Os cuidados de saúde de um doente em estado terminal devem ser sempre uma matéria discutida com bastante calma. Tem de ser uma discussão sem partidarização do tema. Não deve haver nenhum tabu ideológico, mas uma discussão séria. Na minha perspetiva, a morte assistida está intimamente ligada aos cuidados paliativos numa fase mais terminal de um paciente. Sou tendencialmente favorável à eutanásia, mas ainda estou num processo de reflexão e irei procurar informar-me ainda mais sobre o tema. Julgo que é uma discussão que tem de ser enquadrada numa perspetiva global de cuidados de saúde. Sobre o possível referendo, acho que há sempre uma linha ténue entre aquilo que é um mandato de um deputado para a Assembleia da República e o facto de decidir sobre matérias especialmente delicadas. Um referendo pode ser sempre evitado desde que o parlamento tenha capacidade de amadurecer esta discussão de forma a não tomar decisões em cima do joelho. É prejudicial que haja um referendo sem que as pessoas estejam devidamente informadas. Também seria irresponsável convidar as pessoas a decidir quando não lhes fornecemos as devidas perspetivas, quer a favor quer contra. Este deve ser um debate bastante aprofundado porque pode haver também o perigo de transformar esta matéria num duelo entre aquilo que é progressista e aquilo que é conservador. Isso seria um erro profundo da classe política e da sociedade em geral: falamos de uma matéria-limite que não deve ser debatida com crispação.

João Torres (PS) 
“A eutanásia é sempre um mecanismo facultativo”

Ter liberdade de voto vai permitir que cada deputado possa exprimir a sua opinião em matérias que são, de facto, de uma natureza particularmente difícil. No meu caso, sou favorável à legalização da eutanásia. Encaro isto também como o direito à vida, um direito à vida com dignidade. São argumentos respeitáveis mas, muitas vezes, quando associamos à causa contrária da eutanásia argumentos políticos, como o direito à vida, estamos aqui a usar esse argumento como se fosse contrário à eutanásia. Ora, eu acho que o direito à vida com dignidade é uma causa associada a quem entende a eutanásia, que é sempre um mecanismo facultativo e a que, em determinadas condições, as pessoas poderão recorrer. E que consagra que as pessoas terão o direito de poderem terminar a sua vida quando entendem que não têm condições de continuar com o mínimo de dignidade. Em termos de referendo, acho que a experiência que temos a esse nível em Portugal não tem sido positiva. Tivemos três referendos até agora em Portugal e nenhum deles obteve uma participação superior a 50%. Por princípio, não sou contra, mas acho que não temos cá tradição referendária. Por isso, acho que os deputados, através do mecanismo da democracia representativa, estão habilitados a decidir sobre esta matéria e é desejável que o façam. Alega-se muitas vezes que é necessário diálogo e discussão, mas eu acho que a eutanásia é um dos temas que mais tem sido debatido dentro das chamadas causas fraturantes. E desse ponto de vista, penso que há uma onda cada vez maior para que se legisle nesse sentido. Mas acho que a questão dos cuidados paliativos também deve ser discutida. Fazendo uma analogia, quando se discutiu a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, discutiu-se também o planeamento familiar. São duas faces da mesma moeda.

Nuno Magalhães (CDS-PP)
 “A experiência na Bélgica começou com a mesma discussão que estamos a ter"

Acho que tanto o debate da eutanásia como as questões dos cuidados paliativos são prioridades distintas. E nós enquanto deputados devemos procurar informar-nos porque é um tema muito sério, muito técnico, que exige da nossa parte muita humildade. Não tenho o menor problema de o dizer, do qual sei pouco e sei menos do que gostaria. Temos que deixar à comunidade científica um espaço importante para poder proceder ao esclarecimento. Agora, isto não quer dizer que não se possa nem não se deva debater no parlamento quer uma realidade quer outra. Acho que neste momento, como disse a Isabel Galriça Neto, temos que apostar noutro tipo de soluções. Sou convictamente contra a eutanásia e esse será o voto do CDS. Se por acaso a maioria circunstancial pretender alterar aquilo que é uma lei com princípios estruturantes, alguns deles constitucionais, e pretender fazer uso dessa, volto a repetir, maioria circunstancial numa matéria que é tão séria, tão sensível e tão complexa, só nesse caso, e em último recurso, avalio a hipótese da realização de um referendo. Preferia que não fosse necessário chegarmos a tanto. A experiência quer na Bélgica quer na Holanda começou com a mesma discussão que estamos a ter aqui, e daí o perigo. No início a legislação nestes países excluía crianças e pessoas com doenças mentais e acabou onde toda a gente sabe. Serei contra em qualquer caso, mas estes parecem mais chocantes que os outros. Nunca me passando pela cabeça o recurso à eutanásia, já passei na minha vida por uma experiência muitíssimo próxima de uma pessoa em fim de vida e sei bem como traz sofrimento concreto à pessoa e à família. Mas não gosto de fazer debates políticos usando uma pseudo legitimidade de já ter passado por uma situação, infelizmente, muitíssimo grave.

José Luís Ferreira (PEV)
“Acho que devemos aprender com os erros dos outros”

Acho que a discussão da eutanásia não pode fragilizar os cuidados paliativos, que têm muita importância no sistema de saúde. Deve haver mais investimento nos cuidados continuados que estão muito fragilizados e nos últimos quatro anos ficaram ainda mais do que estavam. Mas a discussão tem que ser separada. Uma coisa é alguém pedir para acabar com o sofrimento e antecipar a morte porque não vê um cenário melhor para a sua vida, outra é o investimento que é necessário fazer nos cuidados paliativos. Não creio, no entanto, que esta seja uma matéria que possa passar por um referendo. Os Verdes consideram que há condições da parte da Assembleia da República de resolver este problema. Nos Verdes já fizemos esta discussão e há uns anos que a vimos discutir, não é algo novo e tem sido levantada ao longo dos anos variadíssimas vezes. Relativamente ao que temos assistido noutros países que têm uma lei que possibilita a eutanásia e a morte assistida, como a Bélgica e a Holanda, acho que devemos aprender com os erros dos outros que podem ser um indicador para podermos decidir melhor. Pessoalmente, considero que quem quiser tomar a decisão de antecipar a morte de forma  livre consciente, livre e reiterada, não me repugna que essa decisão possa ser atendida pela sociedade.

José Soeiro (BE)
“As pessoas devem poder fazer as suas escolhas e ser respeitadas por elas”

Achamos que este é um direito fundamental que não deve ser referendado. As decisões mais importantes da nossa vida cabem a nós e não a outros. Tenho o mais profundo respeito por todas as convicções nesta matéria mas não me parece que umas convicções devam impor-se sobre as outras. Do que se trata neste debate é de garantir que o Estado reconhece o direito a todas as convicções sobre esta matéria e à decisão da própria pessoa sobre uma escolha que é um direito fundamental. O nosso projeto de lei não está ainda apresentado, e o que tem vindo a ser discutido é que perante um sofrimento intolerável e uma lesão irreversível se as pessoas devem ser obrigadas a prolongar esse sofrimento inutilmente. Ou, por outro lado, devem poder escolher. E a questão é só essa. Se faz sentido proibir e criminalizar essas escolhas ou se, por outro lado, temos um quadro jurídico que respeita a autonomia das pessoas. É evidente que uma legislação sobre este tema é algo complexo e que tem que ser extremamente cuidadosa. Mas é justamente em nome do cuidado que devemos uns aos outros que me parece que o Estado não deve impor sobre os indivíduos o prolongamento do sofrimento nessas circunstâncias. Para mim isso não faz sentido. As pessoas que assim o entendam devem fazer as suas escolhas e ser respeitadas por elas. Penso também que esta não é a causa de um partido. Tem que ser uma causa de todas as pessoas que não querem que o Estado autoritariamente imponha uma moral particular. Penso que em todos os partidos haverá gente sensível a esta problemática e espero que se encontre uma maioria para que se possa legislar sobre isto ainda nesta legislatura. No Bloco é uma discussão que temos vindo a fazer há muito tempo e sobre a qual fomos maturando uma posição coletiva.