Margrethe Vestager: “Decisão terá consequências políticas muito fortes”

Bruxelas e Dublin têm um diferendo sobre impostos da Apple

A Comissão Europeia diz que a Irlanda está a trabalhar para cobrar os 13 mil milhões de euros que a Apple tem por pagar em impostos.

No ano passado, após uma longa investigação, a Comissão Europeia calculou que a empresa norte-americana recebeu, da parte de Dublin, benefícios fiscais ilegais durante 11 anos. Dublin contesta o resultado da investigação e recorreu para o Tribunal Europeu de Justiça.

Mesmo com o recurso pendente, o “Estado é obrigado a cobrar o montante” uma vez que “não pode compensar o contribuinte”, explica Ana Paula Dourado, professora na Faculdade de Direito de Lisboa e especialista em direito fiscal europeu e internacional.

O prazo-limite para pagamento era 3 de janeiro e previa que o dinheiro fosse colocado numa conta separada até que houvesse uma decisão sobre os recursos – a Apple também recorreu.

“É algo complicado de fazer porque é uma grande soma e é necessário ver como se vai pagar. Portanto, compreendo que seja, naturalmente, complicado, que o assunto possa levar mais tempo a ser resolvido, que não se respeite o prazo”, disse a comissária europeia da Concorrência, Margrethe Vestager, que esteve em Dublin reunida com membros do parlamento irlandês.

A expetativa é que o processo, com os recursos, seja longo, e que quando houver uma decisão, na opinião de Ana Paula Dourado, “esta tenha consequências políticas muito fortes”. A catedrática considera que este é um processo que “levanta “questões políticas de relacionamento com as multinacionais” e que é “muito imprevisível”.

Recorde-se que a decisão da Comissão Europeia, além de Dublin – que considera que a sua soberania foi violada –, enfureceu Washington, que acusa a UE de apontar baterias às empresas norte-americanas nas investigações relacionadas com a concorrência.

A comissária defendeu a posição de Bruxelas, que conclui que os acordos entre Dublin e a Apple, ainda nos anos 1990, permitiram à empresa evitar o pagamento de impostos numa escala sem precedentes.

“A Comissão considera que houve um auxílio de Estado porque a taxa de 1% aplicada pela Irlanda à Apple é ‘seletiva’ – aplicada a um contribuinte determinado e muito mais baixa do que a taxa geral de imposto societário aplicada aos outros contribuintes”, elucida Ana Paula Dourado. “A Comissão está a considerar que é sempre obrigatório seguir o preço de mercado; senão, é auxílio de Estado”, acrescenta.

Investimento

A posição da Comissão assenta na regra internacional e europeia dos preços de transferência, que obriga as multinacionais a aplicarem o preço de mercado às transações dentro do grupo. O cálculo do preço de mercado exige comparação com “terceiros”, o que nem sempre é fácil, porque as transações dentro dos grupos revelam economias de escala.

Apesar da decisão de Bruxelas, o gigante tecnológico vai reforçar as suas atividades na Irlanda, onde os impostos para as empresas são dos mais baixos na UE.

A CE argumenta que o caso da Apple não tem nada a ver com os 12,5% de IRC na Irlanda. A base foram apenas os acordos entre a empresa e as autoridades tributárias irlandesas.

A partir de 5 de fevereiro, as operações do iTunes, Apple Music, App Store e iBooks Store, realizadas em mais de cem países, serão transferidas para Cork, cidade irlandesa onde a Apple já emprega mais de 6 mil pessoas. M. A.