As bruxas

Manuel Serrão disse esta semana não ser supersticioso, não acreditar «nem em galinhas enterradas nem em galinhas pretas» – aludindo ao vodu – e, por isso, face ao que aconteceu com o Sporting após a entrevista de José de Pina ao SOL e ao Benfica depois de Pedro Guerra ter sido entrevistado pelo mesmo jornal,…

Manuel Serrão disse esta semana não ser supersticioso, não acreditar «nem em galinhas enterradas nem em galinhas pretas» – aludindo ao vodu – e, por isso, face ao que aconteceu com o Sporting após a entrevista de José de Pina ao SOL e ao Benfica depois de Pedro Guerra ter sido entrevistado pelo mesmo jornal, o melhor era «o diretor José António Saraiva» não se lembrar de lhe pedir também uma entrevista. Pedro Guerra corrigiu-o, informando-o de que José António Saraiva já não é diretor do SOL. E, à sua maneira, Serrão emendou: «Pode não ser o diretor mas é lá o guru».

E a verdade é que, com graça, aceitou o desafio e arriscou dar mesmo uma entrevista a este jornal para a sua edição impressa semanal que sai precisamente no dia em que o FC Porto recebe o Sporting no Dragão (hoje) – o que prova que Serrão não acredita mesmo em galinhas enterradas ou pretas nem é supersticioso (logo à noite se verá o resultado).

De facto, embora Manuel Serrão seja pessoa culta e informada, José António Saraiva já não é diretor do SOL há mais de um ano. Não obstante o erro seja desculpável, porque o seu nome continua justamente a encimar o cabeçalho da edição impressa, por ter sido o seu primeiro diretor e o principal mentor da sua fundação e por, embora não diretor, continuar a exercer com empenho e dedicação as novas funções que lhe foram confiadas: conselheiro editorial.

Por coincidência, esta semana, uma organização internacional designada Freedom House – insuspeitável aos olhos da imprensa mundial – divulgou o seu relatório sobre o estado e o estádio de liberdade da Comunicação Social no ano de 2016.

Li, incrédulo, a sua apreciação referente a Portugal.

Então não é que, para a Freedom House, citada pela Agência Lusa de Informação (a agência de notícias portuguesa, onde me formei e da qual fui orgulhosamente quadro durante seis anos), expressa a sua «preocupação» com a crescente influência de Angola na Comunicação Social portuguesa e, em particular, com a Newshold, «detentora do SOL, entre outras publicações».

De facto é preocupante. Muito mesmo.

Desde logo, porque a informação é falsa: o SOL foi fundado em 2006 por um conjunto de acionistas que incluía o BCP, então presidido por Paulo Teixeira Pinto, a JVC de Joaquim Coimbra, a Imosider de José Paulo Fernandes e a Comunicação Essencial, de um grupo de jornalistas liderado por José António Saraiva; a este grupo haveria de juntar-se no ano seguinte a Cofina de Paulo Fernandes; e em 2009, meses depois da saída da Cofina, o BCP, a Imosider e a JVC alienaram as respetivas posições à Newshold, SGPS – empresa de direito português com capital angolano (que em 2012 haveria de concentrar-se na família Madaleno, sendo tornados públicos os nomes dos últimos beneficiários, os pais e três irmãos Madaleno, sendo que o mais exposto publicamente usa o apelido Sobrinho); e, em 16 de dezembro de 2015, na sequência de reunião plenária havida em 30 de novembro imediatamente anterior (profusamente divulgada na Comunicação Social e na web), a Newshold anunciou o fim da edição dos dois títulos pelas suas participadas, tendo cedido os títulos SOL e i e respetiva edição à Newsplex, empresa criada para assegurar a continuidade dos projetos SOL e i e de capital social integralmente detido pelo seu diretor – eu próprio.

A Newsplex é, desde então, um projeto jornalístico sustentado e sustentável pelo produto da sua operação – venda dos jornais impressos em banca e exploração comercial multiplataforma –, tendo resistido aos primeiros meses de natural quebra de confiança do mercado através do esforço e sacrifício pessoal e familiar do seu acionista único e de toda a equipa que diariamente planeia e produz o SOL e o i nas suas diferentes plataformas. E, muito também, pelo investimento de parceiros anunciantes que foram absolutamente fundamentais para que a Newsplex tenha cumprido o seu primeiro ano de existência com as suas obrigações perante o Estado regularizadas, sem dívidas a trabalhadores nem a fornecedores (a quem deve o agradecimento pela compreensão com alguns atrasos) e sem qualquer passivo bancário (exceção feita a também ocasionais operações de factoring).

Ora, sendo tudo isto transparente e público, e comprovável junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, nomeadamente no que respeita à preocupação manifestada pela Freedom House, impunha-se uma correção.

Porque, tal como a imprensa livre e independente não está isenta de cometer erros, mas tem por obrigação deontológica e legal proceder à respetiva correção, e assumir os erros que comete – sob pena de contribuir para a sua própria descredibilização –, a Freedom House, devidamente informada de tamanho e grosseiro erro, nada fez no seu site oficial ou no relatório mundialmente divulgado.

Lamentável.

Um projeto jornalístico como a Newsplex, que vive e depende apenas dos leitores (e anunciantes) que confiam no trabalho de um grupo de profissionais que faz jus à liberdade de informação e de expressão – com pluralismo tantas vezes criticado por quem, mesmo democrata, com ele não sabe conviver –, e que, apesar da sua juventude, começa a firmar-se como escola prática de formação de novos jornalistas e comentadores (são já vários os que aceitaram outros desafios noutros meios e grupos de Comunicação Social) – esperava naturalmente ser apoiada por organizações que pugnam pela Liberdade do Jornalismo. E não o contrário.

Embora, como Manuel Serrão, não seja supersticioso, a verdade é que, perante relatórios como este da Freedom House, acredito cada vez naquela máxima dos espanhóis: Yo no lo creo en las brujas, pero que las hay… las hay!