Os pirómanos de serviço…

Cumprido o primeiro ano de mandato presidencial, Marcelo Rebelo de Sousa achou que devia explicações ao país, após conceder uma entrevista à SIC, quase em jeito de monólogo, como se fosse a reposição das suas charlas dominicais, com guião partilhado.

E fê-lo a pretexto do lançamento do primeiro livro evocativo da sua atividade em Belém, ou tendo, pelo menos, o palácio cor-de-rosa como epicentro de um frenesim de intervenções, intercaladas por visitas de Estado, umas mais explicáveis do que outras. 

A apetência por este tipo de balanços não é incomum nos inquilinos de Belém, como memória justificativa do que fizeram ou utilizando os prefácios, consoante as circunstâncias, para distribuir recados para consumo imediato pelos media. 

Com Marcelo teria de ser diferente. E foi, com o regresso ao espaço que lhe serviu de (discreta) sede de campanha, ainda candidato presidencial, aproveitando o encontro com os jornalistas para corrigir os mal-entendidos da entrevista televisiva e temperar os receios de quem acha que ele anda «com o Governo ao colo».

Mas não é isso o que verdadeiramente importa, embora seja sempre relevante conhecer os ‘estados de alma’ de Marcelo, e confiar que estes não se confundam com a lenda da imensa bondade da Rainha Santa, que ficou célebre pelo ‘milagre das rosas’ em janeiro…

 

Que país somos e que futuro próximo nos aguarda, no meio da turbulência que se adivinha nos vários tabuleiros internacionais? 

Marcelo Rebelo de Sousa procura desvalorizar os sinais. Fá-lo de uma forma incansável, quase diariamente. É um otimista. Mas o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda prometem empenhar-se em dois projetos suicidas: sair do euro e tirar Portugal da União Europeia. Os pregadores desta ‘morte assistida’ já estão ativos. 

Perceba-se o que ambos andam a doutrinar, sob a capa de um soberanismo tardio, de braço dado com a ficção do «Não pagamos!» e de outras leviandades.

O PCP já promete a rua, tendo como pano de fundo as festividades comemorativas do centenário da revolução bolchevique de Outubro, enquanto o Bloco – que é uma esquerda de salão – ocupa os media. 

Quando um jornal supostamente de referência promove duas longas entrevistas com Catarina Martins em menos de meio ano, ou tem falta de assunto ou é caso para desconfiar da caridade  dos seus critérios editoriais. 

 

Em agosto do ano passado, a coordenadora bloquista desfiava memórias adolescentes nas páginas do Público, numa espécie de entrevista de vida, e revelava, como se fosse politicamente casta e distraída: «Todos os dias me arrependo da ‘geringonça’».  

Em Janeiro, porém, declarou no mesmo jornal que «qualquer país deve estar preparado para sair do euro – ou para o fim do euro», enquanto na visita a um mercado citou a Cimeira de Lisboa para advertir, judiciosamente, que «este era o momento» de «rejeitar o Tratado Orçamental».

O discurso vai ao arrepio de tudo aquilo que António Costa defendeu na Cimeira. Mas que importa que um dos pilares parlamentares do Governo defenda o oposto do primeiro-ministro em exercício? Como se viu na TSU, é a coerência do Bloco a funcionar. E é com este luminoso pensamento que a ‘heroína’ de Louçã deslumbra o líder bloquista encoberto. 

O lastro de contradições entre a palavra de António Costa e a dos parceiros da coligação informal acaba por ser o combustível de que se alimenta a ‘geringonça’ – desavinda nas questões de fundo, mas unida nos ‘temas fraturantes’. E eles não faltam para entreter os media: eutanásia, mudança de sexo em menores, ‘barrigas de aluguer’, linguagem sexual explícita em livro recomendado para alunos do Secundário. Uma feira de virtudes…

Há um descaso irresistível entre a realidade do país profundo e as pretensas vanguardas iluminadas, frequentadoras das tertúlias do Bairro Alto ou da Bica. É o que temos. 

 

«Nada é eterno», lembrou Marcelo na inesperada conferência de imprensa que acompanhou a apresentação do livro sobre o primeiro ano de Presidência. Por isso, «o Presidente vai sempre criar condições para que o Governo seja forte e para que a oposição seja forte».

O pior é que, contrariando o seu pragmatismo, agrava-se a desconfiança dos mercados. A «reestruturação pacífica da dívida» já lá vai. Foi chão que deu uvas. Portugal paga juros mais caros a 10 anos, com a mesma conjuntura internacional que permite à Espanha e à Irlanda financiarem-se com taxas muito inferiores no mesmo prazo.

Uma coisa é certa: a apologia da saída da União Europeia e do euro já é patrocinada, às claras, por bloquistas e comunistas. Queira ou não, o Presidente terá por estes dias de pôr de lado os afetos e cuidar a sério da casa. Sem muitos sorrisos nem selfies. Antes que os pirómanos a incendeiem.  
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O Bloco e o Partido Comunista prometem empenhar-se em dois projetos suicidas