Reino Unido. Reis que desafiaram a esperança média de vida

Isabel II comemorou ontem os 65 anos de reinado. Foi a primeira a chegar a esta marca (com muitos momentos importantes pelo caminho), mas não a única a desafiar os padrões da sua época.

Jorge VI morreu a 6 de fevereiro de 1952. No mesmo dia, a sua filha Isabel, na altura com 25 anos, subiu ao trono britânico. Hoje, com 90 anos de idade e 65 enquanto rainha (comemorados ontem), Isabel ii celebra o jubileu de safira, a primeira monarca da história britânica a alcançar este feito.

No entanto, parte desta conquista deve–se não só aos bons genes da família real, mas também à evolução da espécie humana ao longo dos séculos – se compararmos a esperança média de vida com os anos de reinado de outros monarcas britânicos, percebe-se que, em proporção, alguns reis e rainhas lideraram o seu território durante tantos ou mais anos que Isabel II.

De acordo com dados do Eurostat, a esperança média de vida no Reino Unido é hoje de 81,4 anos (acima da média da União Europeia, 80,9). Estes valores têm vindo a aumentar ao longo dos últimos anos graças a uma série de fatores – grandes avanços científicos, descobertas fulcrais no mundo da medicina, melhorias nas condições de saneamento das habitações e dos espaços públicos, extermínio de pragas que assolavam a Europa, abolição da escravatura, desenvolvimentos tecnológicos determinantes e, no geral, uma melhoria do nível e da qualidade de vida dos cidadãos.

Tendo em conta todas estas condicionantes, a esperança média de vida em nada se comparava ao que é hoje. O economista britânico Angus Maddison faz referência na sua obra “Economia Mundial – Uma Perspetiva Milenar” ao facto de, há 1000 anos, a esperança média de vida rondar os 24 anos. Também o professor australiano H. O. Lancaster refere no seu livro “Expectations of Life” que, com base na observação de vários homens que compunham a aristocracia britânica no final da Idade Média, a esperança média de vida rondava os 30 anos. A Organização Mundial da Saúde refere no estudo “Health, history and hard choices: funding dilemmas in a fast-changing world” que, entre o século xvi e o início do século xix, a esperança média de vida em Inglaterra variava entre os 33 e os 40 anos de idade.

Em face dos dados recolhidos ao longo dos últimos anos, é possível concluir que houve outros reis britânicos que desafiaram a norma, vivendo (e reinando) mais do que era expetável. Aqui estão alguns exemplos.

Rainha Vitória
(1819-1901)

A trisavó de Isabel II era, até há pouco tempo, a monarca que mais tempo ocupou o trono britânico (63 anos e 216 dias). Vitória, nascida no início do século XIX, morreu com 81 anos. Tanto a idade com que faleceu como os anos em que foi rainha superam a esperança média de vida daquele tempo numa escala superior à de Isabel II: Vitória tinha mais 40 anos de vida e 25 de trono do que a esperança média da altura (ver texto de introdução), enquanto Isabel II tem apenas mais 9 anos de idade do que os valores em vigor hoje em dia. Graças à sua longevidade, aos seus nove filhos e aos 26 dos 42 netos que se casaram com outros membros de casas reais, Vitória ganhou a alcunha de “Avó da Europa”. A era vitoriana, como ficou conhecida a época em que reinou, ficou marcada por grandes avanços industriais, culturais, políticos e científicos, bem como pela expansão do Império Britânico – em 1877, Vitória autoproclama-se imperatriz da Índia. Nos últimos anos de vida, a rainha sofreu bastante com dores provocadas pelo reumatismo. Além disso, a sua visão também foi afetada por cataratas. Morreu a 22 de janeiro de 1901, em casa, acompanhada do filho, o futuro rei Eduardo VII, e do seu neto mais velho, o imperador Guilherme II.

Rei Jorge III
(1738-1820)

O avô de Vitória foi coroado rei da Grã-Bretanha e Irlanda aos 22 anos. Viveu até aos 81 e reinou 59 anos e 96 dias, numa altura em que muitos não passavam dos 30 e poucos anos de idade – viveu mais 50 anos do que a maioria dos seus súbditos. O seu reinado ficou marcado pela Guerra dos Sete Anos, a Guerra de Independência dos Estados Unidos e a ascensão e queda de Napoleão Bonaparte em França. Jorge III vivia com um transtorno mental, o que fez com que o seu filho Jorge assumisse o papel de príncipe regente. Alguns defendiam que este problema era um sintoma de porfiria, um distúrbio que se manifesta através de problemas de pele e/ou neurológicos. Diz-se que o rei chegou a falar horas sem parar, deitando espuma pela boca. Os tratamentos para este problema eram primitivos e os médicos chegaram mesmo a amarrar o monarca até que este se acalmasse. Chegou a um estado de demência tal que não compreendia que, em 1814, tinha sido declarado rei de Hanôver e que, quatro anos depois, a sua esposa, Carlota de Mecklemburgo-Strelitz, tinha falecido. Morreu a 29 de janeiro, seis dias após a morte do seu quarto filho, Eduardo.

Rei Jaime VI e I
(1566-1625)

Este homem foi coroado Jaime VI da Escócia e Jaime I de Inglaterra e Irlanda após a união dos reinos. Viveu 58 anos e reinou 57 anos e 246 dias, depois de ter subido ao trono com apenas 11 meses de idade. Tendo em conta que, no século XVI, a esperança média de vida rondava os 33 anos, Jaime ultrapassou o “limite” por uma larga margem. Foi durante o seu reinado que grandes nomes da literatura anglo-saxónica floresceram – William Shakespeare, Ben Jonson e Sir Francis Bacon são alguns deles. Era um rei adorado pelo povo, pois durante a sua liderança houve um tempo ininterrupto de paz e impostos baixos. No entanto, há quem defenda que, devido às suas políticas absolutistas e irresponsabilidades financeiras, Jaime terá tido uma forte influência na guerra civil inglesa (1642-1651), que opôs forças leais à coroa, lideradas pelo seu sucessor, Carlos I, e parlamentares, comandadas por Oliver Cromwell.

Rei Henrique III
(1207-1272)

Henrique III, rei da Inglaterra, lorde da Irlanda e duque de Aquitânia, viveu 65 anos e governou 57 anos e 264 dias. Tendo em conta que, no século XIII, a esperança média de vida era muito baixa – muitas pessoas das classes mais baixas não tinham sequer a hipótese de chegar aos 30, defendem alguns historiadores –, o reinado de Henrique é visto como algo extraordinário. Era raro viver-se para lá dos 40 anos, quanto mais governar 57… Subiu ao trono quando tinha apenas nove anos, no meio da primeira Guerra dos Barões, um conflito que opôs barões rebeldes à coroa. Ficou conhecido por ser um rei que dedicava muito do seu tempo à religião: organizava grandes cerimónias, fazia grandes doações a organizações de caridade e era devoto à figura de Eduardo, o Confessor, figura que adotou como padroeiro. Ficou também conhecido por retirar grandes quantias de dinheiro aos judeus, fomentando a segregação da comunidade. O final do seu reinado ficou marcado pela segunda Guerra dos Barões, outro conflito que deixou o território numa grande instabilidade política e financeira. Morreu em 1272 e o seu caixão ainda hoje está guardado na Abadia de Westminster.

Rei Eduardo III
(1312-1377)

Eduardo de Windsor (como era conhecido) subiu ao trono quando tinha 14 anos. Viveu 65 e liderou o seu reino durante 50 anos e 147 dias. Este é mais um caso em que a coroa desafiou a esperança média de vida da altura, principalmente se tivermos em conta que, nessa época, a Europa estava a ser devastada pela Peste Negra – estima-se que esta praga tenha matado cerca de 75 milhões de pessoas em todo o continente (cerca de metade da população europeia da altura). Foi Eduardo III que iniciou a Guerra dos Cem Anos, uma série de conflitos armados que opôs a Inglaterra e a França (com os respetivos aliados) e que moldou a vida económica, política e social no resto da Europa. Eduardo III não tinha uma boa relação com o seu filho primogénito, Eduardo, mas diz a lenda que, quando este morreu, o pai não conseguiu conter as lágrimas e viveu o resto dos seus dias numa profunda melancolia. Morreu um ano depois do filho. De velhice e, dizem, de desgosto.

Rei Guilherme I da Escócia
(1143-1214)

Guilherme nasceu em 1143, no ano em que se dá a independência de Portugal. Viveu 71 anos (o que, para a altura, era considerado um feito) e reinou 48 anos e 360 dias. Depois da sua morte, ficou conhecido como “O Leão”, devido à sua tenacidade e ao seu espírito militar. Esta alcunha veio do símbolo que transportava na sua bandeira durante as batalhas – um leão vermelho. Durante um período de guerra com Inglaterra, Guilherme foi capturado por Henrique II de Inglaterra. Em troca, teve de ceder parte do seu reino – mais tarde conseguiu recuperar o território perdido. Teve o segundo reinado mais comprido da história da Escócia (depois de Jaime I) e, apesar de o seu casamento ter sido arranjado e de não ter sido bem-sucedido, conseguiu deixar vários filhos – duas das suas descendentes viriam a casar com os filhos do conhecido rei inglês João Sem Terra.

D. João I. O homem que reinou mais tempo em Portugal

Temos uma longa história ligada à monarquia, mas nenhum rei português reinou tantos anos quanto Isabel II (ou até mesmo quanto a rainha Vitória ou o rei Jorge III). Ao contrário do que se pensa, o reinado de D. Afonso Henriques não foi o mais longo: o rei que governou mais tempo Portugal foi D. João I, que envergou a coroa durante 48 anos (1385-1433). “O de Boa Memória”, como ficou conhecido, foi o primeiro monarca português da Casa de Avis. O seu reinado ficou marcado pela Batalha de Aljubarrota contra o reino de Castela e a conquista de Ceuta, um ponto estratégico que viria a ser essencial para a expansão marítima portuguesa, período que viria a ser conhecido como os Descobrimentos. D. Afonso Henriques, fundador de Portugal, aparece no segundo lugar da lista, com um reinado de 46 anos (1139-1185). Tal como o seu antepassado,
D. Dinis também ocupou o trono durante 46 anos (1279-1325). O quarto lugar é ocupado por D. João V (44 anos de reinado, entre 1706 e 1750) e D. Afonso V (43 anos de reinado, entre 1433 e 1481).