O mistério do défice

O défice de 2,3% é um ótimo resultado, ainda que não possa ser dado como definitivo.

Basta olharmos para o histórico dos défices anuais para vermos as correções a que têm sido sujeitos, geralmente para cima, às vezes muito tempo depois.

Curiosamente, houve uma correção para baixo – relativamente a 2015 – mas só foi feita recentemente. Ficou nos 3% em vez de 3,2% (e o crescimento do PIB passou de 1.5% para 1.6%).

Até por isto, foi um tanto ou quanto ridículo ver o Presidente da República referir-se ao tema, dizendo que a intuição lhe diz que o défice ainda poderá ficar umas milésimas abaixo dos 2,2%.

Tudo o que se diga nesta altura sobre o assunto é gratuito.

Só daqui a uns meses se saberá o valor  certo.

Entretanto, é óbvio que não se chegou a este resultado com o Orçamento que foi aprovado pelo Parlamento.

Como todas as instituições responsáveis disseram, com o OE para 2016 apresentado por Mário Centeno não se conseguiria obter aquele número.

Tal foi possível através de uma série de expedientes, uns conhecidos, outros menos conhecidos.

A despesa pública aumentou significativamente, o que era previsível tendo em conta as reversões; portanto, para a compensar, foi necessário cortar noutras rubricas e aumentar bastante a receita.

Nesse sentido, houve cortes brutais no investimento público, houve cativações (que atingiram, por exemplo, o SNS), houve receitas extraordinárias do perdão fiscal, houve subida de impostos, de taxas e de multas.

Discute-se muito se os impostos aumentaram ou não.

Ora, aqui não interessa discutir ‘em teoria’.

Uma coisa é evidente: se a receita fiscal subiu – atingindo o número gigantesco de 40 mil e duzentos milhões de euros –, o Estado cobrou à sociedade mais dinheiro em impostos. 

Ou seja, subtraiu mais dinheiro à economia.

Desde as cobranças fiscais ‘normais’ às receitas provenientes do perdão fiscal, passando pelas cativações, pelos cortes no investimento, pelas multas e novas taxas, etc., tudo isso foi dinheiro retirado à economia para alimentar o monstro Estado.

Não admira, por isso, que o crescimento tenha sido tão esquelético.

E aí reside o maior crime da ‘geringonça’.

Em vez de o país caminhar para um Estado mais leve, mais flexível, com menos peso, menos despesa, menos encargos, menos riscos, caminhou no sentido oposto – para um Estado mais pesado, mais gordo, com mais despesa e mais fatores de risco.

E isso aconteceu, em parte, para satisfazer o PCP e o BE.

Por isso, esta fórmula governativa está errada e vai ser muito prejudicial ao país.

Mas, voltando ao défice, mesmo contando com todos os ‘truques’ e ajudas, os números apresentados levantam dúvidas.

A questão é esta: como se explica o facto de o défice ser tão baixo e a dívida pública ter crescido tanto?

Resultando a dívida essencialmente do défice – isto é, do diferencial entre a receita e a despesa do Estado, que é preciso cobrir com empréstimos –, como entender que a dívida continue a crescer a um ritmo tão elevado, tendo o défice caído bastante?

Há aqui uma história mal explicada.

Alguns economistas aventam a hipótese de certas despesas serem lançadas diretamente na dívida, sem passarem pelo Orçamento.

Não sei como isso se faz.

O facto é que a dívida portuguesa é hoje a segunda mais alta da União Europeia (133,4% do PIB), a seguir à da Grécia.

E no terceiro trimestre do ano passado (o tal do ‘milagre económico’ português) a dívida portuguesa foi a terceira que mais cresceu entre os Estados-membros (2,9%), a seguir à Grécia e à Lituânia.

Adiante-se, como exemplo, que a dívida da Irlanda diminuiu 8,5%, a da Holanda 4,3% e a da Hungria 3,2%.

Enquanto uns diminuem a dívida, outros – como Portugal – aumentam-na.

O fosso entre Portugal e a Irlanda, nesse terceiro trimestre, foi de 11,4%.

É por isso que os nossos juros sobem.

Neste contexto, o baixo valor do défice surge como um mistério por explicar.

Mas ainda bem.

Até porque, se houver algum expediente menos ortodoxo, a Europa fechará os olhos – pois a última coisa que a UE deseja nesta altura é um problema em Portugal.

P.S. – Quando os meus filhos eram adolescentes, sempre que contestavam uma proposta minha – por exemplo, sobre uma viagem de férias – eu perguntava-lhes: «Alternativas?». E normalmente verificava-se que as alternativas não eram melhores do que a ideia inicial. Passos Coelho deveria  ter feito a mesma pergunta aos que, no PSD, não queriam Assunção Cristas. Mas não fez. E agora o PSD anda à procura de nomes – e não os encontra. O erro está à vista.