A direita ameaçada

A ideia de que a eleição de Donald Trump foi uma vitória da Direita americana contra a Esquerda (admitindo que um Partido Democrata representado por Hillary Clinton é esquerda) é tentadora mas é, além de irrelevante, errada. Irrelevante porque se fosse apenas isso, a derrota da esquerda pela direita, não era mais do que o…

É a vida, como diria o Secretário-geral das Nações Unidas. E a esquerda europeia em fúria contra um presidente republicando não é, exactamente, inédito. Mas a ideia de que, no essencial, a esquerda perdeu é, sobretudo, errada. Ou, dito de outro modo, claro que a esquerda perdeu, mas a direita moderadamente conservadora e economicamente liberal também. Com uma enorme e grave diferença: não chegou a ir a votos (na verdade, nem sequer nas primárias republicanas), não teve nem se sabe se tem voz. 

A tentação de dizer que, para lá do folclore indecoroso, Trump tem muito de esquerda é razoavelmente justificada. Na economia, o novo presidente aposta em teses que muitos neo-keynesianos não desdenhariam, como se viu no discurso de vitória, no dia das eleições: “vamos reparar o interior das nossas cidades, reconstruir as nossas auto-estradas, pontes, túneis, aeroportos, escolas, hospitais. (…) e vamos empregar milhões de americanos a fazê-lo”. Ou, como entretanto tem defendido: despesa pública em infraestruturas, recuperar o poder de compra da classe trabalhadora, proteger os empregos nacionais contra a deslocalização e as importações baratas e promover o consumo interno. Claro que em quase tudo o resto – dos imigrantes aos muçulmanos, às mulheres ou ao tom, as divergências com a esquerda são óbvias. Mas há, ainda assim, pontos de contacto com o discurso anti-sistema da esquerda radical do Partido Democrata representada por Bernie Sanders.

Tudo isto para dizer que Trump derrotou a candidata de esquerda (por assim dizer) mas não foi a vitória da direita liberal, mesmo tendo sido eleito pelo partido que a deveria representar. E esse é um dos maiores problemas que a sua vitória apresenta. Os democratas moderados perderam, mas fizeram-se ouvir. A direita moderada não. 

O argumento principal dos liberais clássicos e conservadores moderados é que à medida que o mundo se abriu, se fez mais comércio, quando o Estado interfere menos, a liberdade individual avança e o mundo, em geral, fica melhor. Os liberais clássicos e conservadores moderados acreditam na globalização. E num mundo global, os países isolam-se menos e os Estados têm menos poder. É impossível ser-se orgulhosamente só e global.

Este discurso, porém, foi derrotado na América, a sua pátria no tempo de Goldwater e Reagan; está em crise no Reino Unido, onde uma grande parte do eleitorado votou Brexit por razões que Thatcher abominaria; e está em risco em vários países. Merkel, em Berlim, eventualmente Fillon – ou Macron – em França e, em parte, Rajoy são quase cavaleiros solitários de um mundo em que muitos acreditaram quando o Muro de Berlim caiu. 

Os eleitores de Trump, do Brexit, de Le Pen, da AFD acreditam que vivem e vão viver pior, por causa de políticos venais e imigrantes ou trabalhadores baratos do resto mundo. E em parte têm razão. Há muita corrupção e muita concorrência. Mas, como explica um investigador sueco, Johan Norberg, em Ten Reasons to Look Forward to the Future, em 1820, 94% da humanidade subsistia com menos de 2 dólares diários (valores actuais). Em 1990 só 37% da população mundial vivia assim, e em 2015 eram já só 10%. O Mundo está, de facto, muito melhor.

Se Trump for o que parece que é, se os britânicos voltarem a votar pelos mesmos argumentos, se Le Pen chegar em força à segunda volta, se a extrema-direita crescer nos subúrbios da Alemanha, quem vai falar em nome de uma direita economicamente liberal e moderadamente conservadora e dos seus benefícios? A direita moderada está em perigo.​

 

Opinião de Henrique Burnay