Cristóvão Norte. O backbencher do PSD diz que o futuro não chega

Para Cristóvão Norte, dizer que a geringonça ia cair “amanhã” fez com que cada dia que Costa continuasse primeiro-ministro fosse uma vitória para o PS. O deputado social-democrata não é “próximo nem distante de Passos”

Chovia, mas os aguaceiros não incomodavam Cristóvão Norte. O deputado do Partido Social Democrata também continuou sereno enquanto o carro quase escorregava entre a estrada de pedra e as linhas do elétrico de Santos-o-Velho.

É um backbencher. Senta-se na fila de trás da bancada do seu grupo parlamentar e isso, como a chuva, não parece incomodá–lo. “É uma honra ser deputado; é algo de que gosto muito”, diz. Não se confessa nem próximo nem distante da atual direção de Pedro Passos Coelho.

Cristóvão partilha o nome próprio, as origens e o ofício com o pai, que fundou o PSD/Faro nos tempos de Sá Carneiro e inaugurou a festa do Pontal, que é património costumeiro do partido. Cristóvão Norte [sénior] foi deputado mais do que uma década e o legado continua bem vivo naquele parlamento.

“O meu pai era e ainda é a minha referência, mas jamais me incentivou a seguir vida partidária, antes pelo contrário… O que não quer dizer que não me tenha incentivado à participação cívica, mas são planos diferentes.”

No PSD de hoje, conta, “há tendências ideológicas menores”. Há, por outro lado, grupos etários. “No PSD, as pessoas estão mais agrupadas por idades, por tempos – em alinhamento geracional –, do que por ideias ou programas. Pelo menos, agora.”

A sua preocupação vai, todavia, para outro ponto. “Se só nos preocuparmos com o futuro e nos esquecermos de ter uma ideia de presente para dar às pessoas, vamos ser penalizados”, adverte, segurando finalmente o apoio da porta do carro perante uma curva mais apertada. “Não nos serve de nada pensar no Portugal de 2027 se não conseguirmos governar para o Portugal de 2017. É um equilíbrio difícil, sobretudo para quem teve de ser tão responsável quanto nós.”

Da Formosa

Chegamos ao restaurante e a tempestade prossegue. A sorte deixou um lugar de estacionamento em frente à porta da peixaria e os guarda-chuvas ficaram no carro. “Damos uma corridinha.”

À entrada sacudimos os sobretudos e temos mesa junto à grelha. Norte aperta a mão ao cozinheiro e olha para a montra do marisco. “As amêijoas são da ria Formosa ou não?”, veio o sul ao de cima.

Sentado, regressa rapidamente à política, com pão e manteiga a acompanhar.

“Esta solução de governo [a geringonça] pode estar cheia de incongruências e problemas, mas antever-se que ia cair ‘amanhã’ – que estava condenada no curto prazo – fez com que cada dia que António Costa continuasse primeiro-ministro pudesse ser interpretado como uma vitória para o Partido Socialista”, analisa, já com a dourada dividida e escalada para dois.

“Vejo este governo bloqueado, sem ímpeto reformista. São mais as matérias que os dividem que aquelas que os unem. É um governo minoritário, ao contrário do que assumiram, e convém renovar os votos.”

Depois do vaticínio, pediu o azeite. O molho das amêijoas ficou, as conchas vazias foram.

Défice, Mortágua e Trump

Mas o algarvio, embora satisfeito com a conversa cheia e o bom prato, não ameniza o tom rumo ao PS.

“Acho muito importante que seja o João Galamba a escrever um artigo de opinião que explique que este governo teria um défice de 2,8% sem as medidas adicionais [como cativações e perdões de dívida] porque isso, na verdade, prova que o défice de 2016 seria igual ao défice de 2015, durante o governo do PSD e do CDS”, revela, ajeitando o guardanapo no colo. “O mero efeito da economia reduz o défice. Estão a gabar-se de algo para o qual muito pouco contribuíram.”

Sobre a ordem interna da aliança das esquerdas, aquilo que realmente intriga Cristóvão Norte é “que contrapartida teve o Bloco de Esquerda para Mariana Mortágua não ser candidata nas eleições autárquicas deste ano” – com a estrela bloquista a tentar uma câmara, os socialistas seriam obrigados a suar para uma vitória.

A dourada está nas últimas núpcias, já havendo mais espinha que lombo. Após elogio às batatas esmurradas, atravessamos o Atlântico.

“Sou fascinado pelo processo das eleições norte-americanas. Acompanho de perto.”

E Donald Trump, trata-se de um populista? Antes de responder à questão, recusamos sobremesas e pedimos dois cafés.

“O termo ‘populista’ tem uma latitude semântica similar ao termo ‘neoliberal’. Toda a gente o usa e já ninguém sabe para quê”, torna Norte.

Sobre Trump, vê um argumento “identitário e nacionalista” que, à exceção disso, é “quase keynesiano” do ponto de vista de investimento público e infraestruturas.

“Não é por acaso que 27% dos democratas que votaram nas primárias acabaram a votar Donald Trump, se a isso somarmos a visão protecionista”, atenta também.

Cristóvão teria votado em Marco Rubio, um republicano, “equilibrado e moderado no plano económico”.

 

Os muros Terminamos sem nada à mesa, com a toalha de linho branco notavelmente órfã de nódoas, sobre o país e a política.

“Sabe, é que as pessoas passam a vida a escrever sobre o muro que foi abaixo entre o centro e a esquerda [com o acordo parlamentar do PS com o Bloco e o Partido Comunista], mas esquecem-se que esta solução de governo levantou outro muro, um muro que divide o centro. E esse não vai embora tão cedo.”

Lá fora, continuava a chover.