Aborto: Dez anos da vitória do ‘sim’

A 11 de fevereiro de 2007, os portugueses votaram a despenalização do aborto no segundo referendo da história do país. Desde então, foram feitos 160 mil abortos legais por opção da mulher. Mas continua a haver casos na Justiça.

Passam-se este sábado dez anos do referendo que deu a vitória ao sim pela despenalização do aborto por opção da mulher. A abstenção elevada, de 54,4%, obrigou o Parlamento a votar a lei que viria a permitir a interrupção da gravidez até às dez semanas de gestação. Desde então, foram feitos 160 mil abortos ‘legais’ nestas condições e o número até tem estado a baixar. Em 2015, último ano com dados disponíveis, registaram-se 15.873 interrupções da gravidez até às dez semanas, uma diminuição de 1,9% face ao ano anterior. Foi em 2011 que se registou o recorde: 19.921 abortos por opção da mulher nos hospitais públicos e clínicas privadas do país.

Antes da despenalização as estimativas da Organização Mundial da Saúde apontavam para 20 mil abortos clandestinos todos os anos. A lei, que a partir de 1984 permitia o aborto apenas quando havia risco de vida para a mãe, malformações do feto ou violação, determinava prisão até três anos. 

Dados fornecidos ao SOL pelo Ministério da Justiça revelam que, entre 1997 e 2006, foram registados 312 crimes e 33 condenações por aborto ilegal. O caso mais mediático aconteceu na Maia, em 2001, quando uma enfermeira foi condenada por mais de cem abortos ilegais. Das 17 mulheres levadas a julgamento, apenas duas – as únicas que falaram em tribunal – foram condenadas.

Apesar da despenalização e de todos os dados indicarem que o aborto clandestino será agora residual, a informação do Ministério da Justiça indica que, desde a despenalização, foram registados 98 crimes relacionados com aborto fora da lei. Entre 2007 e 2015 foram condenadas 22 pessoas. 

Aborto continua a dividir

Se o balanço das autoridades de saúde é positivo, com destaque para o reforço do planeamento familiar – 95% das mulheres que recorrem à interrupção da gravidez acabam por adotar, depois, métodos contracetivos – o tema continua a dividir. A Federação Portuguesa pela Vida organiza hoje um encontro, pelas 10h, na Associação Comercial de Lisboa. O encontro visa discutir a realidade nacional em função dos dados do aborto e também a queda da natalidade. Uma análise dos dados oficiais do aborto por esta organização considera que a despenalização do aborto é um flagelo para as famílias numerosas: a probabilidade de um terceiro filho ser abortado por opção da mãe é quase três vezes superior à de um primeiro ou segundo filho.

Além disso, avisam, o peso das repetições do aborto tem vindo a aumentar todos os anos. Em 2015, os últimos dados disponíveis, 70,1% das mulheres nunca tinham abortado, o que significa que um terço já tinham feito uma interrupção da gravidez antes. Em 2008, o primeiro ano com dados completos depois da despenalização, apenas 19,7% das mulheres que abortaram já tinham recorrido anteriormente à interrupção voluntária da gravidez. 

Os dados da Direção Geral da Saúde revelam que um quinto das mulheres que abortam estavam desempregadas. A interrupção da gravidez é também mais frequente entre as mulheres que não vivem com os pais das crianças.
Ainda assim, do ponto de vista da saúde pública, o balanço é positivo. Investigadores do Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde concluíram que se no passado a maioria do abortos clandestinos levava as mulheres aos hospitais por complicações como perfurações do útero, hoje apenas 10% dos abortos legais exigem internamento.