Com Papas e Bolos

A questão não é inédita e explica-se pela proximidade de outro ciclo eleitoral. Pouco importa se há professores a mais e alunos a menos, ou se o reforço do pessoal nos hospitais e tribunais não melhorou os cuidados de saúde nem a celeridade da Justiça.

O mundo mudou. A evolução tecnológica alterou radicalmente os modelos e o mercado de trabalho, criando novas especialidades profissionais, mas sacrificando também muitos empregos tradicionais. O paradigma é outro. 
O conceito do ‘emprego para a vida’, que fez carreira no século passado, foi substituído pela lógica da mobilidade, ativa e descomplexada, assente na competição por mérito, remetendo para o baú das inutilidades a ideia peregrina do ‘salário igual para trabalho igual’, um hino à preguiça.

Esta moldura conceptual, matriz dinâmica das sociedades modernas, instalada há muito no setor privado, raramente se aplica na administração pública, onde imperam as forças imobilistas, com o PCP e o Bloco de Esquerda à cabeça, para quem os chamados ‘precários’ têm de ser integrados à força.
A questão não é inédita e explica-se pela proximidade de outro ciclo eleitoral. Pouco importa se há professores a mais e alunos a menos, ou se o reforço do pessoal nos hospitais e tribunais não melhorou os cuidados de saúde nem a celeridade da Justiça. O ideal para as esquerdas é que o Estado absorva qualquer ‘precário’, mesmo que não precise dele. 

A narrativa impressiona: segundo um relatório recente, há mais de 100 mil ‘precários’ ao serviço do Estado. Este número é um susto quando somado aos 658 459 funcionários apurados pela Pordata em 2015 (estimativa provisória), dos quais 501 852 na administração central, 146 834 na administração regional e local e os restantes nos fundos da Segurança Social.
Porém, em 2011 – o ano da última bancarrota à porta, com assinatura de Sócrates e do PS –, o total trepava aos 727 642. 
Contas feitas, terá havido uma diminuição significativa durante a vigência de Passos Coelho e da troika, o que as esquerdas querem agora reverter, com ‘juros de mora’… 

Salta à vista que é gente a mais. E que muitos ‘precários’ estarão a substituir absentistas crónicos. Em finais da década de 70, o número total de servidores do Estado – englobando a administração central, regional e local – rondava os 400 mil. E eram suficientes, apesar da informatização inexistente.
Ou seja, a máquina do Estado engordou, de então para cá, em mais de 50%, só em colaboradores permanentes, fora os ‘precários’. É um país funcionalizado.

Acrescem os reformados e pensionistas. O retrato divulgado pela Lusa, em maio de 2015, é expressivo: são mais de 3,59 milhões, dos quais mais de 613 mil cabem à Caixa Geral de Aposentações. Numa leitura comparada, o número de funcionários retirados está em vias de ultrapassar os ativos. 
Se somarmos ao funcionalismo público pertencente ao quadro os pensionistas e os reformados, conclui-se que mais de 40% da população depende do Estado! É um ‘monstro’, que António Costa quer cativar a beneficio da legitimidade que lhe falta nas urnas. 

Já esteve mais longe. E se a ‘política de afetos’ presidenciais se mantiver, o Governo perseguirá o único objetivo que tem por válido, que é vender a ‘paz social’ a troco do voto, para aconchego dos seus prosélitos.
A confirmar-se a integração de milhares de ‘precários’ onde já sobeja pessoal, incha o Estado-patrão, incha a despesa pública, incha a cobrança de impostos, incha o défice. E quem vier a seguir que feche a porta. 
No turbilhão em que a Europa se encontra, com os populistas a ganharem terreno, reforçados pelo Brexit e pela eleição de Trump na América, sobram os pregadores de ilusões. E o embuste. Desde o regresso ao escudo ao ‘orgulhosamente sós’. E com papas e bolos… Triste sina. 
                
Nota Negativa 1 – José Sócrates mostrou-se nervoso na improvisada conferência de imprensa que organizou, ladeado pelos seus dois advogados, quais jarrões decorativos. E fê-lo ao estilo de Trump. Este excomungou a CNN, e ele, os jornalistas do Correio da Manhã, sem direito a perguntas. Estranhamente, os demais jornalistas presentes não se retiraram, solidários. A recomendação aprovada e muito aplaudida no recente Congresso já é letra morta. As televisões continuaram impávidas, em direto, à hora dos telejornais. Moral da história: Sócrates continua a gozar de ‘tempo de antena’ e a solidariedade dos jornalistas serve para colorir congressos… 

Nota Negativa 2 – Quem tenha ouvido Marques Mendes na sua oração dominical da SIC poderá ser tentado a pensar que, afinal, o gravíssimo problema da Caixa ficou miraculosamente resolvido com a chegada da nova administração. Nem uma palavra para o descalabro das famosas ‘imparidades’ (cujos contornos são ocultados pelo Governo e pelo PS, PCP e BE, a bem da ‘salvação’ de gente conhecida, beneficiária de empréstimos ruinosos), nem sobre o levantamento do sigilo decidido pela Relação, nem sobre o bloqueio da comissão de inquérito pelas esquerdas. O ‘comentador’ anda ultimamente muito distraído…