Dortmund. Recordações da casa amarela

Fundado por causa de um padre chato, o adversário do Benfica levou com cinco bolas na madeira na última vez que esteve na Luz.

Dortmund. Recordações da casa amarela

Com licença do João César Monteiro, esteja lá ele onde estiver, mas a cor faz o título vir a propósito do próximo adversário do Benfica na Liga dos Campeões, já na terça-feira, no Estádio da Luz, pelas habituais 19h45 tão queridas da UEFA. Chama-se, de seu nome pomposo e completo, Ballspielverein Borussia 09 e.V. Dortmund. Ora batatas! É de fazer cãibras na língua. Borussia é a palavra latina correspondente a Prússia. Faz desde logo recordar os bigodes recurvos do Kaiser Guilherme II, peitos carregados de medalhas e botas de cano alto até aos joelhos. Borussia de Dortmund: primeiro clube alemão a conquistar uma taça europeia – Taça dos Vencedores de Taças, em 1966! Não falamos de nenhuns arrivistas, há que dizê-lo.

Clube antigo, nascido em 1909, tem a alcunha sonora de ‘Schwarzgelben’: não, não é nada de insultuoso, tão simplesmente os negros-e-amarelos. Os fundadores do Borussia de Dortmund formavam um grupo de jovens ferozmente irritados. Razão do incómodo: um padre de nome Dewald que queria controlo absoluto sobre os jogos disputados no Trinity Youth, o colégio que frequentavam e que estava ligado à igreja local. Um chato, enfim! Frequentadores habituais da cervejaria Zum Wildschütz, os irmãos Franz e Paul Braun, mais uns poucos de amigos, dedicaram-se a uma espécie de levantamento de rancho – começaram por proibir o prior de se intrometer nas suas reuniões etílicas. Não era lugar para um homem de batina! Quanto ao nome, foi adaptado de uma fábrica de cerveja próxima – era gente que não fugia ao seu bom copo! O equipamento inicial era às riscas verticais azuis e brancas, mas em 1913 surgiu o berrante amarelo. Cor que, na Alemanha, não tem muita procura. Lá diz a canção: «É tão cinzenta a Alemanha…».

Muito dinheiro emprestado

A vida do Borussia de Dortmund tem sido balizada por crises violentas. Em 2003, chegou mesmo a receber, por parte do seu maior rival desta década, o Bayern de Munique, um empréstimo de 2 milhões de euros para poder sobreviver. Cinzenta a Alemanha? Tem dias.

Mas voltemos atrás no tempo. Às recordações. Umas melhores do que outras. No tempo do infame III Reich, por exemplo, o Borussia foi um dito cujo exemplo. A reestruturação do desporto no país do sinistro Adolfo obrigou a que os dirigentes dos clubes fossem membros do Partido Nacional-Socialista. O presidente do Dortmund recusou-se. Foi preso. Vários membros da direção, também afastados, começaram a utilizar as instalações do clube para imprimirem propaganda anti-nazi.

A Bundesliga surgiu em 1963. Também ficou para a história: o Dortmund foi a última equipa a conquistar o Campeonato Alemão de Futebol, como se designava anteriormente (já tinha ganho em 1956 e 1957). 1966 foi ano de brilho intenso: vitória na final da Taça das Taças, frente ao Liverpool, após prolongamento (2-1), com golos de Siegfried Held e Reinhard Libuda. Pela primeira vez uma equipa alemã conquistava a Europa! Depois dela quantas outras…

Novembro de 1963

Adiantámo-nos. Queríamos agora falar aqui de 1963. O ano em que o Borussia de Dortmund veio à Luz para jogar os oitavos-de-final da Taça dos Campeões Europeus. Foi um jogo e pêras! Falemos dele no espaço que nos resta.

«A sorte grande saiu aos alemães!», berrava a manchete de um jornal português. Outro assinalava: «O Benfica ‘explodiu’ como nos seus grandes dias, impressionando fortemente, mas dos seus 38 remates executados só dois redundaram em golo e cinco esbarraram, com estrondo, nas balizas». Estávamos no dia 7 de Novembro de 1963. «Imbuídos da ‘mentalização europeia’, que os tornou distintos no futebol português, os benfiquistas deram uma admirável lição de brio e de querer ao produzirem lances em torrentes que só não derrotaram, impiedosamente, logo nos primeiros minutos, os combativos alemães, porque a sorte se recusou, com invulgar teimosia, em colaborar, fazendo em contrapartida um pacto secreto com os jogadores visitantes, sobretudo com o guarda-redes Tilkowski que, para além de ser um magnífico valor, deve ter tido, junto de si, uma fada invisível».

No final da partida, o treinador dos alemães, Hermann Eppenhof, estava aliviado: «Um clube como o Borussia só sai prestigiado por ter perdido por 1-2 com o Benfica. É certo que a sorte nos bafejou, mas esta faz parte de todos os jogos. E na primeira parte salvou-nos de derrota catastrófica».

A exibição do Benfica, nessa noite, foi demolidora. Trinta e oito remates, mas apenas dois golos, que surgiram só na segunda parte. O primeiro por Simões, logo aos oito segundos; o empate por Wosab, aos oito minutos; a vitória definitiva por Eusébio aos 13 minutos. O resultado final, 2-1, teria um custo dolorosíssimo na segunda mão, em Dortmund.

Os alemães reconheciam, todos eles, a tremenda superioridade do Benfica. O diretor-técnico do Borussia, Egog Petrus, declarava: «O Benfica é uma das melhores equipas que tenho visto. Este resultado aqui obtido, perante tão poderosa equipa, é um motivo de orgulho para mim e para os meus jogadores».

Voltemos ao jogo, e ao que em Portugal se escreveu sobre ele: «O confronto entre o que ocorreu em cada uma das partes indica que, na primeira, o Benfica podia ter vencido por 4-0 ou 5-0 e que, na segunda, o 2-1 se aceita como certo. (…) No primeiro tempo, o Benfica patenteou, além de febricitante ansiedade, um padrão técnico de excelente recorte, surpreendendo pelo número de remates logrados no meio da ‘floresta amarela’ onde o guarda-redes era árvore gigantesca». Cinco bolas nos postes do Borussia, condenaram, todavia, os encarnados a uma vitória escassa para a segunda mão, em Dortmund, onde Eusébio ficaria de fora por lesão. Eusébio, que além do golo decisivo atirara dois remates impressionantes nos postes de Tilkowski. Lajos Czeizler, treinador do Benfica, lamentava-se: «Devíamos ter ganho por 4 ou 5-1. O azar perseguiu a minha equipa». O azar perseguiria o Benfica na Alemanha. E sujeitaria os encarnados à sua maior derrota nas competições europeias até então. Perdidos num campo de neve, foram batidos por 0-5.