Espanha. Iglesias canoniza-se no Podemos

Venceu a linha esquerdista e combativa de Iglesias, perdeu a ala mais moderada de Iñigo. O PP pode ter motivos para sorrir.

Espanha. Iglesias canoniza-se no Podemos

Pablo Iglesias está canonizado na liderança do Podemos. No Congresso deste fim de semana venceu tudo o que havia a vencer, com largas margens e alta participação, oferecendo uma derrota pesada à ala mais moderada que até este domingo parecia ameaçar com mais seriedade a união do partido radical de esquerda, mas que agora se vê incontestadamente fragilizada. 

O secretário-geral do Podemos venceu tudo: renovou o mandato à frente do partido por mais quatro anos, ganhou nos votos aos quatro documentos em discussão e conseguiu maioria na nova direção, algo que Pablo Iglesias exigiu para prosseguir à frente do partido. “Unidade e humildade”, declarou Iglesias este domingo, dia em que ficaram conhecidos os resultados das votações online. 

Venceu o Podemos mais esquerdista e combativo de Iglesias, o que se aliou ao mais radical Izquierda Unida e está hoje em segundo lugar nas sondagens. Perdeu a visão mais moderada e pragmática de Íñigo Errejón, número dois e porta-voz parlamentar, a quem o líder acusava de querer transformar o partido numa espécie de ala esquerda do PSOE e a quem este domino restava pedir a Iglesias que respeitasse a “pluralidade” dos votos. 

Mas pluralidade houve pouca – ou menos do que a que se esperava –, o que deixa Iglesias surpreendentemente intacto na luta de poder que o afastou de alguns dos seus aliados mais próximos: o secretário-geral revalida o posto com quase 90% dos votos e domina 60% da nova direção. Votaram à volta de 150 mil pessoas, um terço dos militantes. 

Feridas Iglesias tem um mandato indiscutível, mas Errejón não se tornou subitamente irrelevante. A sua lista conquistou 37% da nova direção, o Concelho Cidadão, o que faz dele um importante decisor. A sua proposta de um Podemos que não se esvazie no protesto e ofereça soluções de governo mais ao centro – sobretudo num momento de governo minoritário do PP – continua muito acesa nas redes sociais, onde se travaram as batalhas mais violentas do Congresso. 

Iglesias e Errejón cumprimentaram-se este, ambos pediram unidade, mas não há quem duvide que o cisma entre os dois se mantém, o que, argumenta-se, pode acabar em nova disputa pela liderança. 

Por enquanto, os altos cargos do Podemos mantêm-se fiéis ao argumento de “unidade”, uma linha difícil de vender para quem testemunhou a contenda entre Iglesias e Errejón. “Um desengano, um exercício de endogamia e ambição particular que pretendeu dissimular-se diante os militantes”, escrevia o colunista Rubén Amón, no “El País”, onde descrevia a “paz fingida” dos dois dirigentes. 

O elo mais fraco é Errejón, que este domingo não se demitiu do cargo de porta-voz nem voltou atrás com a intenção de se dar como um contrapoder a Iglesias, que terá de decidir se o afasta da estrutura ou lá o mantém. “Estou convencido de que vai prevalecer a responsabilidade e que somos mais fortes quando conseguimos integrar”, diz Errejón. 

PP sorri? Rajoy pode ter motivos para sorrir, e não apenas por ter sido reeleito também este domingo no seu próprio Congresso com mais de 95% dos votos. Um Podemos na linha de Iglesias, mais combativo e menos disposto a aliar-se aos socialistas em guerra interna e terceiro lugar nas sondagens quer dizer para muitos que o Partido Popular tem o caminho aberto para se apresentar como a única força capaz de governar ao centro. 

“Nada convém mais ao presidente do Governo do que a proclamação de Iglesias como líder supremo”, escrevia Amón no ”El País”. “Porque é um antagonismo inofensivo em ambas as direções. Rajoy quer governar e Iglesias quer liderar a oposição.”