Marcelo gera revolta no PSD

A paciência dos sociais-democratas para a colagem do Presidente ao governo está a esgotar-se. A crítica mais dura veio de um dos seus principais apoiantes. Mas em Belém não se vai mudar nada na estratégia

Pedro Passos Coelho quer evitar entrar em polémicas com o Presidente da República, mas no PSD é cada vez mais indisfarçável o mal-estar com o apoio presidencial ao governo. Apesar de o líder se abster de comentar Marcelo, há cada vez mais vozes sociais-democratas que se levantam contra a gestão que Belém faz da relação com o governo.

Curiosamente, uma das críticas públicas mais duras contra o Presidente veio daquele que foi um dos seus maiores apoiantes no partido, José Eduardo Martins.«

Apoiante indignado

O facto de Marcelo ter dito estar à espera de ver “um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças” para deixar cair o apoio a Mário Centeno na polémica da Caixa foi a gota de água que fez José Eduardo Martins escrever um desabafo no Facebook que desenvolveu depois no “DN”.

“Quando me embaraça a mim, embaraçou a última pessoa do PSD que podia embaraçar… não porque tenha razão – é obviamente fácil perceber porque não tem –, mas porque esticou demasiado a estratégia de ‘conquistar os outros porque estes não têm remédio senão gostar de mim’”, escreveu José Eduardo Martins no Facebook, defendendo que “quando se exagera acaba-se numa penosa terra de ninguém”.

Apresentando-se como um dos maiores apoiantes de Rebelo de Sousa, o crítico da liderança de Passos interroga-se: “Quando eu não consigo apreciar, haverá algum dos que votaram nele que consiga? Duvido. E lamento.” Ao “DN”, Martins chegou mesmo a dizer que, com esta atitude, o Presidente “está a descredibilizar-se a ele e à função presidencial”.

Os mais próximos de Passos Coelho têm sido mais cautelosos, mas também não resistiram este fim de semana a criticar o Presidente. Em entrevista ao “SOL”, Marco António Costa confessou-se “algo perplexo” com declarações que “não parecem estar adequadas às circunstâncias e à realidade”.

Um dia depois, e ainda a propósito da polémica da CGD, Hugo Soares confessava ao “DN” que “as pessoas estão agastadas” com a colagem de Marcelo ao governo de Costa. “As pessoas não censuram que ele tenha uma posição institucional que não seja favorável ao PSD, mas censuram que vá muito para lá disso, parece o porta-voz do governo”, defendeu Hugo Soares.

Hoje, no i, Sérgio Azevedo junta-se ao coro de críticas sociais–democratas. “Mas o colo presidencial à exposição da mentira ao público e às instituições democráticas, e da negociata privada de assuntos públicos, reveste evidentemente um certo desajustamento factual e, porventura, uma considerável dúvida quando em confronto com os poderes de vigilância do normal funcionamento das instituições. A não ser, claro, que à custa de uma falsa estabilidade governativa tudo seja permitido”, escreve o deputado do PSD (ver pág. 30).

“José Eduardo Martins percebeu um incómodo que há no PSD”, aponta um destacado social–democrata que fala num ambiente generalizado de mal-estar com as atitudes do Presidente, mas garante que Passos não deverá assumir essa oposição a Marcelo. “A direção do partido sabe que basta deixar o Marcelo ser o Marcelo. Na ânsia de apoio ao governo, ele tropeça nele próprio”, defende a mesma fonte.

O ambiente de tensão entre os apoiantes do PSD e o Presidente nota-se nas redes sociais. O comentário crítico de José Eduardo Martins serviu de mote a grande parte das discussões dos sociais-democratas no Facebook este fim de semana, evidenciando a sensação de mal-estar.

Entre os próximos de Passos Coelho há quem garanta que o líder vai continuar a resguardar–se nesta matéria e quem veja no ataque de José Eduardo Martins um sinal de que a oposição interna percebeu que o seu discurso neste momento tem de ter outros temas, e não concentrar-se nas críticas ao líder.

Marcelo não vai mudar

Uma fonte próxima do Presidente desvaloriza, porém, o facto de um dos maiores apoiantes de Marcelo lhe fazer agora das críticas mais duras. “Não tem significado”, aponta, defendendo que o PSD tem de se concentrar é na oposição ao governo. “É um disparate um partido que está a cair nas sondagens estar a atacar o Presidente, que é o mais popular de sempre. É perder a noção de que o principal adversário é o primeiro-ministro”, critica a mesma fonte, lembrando que, quando Cavaco Silva apoiou José Sócrates no seu primeiro mandato, o PSD soube resistir à tentação de atacar publicamente o então Presidente da República.

É que, em Belém, a estratégia de demonstrar apoio ao governo não vai mudar uma linha. E isso ficou claro este fim de semana numa entrevista de Marcelo ao “El País” na qual o Presidente admitiu que o governo das esquerdas “superou todas as expetativas”.