EUA. Aprofunda-se a crise russa

Altos dirigentes da campanha de Trump contactaram com políticos e agentes de espionagem russos antes das eleições, agravando o estado de crise do novo governo

Mudam os dias e alteram-se ligeiramente as figuras, mas a agulha da suspeita em torno do novo governo americano continua apontada na mesma direção, ameaçando transformar-se em breve numa força paralisante, mesmo que ainda não tenha passado um mês desde que Donald Trump tomou posse. O “New York Times” revelou ontem que numerosos funcionários e dirigentes da campanha do novo presidente estabeleceram contacto com políticos e agentes dos serviços de espionagem russos antes das eleições e que o fizeram com uma intensidade tal que os investigadores se sentem alarmados com o que podem vir a encontrar, mesmo não havendo para já indícios de que a equipa republicana tivesse encomendado ou estivesse a par das operações informáticas contra várias plataformas democratas.

A notícia de ontem surge no pior momento da nova administração americana, contra quem se sucedem acusações e obstáculos a um ritmo sem precedentes. O governo está por estes dias fragilizado pela demissão do seu conselheiro para os assuntos de segurança nacional, Michael Flynn, que se afastou – ou foi forçado a fazê-lo, segundo a Casa Branca – no momento em que o “Washington Post” revelou que Flynn mentiu ao vice-presidente e público americano ao assegurar que não discutiu as sanções russas com o embaixador Sergey Kislyak, quando, na verdade, deu a entender num telefonema em dezembro que o governo de Trump seria mais brando com o Kremlin, violando uma lei que proíbe civis de fazerem diplomacia e possivelmente influenciando Moscovo – que não respondeu às últimas punições americanas.

O caso da demissão de Flynn só se tornou mais explosivo no início da noite de terça-feira – ainda a horas das mais recentes revelações do “New York Times” –, quando o porta-voz da Casa Branca confirmou as notícias que indicavam que Trump fora informado da mentira do seu conselheiro há quase um mês. Isso parece significar duas coisas que ontem alarmavam democratas e republicanos no Congresso: que o presidente norte-americano decidiu manter Flynn num cargo altamente sensível apesar de ele ter mentido ao país e de estar em risco de ser chantageado pelo Kremlin – que sabia do que fora discutido ao telefone –; e que, para além do mais, Trump optou por nada fazer enquanto o seu vice e outros dirigentes do seu governo repetiam às televisões a mentira do conselheiro.

É neste contexto que se inserem as revelações de ontem do “New York Times”, que só adensam a nuvem de suspeitas que paira há meses sobre Donald Trump e sugere que Moscovo construiu com ele uma parceria que se destina a degradar os laços entre as democracias ocidentais, denegrir a influência americana no estrangeiro e permitir uma esfera de influência russa que nenhum outro líder americano do pós-Guerra Fria autorizaria. Trump respondeu ontem dizendo que foi sob o olhar de Barack Obama que a Rússia anexou a Crimeia e que, a seu ver, o verdadeiro problema não são os indícios de influência russa sobre o seu governo e equipa, mas as fugas de informação que vêm informando o “New York Times” e “Washington Post” – a quem já teceu duras críticas e até impediu o acesso à sua campanha. “Este disparate da ligação russa é uma tentativa de cobrir os muitos erros da campanha falhada de Hillary Clinton”, lançou.

Investigação

Alguns congressistas republicanos admitiam ontem redobrar esforços no que diz respeito às investigações ao envolvimento russo nas eleições do último ano, assim como aos possíveis laços ocultos entre o Kremlin e o novo governo americano, sugerindo que a maioria que supostamente devia acomodar o presidente começa a ceder sob o peso das suas polémicas. Richard Burr, por exemplo, um dos dois membros de topo no Comité de Investigação do Senado, que ainda há meses questionava a necessidade de um olhar atento à mão russa nas eleições, uniu-se ontem ao democrata Mark Warner e juntos prometeram que a investigação já em curso vai focar-se também nos contactos entre membros do governo e agentes russos. “Vamos prosseguir agressivamente as nossas responsabilidades”, disse Burr.