Leicester. Campeão luta para não descer

O ainda campeão de Inglaterra vive momentos difíceis, atirado para os fundos da classificação, apenas com um ponto de avanço sobre o primeiro lugar de descida. Na próxima jornada, novo escolho: o Liverpool

Ao ano de todos os sonhos seguiu-se um ano de pesadelo. O Leicester, campeão-surpresa de Inglaterra em 2015/16, luta para não descer de divisão. A recente derrota no País de Gales frente ao Swansea, no passado fim de semana, atirou a equipa de Claudio Ranieri para o 17.o lugar na classificação, apenas com um ponto de avanço sobre o Hull de Marco Silva, a primeira equipa abaixo da linha de água. Um rombo enorme naquele que parecia, ainda há bem pouco tempo, ser uma espécie de couraçado azul. Bem pôde o presidente executivo da Premier League, Richard Scudamore, exclamar encantado: “Se o título do Leicester é um acontecimento que tem lugar de cinco mil em cinco mil anos, é sinal de que temos cinco mil anos de esperança pela frente.” O treinador italiano conseguira o milagre de fazer com que uma equipa composta por doses equilibradas de experiência e juventude se transformasse num bloco coeso, defensivamente fortíssimo e com jogadores em grande destaque, como foi o caso de Jamie Vardy, o ponta-de-lança que chegou a Leicester em 2012 vindo dos campeonatos amadores, do Fleetwood Town, por um milhão de libras. Figura grada da subida de divisão das raposas na época de 2013/14, foi emblemático na história inédita do título na época seguinte. Bateu o recorde de Van Nistelroy, marcando golos em 11 jogos consecutivos, e foi considerado melhor jogador do ano. O Arsenal ofereceu 22 milhões de libras por ele. Proposta recusada.

Sem surpresa Lutar pela reconquista do título sempre foi considerado uma utopia. O próprio Ranieri veio a público revelar a sua preocupação em relação às altíssimas expetativas que estavam a ser criadas. “Os outros já nos conhecem. Não temos mais o fator surpresa a nosso favor. A minha preocupação esta época é manter o Leicester na Premier League”, disse para quem o quis ouvir. Talvez não tenham sido muitos. Ou talvez houvesse muita gente que, pura e simplesmente, se recusava a cair na realidade.

A presença na Liga dos Campeões também veio exigir muito de um grupo sem história nas competições europeias – apenas uma presença na antiga Taça das Taças (1961/62) e duas na Taça UEFA (1997/98 e 2000/01), nunca ultrapassando a primeira eliminatória . Ainda assim, nova espécie de milagre: na última jornada da fase de grupos, o Leicester já estava qualificado para os oitavos-de- -final – defronta o Sevilha, em Espanha, na próxima semana. O treinador italiano resolveu aparecer nas Antas, contra o FC Porto, poupando quase todos os seus habituais titulares. Foi derretido sem apelo: 0-5! O clube dos dirigentes com nomes compridíssimos – presidente: Vichai Srivaddhanaprabha; vice-presidente: Aiyawatt Srivaddhanaprabha; director executivo: Supornthip Choungrangsee – e apoiado no dinheiro de milionários tailandeses entrou na dolorosa perceção de que os amanhãs deixaram de cantar. Aliás, os amanhãs do Leicester parecem mais sombrios do que nunca. Ao fim de 25 jogos para o campeonato soma somente cinco vitórias – tem seis empates e 14 derrotas. E na próxima jornada vê-se metido entre a cruz e a caldeirinha, como gosta de dizer o povoléu, de Óis da Ribeira a A- -dos-Ferreiros, só para falar das terrinhas do meu torrão.

Não se pode dizer que, em relação à última época, a equipa tenha sido muito alterada. E foi até reforçada com a aquisição de Islam Slimani, avançado argelino que pertencia ao Sporting e custou cerca de 28 milhões de libras. O problema é que Slimani, como Vardy, parece ter perdido a magia do golo. O ainda campeão de Inglaterra demonstra escandalosa esterilidade no ataque. Com apenas 24 golos apontados até agora, só vê na tabela classificativa um ataque pior: o do Middlesbrough, com 19. Mas, lá está, depois a defesa faz diferença: 43 golos sofridos contra 27 (na época passada, o Leicester terminou o campeonato com 36 golos sofridos).

A 12 jornadas do fim, os outrora encantados e festivos adeptos do clube da raposa vivem momentos de aflição, roendo unhas até ao sabugo. E a melhoria registada pelo seu perseguidor mais direto, o Hull City, depois da chegada de Marco Silva, faz acrescer as preocupações. Descer de divisão seria um golpe muito rude para o orgulho de toda uma cidade. Talvez, como diz Ranieri, todos conheçam agora os seus defeitos e as suas virtudes e não voltem a deixar-se comer de cebolada, se me permitem a gastronómica expressão. Seja como for, é de menos. Mesmo sem o fator surpresa, o Leicester tinha obrigação de fazer melhor. Muito melhor. Vem aí, agora, uma semana para limpar cabeças – deslocação no sábado a Milwall, para os oitavos-de-final da Taça de Inglaterra e, em seguida, Sevilha. Depois, a grande batalha pela manutenção recomeça, viva como nunca.