Direita, povo e um gigantesco elogio

A apresentação foi elogiosa, o discurso foi grato. A obra é um prestar contas como antes feito. A sala estava cheia, de povo e personalidades. Fila para autógrafos chegava à ponta

Podíamos estar em 2015. Pedro Passos Coelho e Assunção Cristas, Maria Luís Albuquerque e Pires de Lima. Sorrisos e fotografias, microfones e câmaras de televisão. A direita em peso. Aníbal Cavaco Silva, com o fato e a mesma postura presidencial, entra e uma sala aplaude. Podia mesmo ser 2015. Mas não. É só o lançamento de um livro que nem conta esse tempo.

“Quinta-feira e Outros Dias”, o primeiro volume de memórias de Aníbal Cavaco Silva na Presidência da República, foi lançado ontem no Centro Cultural de Belém – mesmo local em que o antigo chefe do Estado apresentou as suas duas vencedoras candidaturas ao mais alto cargo da nação. 

O cavaquistão anda aí

Cavaco teve intelectuais, académicos, militares e políticos. Do PSD ao CDS-PP não falharam nem quadros nem senadores. E Cavaco teve também povo. Famílias mais idosas, com bagagem atrás, crianças a brincar entre as cadeiras da plateia. O “Cavaquistão” marcou presença e o professor reconheceu-o. “Este privilégio que me foi dado de servir o povo português é, para mim, uma dádiva que a vida me deu”, revelou Cavaco Silva. “Não esqueço”, pausou. “Não esqueço esse apoio que repetidamente me foi dado pelo povo português.” 
O antigo Presidente da República afirmou mesmo que a obra – um ato de “prestar contas” – era a “expressão da profunda gratidão” que tem pelo povo português. 

Em primeiro lugar, o histórico social-democrata agradeceu à sua família. Em particular à esposa, Maria Cavaco Silva. 
“Sem ela não teria tido a carreira profissional nem a carreira política que tive”, admitiu. Eram os entes queridos de Aníbal Cavaco Silva que enchiam a primeira fila do lado esquerdo. 

Do lado direito estava o general Ramalho Eanes – o único ex–Presidente também no local – com a mulher, Manuela Eanes. Ainda nessa primeira fila sentou-se a família política do professor, o centro-direita que esteve em São Bento quando ele presidia em Belém. 

Passos levou as três vice-presidentes (Teresa Leal Coelho, Teresa Morais e Maria Luís), assim como o secretário-geral do PSD, José Matos Rosa, e o ex-ministro e ex-líder de bancada Marques Guedes, também muito próximo de Cavaco. Mas não foram os únicos. João Taborda da Gama e Gonçalo Saraiva Matias, que foram secretários de Estado no segundo breve governo passista, também faziam parte da audiência, assim como Miguel Morgado, que foi adjunto de Passos Coelho no executivo e está hoje na vice-presidência do grupo parlamentar. Pelo menos mais meia dúzia de deputados laranja sentavam-se nas cadeiras do CCB. Ao fundo, chegado mais cedo, estava Hermínio Loureiro.

Do lado do CDS, Assunção Cristas, que esteve no referido governo passado como ministra da Agricultura, sentou-se mesmo ao lado de Pedro Passos Coelho, com quem conversou descontraidamente, segredando até algumas temáticas. 
O único vestígio de Marcelo Rebelo de Sousa detetado pelo i tratou-se de um assessor e de alguns outros colaboradores que transitaram da casa civil de Cavaco para aquela atualmente em exercício. 

Passos e Ferreira Leite

No que toca a senadores viram–se Bagão Félix e Manuela Ferreira Leite, que Passos cumprimentou nas escadas do pavilhão. “Bem-disposta?”, perguntou o presidente do PSD à antiga líder social-democrata e muitas vezes crítica. Ferreira Leite sorriu; trocaram dois beijinhos. Passos sorriu de volta e o assessor levou-o dali. 
Socialistas? Nem vê-los. 

Singular elevação A apresentação da obra ficou a cargo de Manuel Braga da Cruz, o antigo reitor da Universidade Católica Portuguesa. “Este é um livro sobre os poderes presidenciais”, sintetizou o académico, recordando que Cavaco foi o “estadista que durante mais tempo esteve ao leme deste país.” 
“Quinta-feira e Outros Dias” retrata a relação do Presidente com o primeiro-ministro, sendo a referência semanal aos encontros com José Sócrates, na medida em que as legislaturas de Passos e António Costa – os outros governantes com quem a Presidência de Cavaco conviveu – estão reservadas para novo volume. 

Braga da Cruz afirmou que o ex-chefe do Estado “impediu investimentos ruinosos” e “ajudou o primeiro-ministro a proceder” a reformulações de governo, no sentido de “mostrar como é possível a cooperação institucional”. As qualidades e a preparação de Cavaco Silva para os cargos que desempenhou foram largamente elevadas pelo orador. Cavaco agradeceu, considerando a apresentação superior à própria obra que assinou.
“A revelação destas quintas-feiras é fundamental para compreender o tempo completo de algo conturbado da política nacional”, tornou, desta vez, o autor. “Eu dou testemunho”, assumiu Cavaco Silva.

“Foi assim quando exerci as funções de ministro das Finanças, quando exerci as funções de primeiro-ministro… publiquei livros, prestando contas aos portugueses. O mesmo acontece agora”, explicou ainda. “Este livro é, em primeiro lugar, uma prestação de contas aos portugueses. Trata-se de fornecer as informações detalhadas para que eles possam fazer um juízo esclarecido.”

O discurso foi grato e determinado a defender que o relato era “factual”. 
No fim, Cavaco despediu-se, agradecendo aos presentes por ali estarem. “É o primeiro ato público do período pós-político da minha vida. E assim será até ao fim dos meus dias”, prometeu. 
As páginas, essas, já estão aí. E também não vão embora tão cedo.