Estado palestiniano? Whatever, diz Trump

Vinte anos de política externa foram mandados para o lixo com um comentário casual do novo presidente. Em Israel, a direita nacionalista esfrega as mãos de contente

Os israelitas que compõem a dominante ala parlamentar da direita nacionalista assistiram com alívio às eleições americanas de novembro, ao verem que Donald Trump, o homem que mais atirava contra os iranianos e menos apontava o dedo à expansão dos colonatos judeus em terras palestinianas, triunfava sobre Hillary Clinton, que era o mesmo que dizer, pelo menos no que diz respeito ao conflito israelo-palestiniano, que triunfava também sobre Barack Obama e os seus oito anos de críticas mais ou menos abertas ao governo de Benjamin Netanyahu. Obama era menos cético do que o mundo árabe que diz que, em Telavive, há muito que a solução de dois Estados é um discurso de fachada para convencer a opinião internacional de que Israel procura uma solução duradoura e democrática para o conflito. O antigo presidente americano dizia apenas, em privado, que Netanyahu estava politicamente paralisado e era demasiado medroso para avançar com a paz e reconhecer o Estado da Palestina na Cisjordânia e em Gaza, o que, para a grande maioria, é a única chave para garantir a paz e a democracia na região. A chegada de Trump, porém, parece ter ajudado a atirar a máscara israelita ao chão. Também pode ter acendido o rastilho da próxima intifada.
O novo presidente americano desmontou casualmente na quarta-feira a política consensual das últimas duas décadas em Washington e no mundo, ao dizer que, para ele, é indiferente haver uma solução de um ou dois Estados para os israelitas e palestinianos. Trump prometeu um “acordo de paz verdadeiramente grande”, mas disse também, ao lado de Benjamin Netanyahu, que está “a olhar para a solução de dois Estados e para a solução de um Estado”, concluindo, para choque no mundo muçulmano – embora nem tanto surpresa –, que consegue “viver com qualquer uma delas”. O mundo respondeu dizendo que a solução de dois Estados ainda é o único caminho a percorrer – disseram-no com rapidez a França, por exemplo, as Nações Unidas e a Autoridade Palestiniana –, mas, ao seu lado, o primeiro-ministro israelita sorria. 

Trump e Netanyahu não revelaram na quarta em que plano estão a pensar para convencer a Autoridade Palestiniana a regressar à mesa das negociações, o que não acontece desde 2014. A solução de dois Estados parece ser há muito o único caminho viável para a paz, assegurando, por um lado, a preservação de Israel como um país democrático e judeu, e, por outro, a existência de um Estado árabe capaz de coexistir em paz. As negociações, contudo, estão há muito empatadas por culpa mútua. Os palestinianos não têm poder para além da comunidade internacional e estão paralisados por dois governos que não se entendem: a Autoridade Palestiniana na Cisjordânia, aberta a um acordo, e o Hamas na Faixa de Gaza, que não reconhece sequer a existência de Israel. Do outro lado avança a construção de novos colonatos judeus em terras palestinianas, o que muitos veem como uma tentativa encapotada de restringir um futuro Estado e a indicação de que o equilíbrio de forças não se alterará com um acordo. Netanyahu, aliás, insiste em manter as suas tropas nos territórios ocupados, uma condição inaceitável para os palestinianos. 
O processo está esganado e a sociedade israelita parece ter-se entretanto habituado ao statu quo de algumas explosões de violência esporádica. Netanyahu sabe disso e as últimas eleições, em 2015, mostraram que o eleitorado está pouco interessado numa solução arriscada que dê à Palestina soberania. A mão estendida de Trump é, por isso, uma bênção para Netanyahu, que tem agora carta branca para reorientar a política de paz ao sabor de uma onda mais nacionalista. É difícil encontrar uma alternativa democrática à solução de dois Estados que não arrisque o reacender do conflito – uma solução é integrar os palestinianos num só Estado, mas sem direito a nacionalidade, na prática, um apartheid; ou então conceder cidadania a todos, arriscando–se os judeus a perder o controlo de um país face à elevada taxa de natalidade dos seus vizinhos árabes. 
À parte a condenação internacional, não se verificaram grandes episódios de violência na região, o que parece indicar que, por agora, a promessa de ontem está a ser encarada com ceticismo. Mas a ala nacionalista de Israel está contente e sente-se livre para debater políticas mais expansionistas.

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