Campeonato. Um diz-que-diz-que macio que brota dos coqueirais

Tudo o que não seja a vitória do FC Porto, hoje frente ao último classificado do campeonato, tornar-se-ia quase um escândalo. O dragão pode muito bem preparar-se para dormir nos braços do primeiro lugar e ficar à espera da ida do Benfica a Braga, no domingo

Recebendo hoje á noite o Tondela, nas Antas compreensivelmente ferventes de entusiasmo, o FC Porto prepara-se para dormir duas noites no lugar confortável que é o primeiro, aquele que parece uma rede amarrada entre duas palmeiras, numa tarde qualquer em Itapoã, como diria o Vinicius. É verdade que, na época passada, o que é hoje último classificado do campeonato foi capaz de surpreender o dragão na sua própria casa. Tal coisa diz-me pouco. Primeiro porque a história, ainda que muitas vezes se repita, não vive de repetições; depois porque o FC Porto que se viu em Guimarães, na última jornada, está bem mais seguro e desenvolvido do que aquele que iniciou a época, a despeito das vitórias saborosas sobre a Roma no play-off da Liga dos Campeões.

Tudo para lá de uma vitória portista será, convenhamos, surpresa absoluta. Nuno Espírito Santo parece ter encontrado uma equipa-base que obedece às suas ideias. Assim sendo, estabiliza exibições e resultados. Ainda por cima foi capaz de encontrar um ponta-de-lança um bocado menos menino do que os que tinha em carteira. E com três golos em dois jogos, Soares tornou-se num instante uma das figuras da prova.

Ali quase ao lado

 Viaja D. Águia até Braga, não muito longe do palco do jogo desta noite, para um embate com muito de complicado. Ultimamente, Rui Vitória tem sido competentíssimo sempre que defronta o Arsenal do Minho. É um Vitória de vitórias e, esta época, já foram duas. Apesar disso, prevêm-se mais dificuldades do que nos confrontos anteriores. Não que o Braga de Jorge Simão respire saúde, nada disso, vem até de vários resultados embaraçosos e dolorosos – a derrota caseira com o rival de Guimarães, a final da Taça da Liga perdida para o vizinho Moreirense – e não tirou proveito dos pontos perdidos pelo Sporting na luta pelo terceiro lugar. Mas, na Pedreira, há que contar com a vontade férrea dos seus técnicos, jogadores e adeptos. Uma vitória frente ao líder da classificação poderá embalar os minhotos para uma nova vida, de horizontes bem mais claros e luminosos.

Por seu lado, o Benfica acabou de disputar um jogo no qual foi obrigado a correr e a sofrer bem mais do que é habitual. A Liga dos Campeões não se compadece com leviandades. O triunfo face ao Borussia Dortmund tem de ser visto por dois prismas. Pela injecção moralizante, obrigatória: afinal não é todos os dias que se bate a segunda melhor equipa alemã, e FC Porto e Sporting são testemunhas recentes disso mesmo; pelo desgaste físico provocado por 90 minutos de atenção total e de lances discutidos ao metro e ao segundo.

Tive oportunidade de falar aqui da felicidade encarnada na eliminatória da passada terça-feira. Mas recuso-me a deixá-la, solitária, na listagens de factores que conduziram ao sucesso. Não tem o Benfica culpa da desastrosa exibição de Aubameyang, e tem muito mérito na forma como foi encontrar um guarda-redes formidável por meio-litro de leite coado. Quando, outro dia, recordava a primeira visita do Dortmund à Luz, nos anos-60, submetido a um atropelo tremendo – cinco bolas aos postes e à trave -, parecia estar a iniciar um termo de comparação. Desta vez, a superioridade dos alemães da Renânia do Norte-Vestefália, não teve discussão. Mas a derrota não foi provocada pelo sortilégio da madeira.

Encaixou-se entre a incompetência de uns e a competência de outros. Poder-se-á dizer que há ainda muito a melhorar no conjunto de Rui Vitória para o ver voltar à segurança revelada no início da época, apesar da onda de lesões sofrida em catadupa. Mas, reconheça-se: nem contra os outros dois Grandes os jogos têm a intensidade deste que analiso agora. Como não terá, seguramente, o de domingo. Convém balizar as coisas para não se cair na tentação de comparações sem sentido. Dortmund e a Liga dos Campeões são uma realidade que não encontra nenhum paralelo com o que se passa da Raia para cá. Seja qual for o resultado de Braga, é matéria que nem merece discussão.

Procura o Sporting manter-se competitivo, embora não jogando para nada de mais entusiasmante do que a conservação do terceiro lugar. Por isso, ao receber o Rio Ave – está em fase de derrotas – até pode beneficiar do resultado do seu rival da Segunda Circular. Será irónico, mas o futebol é mesmo assim.

E depois do sofrimento em Moreira de Cónegos, nada como regressar a penates e receber o carinho de um público afectuoso apesar de tantas desilusões. Jesus disse que havia ainda um objectivo: o de ganhar todos os jogos. Claro que já o apregoou anteriormente, ainda estava o leão na totalidade das provas que perdeu. Resta-lhe passar da vontade aos factos.

Certo, certo é que, para já, só o dragão parece ouvir o diz-que-diz-que macio que brota dos coqueirais. E cabe-lhe dormir hoje nos braços morenos da lua de Itapoã…