CGD. Marcelo e Costa combinaram tudo ao pormenor

O primeiro ministro aceitou que o Presidnte da República “assassinasse” Mário Centeno no comunicado que fez na segunda-feira à noite. Durante o dia, a demissão do ministro esteve em cima da mesa, perante uma “situação politicamente sustentável”. Marcelo e Costa estiveram sempre alinhados no dossiê CGD

Marcelo Rebelo de Sousa fez um comunicado duríssimo contra o ministro das Finanças na segunda-feira à noite. Ataque ao Governo? Não tanto: Marcelo e António Costa coordenaram ao milímetro o texto do comunicado. Ou seja, o primeiro-ministro deu o ámen a que o seu ministro das Finanças tenha ficado numa posição de ‘fritura em lume brando’. Quando António Vitorino esta semana disse que Mário Centeno tinha sido fragilizado pelo Presidente da República, não tinha este elemento: Centeno foi fragilizado com a cumplicidade ativa do primeiro-ministro.

A verdade é que foi o presidente do PS, Carlos César, o primeiro a anunciar a participação de Costa no comunicado que obviamente fragilizaria Centeno, pese os elogios. Quando o Presidente diz que apenas aceita a manutenção do ministro «atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira» tem o ámen do primeiro-ministro.

Enquanto alguns socialistas criticavam o Presidente, César afirmava, sobre o comunicado de Marcelo: «A intervenção do senhor Presidente da República foi coordenada com o senhor primeiro-ministro e a mensagem que dirigiu é uma mensagem que interpreto como de solidariedade institucional para com o Governo e, em especial, com a qualidade política e a ação do ministro das Finanças».

Na segunda-feira, antes do comunicado do Presidente, Mário Centeno esteve praticamente a deixar de ser ministro das Finanças. «A situação era insustentável para Centeno», afirma ao SOL um alto dirigente socialista. Marcelo, que tinha avisado Costa de que a lei de 1983 iria aplicar-se a António Domingues – que, entretanto, empurrou o problema com a barriga, uma vez que estava focado na recapitalização da Caixa, deixando o Ministério das Finanças a negociar os termos com António Domingues – não estava interessado em que, por ter promulgado o decreto maldito tal como lhe foi apresentado, ainda viesse a levar com os estilhaços de cumplicidade com o Governo na isenção dos gestores. Já alguém se referiu a este processo como um House of Cards à portuguesa – e tem muito disso.

Costa sabia do acordo que Mário Centeno fizera com António Domingues – Centeno não tinha autonomia para gerir estas coisas sozinho – mas também sabia que não podia mudar a lei de 1983, porque, sendo uma lei da Assembleia da República, precisaria de uma maioria no Parlamento para isentar os gestores da CGD. E isso não havia: nunca a maioria de esquerda aceitaria que os administradores da Caixa ficassem isentos de entregar declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional, nem PSD e CDS lhe dariam tal benesse.

Aliás, Costa nunca desmente nem Centeno nem Mourinho Félix quando este processo da dúvida sobre a entrega das declarações é despoletado. Enquanto o gabinete de Centeno afirma taxativamente que os gestores não precisam de entregar as declarações porque já são escrutinados e cumprem esses deveres junto do «acionista Estado», Ricardo Mourinho Félix diz ao DN, taxativamente, que a isenção dos administradores da CGD da entrega das declarações no Tribunal Constitucional foi «uma solução combinada». «Sim, foi intencional, sabíamos que isto [o fim da obrigação de entrega das declarações de rendimentos dos novos administradores da Caixa] seria uma consequência da sua retirada do Estatuto de Gestor Público», disse o secretário de Estado mais próximo de Centeno ao DN a 26 de outubro, depois de o Ministério das Finanças ter emitido o comunicado no mesmo sentido.

A primeira reação de Costa a toda a polémica – que ele conhecia por dentro, evidentemente – foi dizer atabalhoadamente, quando interrogado sobre o caso: «Eu já entreguei a minha [declaração de rendimentos]» remetendo o assunto para o Tribunal Constitucional.

Enquanto o primeiro-ministro fazia este número, o presidente do PS e líder parlamentar dizia, numa declaração ao i a 27 de outubro, que «os gestores da CGD têm de entregar as declarações de rendimentos».

Centeno, aos poucos, foi acomodando-se à reescrita da história, o que o levou a dizer à Comissão de Inquérito à CGD que «inexistiam» comunicações entre si e António Domingues a propósito das condições exigidas pelo antigo gestor da CGD.

Marcelo, que até aí tinha segurado Centeno, avisa que se existir um papel escrito o pode deixar cair. Depois apareceram as sms e a queda ficou iminente.

Costa, além de ter dado o ámen ao comunicado do PR, também se empenhou em mandar calar, em conjunto com Carlos César, um dos seus dirigentes mais destacados que tinha criticado o Presidente. João Galamba, que tinha dito que o Presidente «estava profundamente implicado na polémica» afirmando que o «erro de perceção mútua», frase usada por Centeno para pedir desculpa, «se estende ao Presidente da República», foi obrigado a recuar publicamente.

Se é verdade que Marcelo avisou Costa da lei de 83, o primeiro-ministro encolheu os ombros e o Presidente promulgou na mesma o decreto, a sentença ontem divulgada pelo Tribunal Constitucional levou Marcelo a cantar uma vitória pessoal eventualmente desmedida: «Às vezes, vale a pena ser teimoso, ter a mesma ideia do começo até ao fim ou, dito por outras palavras, ser professor de Direito Constitucional».