Direita prepara comissão à prova de bala

PSD e CDS vão definir objeto para nova comissão à CGD que não suscite dúvidas jurídicas. O objetivo é apurar os contornos da negociação entre o Governo e António Domingues

PSD e CDS devem anunciar para a semana qual será o objeto da nova comissão de inquérito potestativa à Caixa Geral de Depósitos. A formulação exata ainda está a ser decidida pelos dois partidos, mas a ideia é que seja feita de modo a que a esquerda não tenha argumentos para inviabilizar uma comissão que permita apurar os contornos da negociação entre o Governo e António Domingues e as condições que foram impostas pelo banqueiro e aceites pelo Executivo.

«Vai ter de ser uma formulação à prova de bala», comenta uma fonte da direção do PSD ao SOL, numa alusão à forma como até aqui os pareceres da auditora jurídica do Parlamento serviram para impedir que a comissão de inquérito que ainda está em curso versasse sobre o processo de recapitalização da Caixa.

Olhando para os dois pareceres que a auditora fez a pedido de Ferro Rodrigues, há essencialmente dois pontos que a direita tem de assegurar para que o objeto de inquérito proposto seja aceite: é preciso que seja um processo concluído e definido em termos precisos e delimitados. Tendo isso em conta, PSD e CDS acreditam que será possível viabilizar uma comissão de inquérito que tenha como objeto a negociação entre Governo e Domingues.

À esquerda há já avisos de que o objeto da nova comissão parlamentar de inquérito que a direita anunciou ontem terá de ser definido com cuidado. «É preciso respeitar o que a Constituição dispõe sobre essa ou qualquer outra matéria, o que a lei dispõe e o que dizem os regulamentos em vigor», avisou ontem o líder parlamentar socialista Carlos César.

Uma coisa é certa: uma maioria não pode travar a constituição de uma comissão de inquérito potestativa. O que podem é ser levantados problemas relacionados com a definição do objeto do inquérito. E é nesse sentido que devem ser lidas as palavras de César na reação ao anúncio de uma nova comissão de inquérito.

SMS podem ser problema

Outro problema será o de saber se nessa nova comissão os partidos poderão ou não aceder aos sms que têm sido noticiados e que comprovarão um acordo entre Centeno e Domingues para isentar a administração da obrigação de apresentar declarações de rendimentos e património.

Miguel Tiago, deputado do PCP, já fez saber na última reunião da comissão de inquérito à CGD que considera ser «ilegal e inconstitucional» aceder a sms. «Os problemas constitucionais e legais mantêm-se», frisou ontem o líder parlamentar comunista João Oliveira, que defende que uma comissão de inquérito não poderá exigir a transcrição destas comunicações a Centeno e Domingues.

Esse será um dos pontos mais polémicos da nova comissão. Consciente das dificuldades jurídicas, até agora o CDS só tinha apresentado um requerimento para saber se existiam ou não os referidos sms. Já o PSD tinha um requerimento no qual pedia diretamente a transcrição das mensagens. Ambos foram travados esta semana pela maioria de esquerda, que entendeu que estavam fora do objeto da comissão de inquérito.

Mas a questão deve voltar a colocar-se e tanto o PSD como o CDS consideram que há legitimidade, ao abrigo dos poderes das comissões de inquérito, para pedir o acesso a estas mensagens. «Na comissão do BES, a esquerda pediu os emails do Ricciardi», recorda uma fonte da direção da bancada do PSD, afirmando que «as comissões de inquérito têm poderes equiparados aos dos tribunais em processos crime».

O objetivo de PSD e CDS é que a nova comissão de inquérito à CGD possa entrar em funções o mais rapidamente possível. «Desejavelmente, seria algo sequencial, uma vez que a que existe termina no dia 26 de março. Mas nada impede que uma comece antes de outra acabar», aponta uma fonte centrista.

O que nem PSD nem CDS ponderam é abandonar a atual comissão de inquérito à CGD. «Nós nunca abandonámos uma comissão. O PS é que já fez pior: nem sequer indicou deputados para a comissão eventual da reforma do Estado», afirma uma fonte social-democrata, já depois de João Almeida ter assumido na quinta-feira que estava fora de questão o CDS abandonar os trabalhos da comissão de inquérito.

De resto, no CDS acredita-se que a atual comissão de inquérito ainda pode revelar «informação interessante» sobre as necessidades de capitalização da Caixa e a forma como os sucessivos governos se foram relacionando com o banco público.

Não haverá queixa crime

O que o CDS não vai fazer é apresentar uma queixa crime por perjúrio contra Mário Centeno com base nas falsas declarações que o ministro terá feito à comissão ao dizer que «inexistiam» comunicações com Domingues que se veio a saber que existiam.

«A comunicação do ministro foi feita para esvaziar a ilicitude do comportamento. É claro que houve ali mão de juristas, que indicaram a Centeno a importância de sublinhar a boa-fé para afastar qualquer dolo», comenta uma fonte do CDS, explicando que, de qualquer modo, «todos os relatórios finais das comissões de inquérito são sempre enviados para o Ministério Público».

Caberá, depois, ao Ministério Público analisar se entre as conclusões que a comissão de inquérito à CGD vier a produzir haverá ou não matéria crime. «Só esperemos que não haja bloqueio por parte da esquerda para que essa mentira do ministro fique fora das conclusões», afirma a mesma fonte centrista.

Cristas ainda não vai a Belém

O que está também, pelo menos para já, fora de causa é Assunção Cristas pedir uma audiência a Marcelo para expor os receios dos centristas com o que consideram ser uma situação anómala do regular funcionamento do Parlamento que se traduziu num bloqueio de esquerda aos requerimentos da direita na comissão de inquérito à CGD.

Cristas admitiu essa hipótese esta semana em entrevista ao Eco, mas um dirigente centrista assegura que para já a criação de uma nova comissão de inquérito será suficiente para tentar ultrapassar um problema que levou o social-democrata José Matos Correia a demitir-se da presidência da comissão por entender estarem a ser postos em causa «os direitos das minorias» e o apuramento da verdade. «Não queremos dramatizar ainda mais as coisas», sustenta o dirigente do CDS.

Agora, o PSD terá de indicar um novo presidente para a comissão de inquérito na reunião da próxima terça-feira. Esta semana, optou por não nomear o sucessor de Matos Correia para poder refletir sobre a forma como estavam a decorrer os trabalhos. Uma reflexão que levou à proposta de uma nova comissão de inquérito capaz de superar o impasse em que se encontrava a atual.